A fórmula do amor perfeito

A influência da termodinâmica nas relações românticas


Peter Moon


Existe amor perfeito? Ou será que ele não passa de um sonho infantil que cutuca a nossa imaginação, desde o momento em que as meninas começam a sonhar com seus príncipes encantados, e os meninos se imaginam salvando princesas das garras de dragões? Pouco importa quando e de que forma o sonho do amor perfeito se instalou pela primeira no universo onírico de cada um de nós. O fato é que, uma vez instalado, ele nos persegue, provoca e incomoda pelo resto da vida. A busca do amor perfeito se confunde com a busca da felicidade. É um anseio universal, portanto humano. Para os jovens, é um sonho idealizado. À medida que envelhecemos, ele vai mudando, torna-se mais flexível, mais pragmático, mas não desaparece. Quem teve a sorte de conhecê-lo, sente-se abençoado. Quem o perdeu, enluta. A maioria de nós, infelizmente, jamais o encontra, mas persiste na busca. É esta obsessão universal que me leva a crer que o amor perfeito existe. Ele tem que existir! Pensar o contrário é acreditar que homens e mulheres de todos os continentes, independentemente das suas nacionalidades, credos, etnias ou orientações sexuais, passam a vida movidos por uma ilusão irreal e sem sentido. Mas, se o amor perfeito existe, como seria?



"Amor perfeito é ficar com a pessoa amada pelo resto da vida,” me disse ontem uma amiga. Já para a inglesa Jane Austen (1775-1817), “a felicidade no casamento é uma questão de sorte. Por mais profundo que seja o conhecimento mútuo ou identidade entre as partes interessadas antes do enlace, em nada contribui para a felicidade,” diz uma personagem do romance Orgulho e Preconceito (1796). “Quanto menos se conhecer os defeitos daquele com quem se vai passar o resto da vida, tanto melhor será.” Austen jamais teve a oportunidade de comprová-lo. Ela nunca se casou. Ainda assim Austen divide com minha amiga uma mesma certeza: “amor perfeito” tem a ver com “o resto da vida”.

Quem partilha da mesma opinião é o matemático espanhol José Manuel Rey, do Departamento de Análise Econômica da Universidade Complutense, em Madri. Rey tem 42 anos, está casado há 10, e emprega o cálculo diferencial para tentar entender o destino das relações amorosas. Rabiscando equações com o giz no quadro negro, Rey chegou à sua fórmula matemática do amor perfeito. Ela calcula a chance de um casal permanecer unido por toda a vida. Em linguagem matemática, amor é:
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Parece brincadeira, mas não é. E não me pergunte como interpretar a equação. Não faço a menor ideia. A equação, bem como seus resultados possíveis, foi publicada em março no conceituado periódico científico online PLoS One, no artigo “Um modelo matemático para medir a dinâmica sentimental dos casamentos desfeitos”.

O diferencial das gerações e o cálculo amoroso
No tempo de Jane Austen, e até poucas décadas atrás, não havia alternativa ao casamento. Amando-se ou odiando-se, os casais eram obrigados a dividir o mesmo teto por toda a vida. A liberdade era monopólio masculino. Até 1870, ir ao restaurante à noite na Europa era um prazer reservado aos senhores da sociedade, todos casados, e suas amantes. Suas esposas fechavam os olhos - e cuidavam dos filhos. O chá das cinco “para damas” só foi instituído em Londres nos anos 1870, como forma de atrair o público feminino aos restaurantes.

Hoje, metade das crianças e adolescentes nas classes dos meus filhos são filhos de pais separados. As razões são conhecidas. A cláusula pétrea do matrimônio como camisa-de-força da mulher começou a trincar com a introdução da pílula anticoncepcional em 1960, rachou com o amor livre e a Revolução Sexual nos anos seguintes, e ruiu de vez com a inserção maciça da mulher no mercado de trabalho. “A dissolução dos casamentos é onipresente na sociedade ocidental. O fracasso das relações amorosas é epidêmico,” Rey me disse ao telefone. “É preciso muito esforço para manter uma relação. Só o amor não basta. Acadêmicos e terapeutas concordam na existência de um tipo de segunda lei da termodinâmica para os relacionamentos amorosos.”

“Segunda lei da termodinâmica?!? Será que eu ouvi direito?”, pensei do outro lado da linha. “Esse cara é doido. Ou então charlatão. Ou as duas coisas.” Meu espanto tinha fundamento. Destrinchando em miúdos, Rey estava sugerindo que as relações amorosas também estariam sujeitas aos caprichos de um princípio universal básico, a entropia. Há inúmeras definições para a entropia. Segundo a minha predileta, tudo o que é simples tende, invariavelmente, a se tornar complexo. A organização sempre dá lugar à desorganização. Da ordem nasce o caos.

É outono e as folhas caem. Hoje de manhã, varri as folhas mortas do piso ao lado do meu jardim. Amanhã cedo, farei tudo novamente. Deixe-me dar outro exemplo: não importa o quão bem eu arrume as roupas no armário. Bastam dois dias para que a bagunça se instale. Quanto ao dilema matinal de arrumar a cama, desisti dele há anos. Deixo que a entropia tome conta dos lençóis. Quem põe ordem nesse caos é a faxineira, duas vezes por semana.

Termodinâmica entre quatro paredes
No plano físico, a segunda lei da termodinâmica revela-se diante dos nossos olhos diariamente. O problema é expandir sua ação ao plano das idéias e emoções, sobretudo para explicar a dificuldade de se achar o amor perfeito, como sugere Rey. Ele pauta seu trabalho em 40 anos de pesquisas censitárias feitas nos Estados Unidos e na Europa sobre as atitudes de casais que se mantêm casados ou que optam pela separação.

Ao analisar os dados, Rey começou a encontrar padrões de comportamento. Eles serviram para estabelecer as variáveis da sua equação amorosa. “Os casais concebem uma relação duradoura como o principal elemento da sua busca pela felicidade. A maioria acredita que o relacionamento não acabará. Mas o fogo entre o casal começa a amainar logo após o casamento. O rompimento, quando acontece, é o resultado de um processo gradual de deterioração do casamento.”


Até aí, nenhuma novidade. A convivência diária pode acabar por lançar um balde de água fria sobre qualquer casal. Mas aí reside um paradoxo. “Por que um relacionamento planejado para durar, na maioria dos casos termina?” A resposta está na equação do amor perfeito. Ela trabalha com duas variáveis. A primeira é o nível de identificação (cultural, sócio-econômica, de gênero, étnica, ideológica, religiosa, etc...) entre o casal. Quanto maior a identificação, maior será a chance de cada “cara metade” se esforçar pela manutenção do relacionamento. A segunda variável é a tendência “entrópica” de que o amor inicial desapareça. “Esta tendência é inercial. Ela deve ser combatida com ações práticas,” diz Rey.

“Imagine o sentimento de união entre um par romântico (chame isto de amor, se desejar) como a temperatura do chá num bule em repouso. Claro está que o chá esfriará espontaneamente, a menos que algum calor externo seja aplicado ao bule. Esta é uma formulação possível da segunda lei da termodinâmica das relações emocionais. Há um consenso entre os psicólogos que amar não é condição suficiente para sustentar eternamente um relacionamento. Os terapeutas sugerem certas práticas (de ‘aquecimento’) de modo a manter vivas (ou ‘quentes’) as emoções que favorecem uma ligação de longo prazo. A segunda lei da termodinâmica é, portanto, usada como metáfora para dar um status de lei ao fenômeno natural do esfriamento dos sentimentos.”

A lei do máximo esforço
A fórmula do amor perfeito de Rey inter-relaciona diretamente a maior ou menor identificação entre o casal com o nível de esforço que cada parceiro está disposto a despender para manter a união. Quanto maior a identificação, maior o esforço e maiores as chances da relação durar. Mas, graças à entropia, as pessoas mudam, novos interesses surgem, e a identificação varia ao sabor da vida. O desafio consiste encontrar e manter o equilíbrio ideal entre a identificação e a mudança.

Quando aplicou à sua equação os dados censitários dos casais americanos e europeus, Rey chegou a um conjunto de resultados do qual extraiu três conclusões. “A primeira conclusão indica que as relações satisfatórias que duram a vida inteira são possíveis, mas excepcionais”. Convenhamos, Rey não precisaria queimar os neurônios para formular sua equação e chegar num resultado tão óbvio. “Não, o resultado não é óbvio, já que dentre todas as formas possíveis de esforço, há apenas um que leva com sucesso a uma dinâmica sentimental sustentável e duradoura”, diz Rey. É como estar perdido no interior de um labirinto. Só existe um caminho que leva à saída, mas qual?

A segunda constatação de Rey mostra que o nível correto de esforço requerido para sustentar uma relação é sempre maior do que aquele imaginado a priori, quando alguém decide se casar. “A existência deste hiato é universal. Ele representa uma séria fonte de desgaste conjugal.”

O terceiro fator que contribui para a estabilidade de uma relação amorosa reside na constatação de que o esforço ideal para mantê-la, uma vez encontrado, não pode ser esquecido. “Há uma tendência natural de relaxar o nível de esforço correto assim que ele é atingido. Ele deve ser constantemente vigiado e calibrado de acordo com a mudança das circunstâncias no decorrer da vida.”

Neste ponto, você pode estar se perguntando se o nível de esforço necessário para manter a sua relação atual (ou futura) pode um dia se tornar insustentável? Abrir mão da felicidade em nome de uma união estável, do bem-estar dos filhos ou pela manutenção do patrimônio (que pode ser perdido na eventualidade da separação) não foram fatores incorporados na formulação da equação do amor perfeito.

Os nerds também amam. José-Manuel Rey é um matemático com inteligência emocional (ou assim quero crer). Logo de saída, ele excluiu da pesquisa os dados do senso com casais que confessaram permanecer no casamento, apesar de infelizes. A fórmula do amor perfeito foi construída a partir de respostas de gente satisfeita. A satisfação podia estar no encontro da cara metade. Ela podia residir na alegria da superação das crises dos 4, dos 7, dos 10 ou dos 20 anos (e quantas outras houver). Ou era a alegria que deriva da leveza da separação, quando se retira dos ombros o peso de uma relação desgastada e sem futuro, e se recupera a capacidade de sonhar e acreditar na busca do amor perfeito.

Se algum homem chegou até este ponto do texto (aposto que quase todos perderam o interesse vários parágrafos acima), este último parágrafo é para você. Uma constatação da pesquisa é o segredo da felicidade dos homens casados. O estudo mostrou que os homens mais felizes no casamento são aqueles que fazem o que as suas mulheres dizem. Pronto, agora você já sabe. Agora faça o favor de manter segredo. Não espalhe nem conte para os outros. Este segredo é nosso. Um segredo que eu e você, caro leitor, compartilhamos com as mulheres. Todas as mulheres.

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