John Oxford: “A pandemia ainda não acabou”

Na segunda onda da gripe suína, o vírus A/H1N1 pode se tornar mais agressivo, diz o virologista inglês

Peter Moon

QUEM É
O inglês John Oxford, 68 anos, é um dos maiores especialistas no vírus influenza e na Gripe Espanhola de 1918
O QUE FAZ 
É professor de virologia no Hospital St. Bartholomew, da Escola Queen Mary de Medicina da Universidade de Londres

ONDE ATUA
Oxford é diretor da empresa Retroscreen Virology e preside o Hygiene Council
O vírus H1N1 da gripe suína não surgiu em 2009 no México. O causador da recente pandemia mundial de gripe existe há pelo menos 18 anos e evoluiu na Ásia, diz o virologista inglês John Oxford. Na próxima segunda-feira, ele estará no Brasil, uma semana antes do início do inverno no Hemisfério Sul e da temporada de gripe. “Na segunda onda da pandemia, o vírus pode piorar”, diz Oxford, uma das maiores sumidades mundiais no vírus da gripe e diretor científico de uma empresa privada que pesquisa a fabricação de vacinas, a Retroscreen Virology. Sua especialidade é a epidemiologia. E o A/H1N1 não é sua maior preocupação. Oxford teme a gripe aviária, que eclodiu em Hong Kong, em 1997. “A prioridade deveria ser vacinar a população mundial contra ela. Por que esperar pelo pior?”

ÉPOCA – A Organização Mundial da Saúde (OMS) é acusada de ter agido de forma precipitada em junho de 2009, quandou decretou o estado de pandemia do vírus A/H1N1.
John Oxford – A OMS agiu corretamente. Ela acompanhou atentamente o desenrolar da epidemia, desde os primeiros casos no México, em março de 2009. Não sou um conselheiro da OMS, mas sei que seus dirigentes se aconselharam com um grupo de 100 pessoas, entre os maiores epidemiologistas, infectologistas e virologistas especialistas em gripe. A OMS foi informada do grande perigo potencial do novo vírus A/H1N1. Ela alertou os sistemas de vigilância epidemiológica de todos os países. Ela aguardou o máximo possível até decidir decretar a pandemia. Em junho de 2009, quando ficou claro que o novo vírus A(H1N1) havia escapado ao controle, havia se espalhado pelo planeta e era agressivo a ponto de tomar o lugar das demais espécies de vírus da gripe, a OMS fez o que se esperava dela: decretou a pandemia.

ÉPOCA – Contrariando os piores prognósticos, a pandemia foi branda. Há uma impressão de que tudo não passou de um alarme falso. A pandemia acabou?
Oxford – A impressão geral da sociedade é que a pandemia acabou – mas essa não é a opinião da comunidade científica. Se olharmos as pandemias do passado, como a pandemia russa de 1889-1893 e a Gripe Espanhola de 1918-1920, a experiência mostra que as pandemias não vão embora de uma hora para a outra. Elas não desaparecem. O que o passado nos mostra é que a primeira onda de uma pandemia não é necessariamente a pior onda. No caso das pandemias russa e espanhola, as ondas mais letais vieram depois. Daí vem a minha suspeita de que as próximas ondas da gripe suína podem vir a ser piores.

ÉPOCA – Há indícios de piora do vírus?
Oxford – Não. No momento não há evidência nenhuma de que o vírus A/H1N1 esteja mutando – e ele nem precisa. Acredita-se que o A/H1N1 tenha infectado entre 30% e 40% dos 7 bilhões de seres humanos. Ainda há muita gente para ser infectada, pelo menos 4 bilhões de pessoas, a imensa maioria sem cobertura vacinal. Só quando esse “manancial” for infectado o vírus poderá sofrer pressões adaptativas para mutar. Mas nada impede que surja uma nova mutação mais perigosa a qualquer momento. O vírus ainda é muito instável – e imprevisível.

ÉPOCA – O senhor tomou a vacina?
Oxford – Sim, em dezembro. Eu trabalho diretamente com os doentes.

ÉPOCA – Qual é o prazo de proteção da vacina? Quando devemos tomar de novo?
Oxford – Quem tomar a vacina hoje precisará de dez dias até adquirir imunidade. Quanto ao prazo dessa imunização, eu diria que ele não é superior a 18 meses. Daqui para a frente, o ideal será repetir a vacina a cada 12 meses, como acontece com a vacina da gripe comum. Vou tomá-la novamente em dezembro. A gripe aviária mata sete em cada dez doentes. Há risco de 
pandemia. O que estamos esperando para iniciar uma vacinação global preventiva?

ÉPOCA – O governo brasileiro diz que a vacinação atingiu 70% do público-alvo: 73 milhões de pessoas, 37% dos brasileiros.
Oxford – Vacinar 70% do público-alvo num país enorme como o Brasil é um porcentual altíssimo. Vocês estão bem melhor que muitos países da Europa e os Estados Unidos, onde, em média, só metade do público-alvo aderiu à campanha. Sem falar em dezenas de países da África, Ásia e América Latina onde quase ninguém foi imunizado.

ÉPOCA – Nos Estados Unidos, o público prioritário incluiu a população entre 6 meses e 64 anos. Na Europa foi igual. No Brasil, crianças e adolescentes entre 3 e 19 anos ficaram de fora. O grupo respondeu por 38% da incidência em 2009.
Oxford – O Brasil é um país emergente muito importante. Creio que o governo está bem assessorado e tenha tido boas razões para excluir essa faixa etária da vacinação. Mas é verdade que, na União Europeia e nos Estados Unidos, crianças e adolescentes foram incluídos. Talvez tenha faltado vacina, não sei.

ÉPOCA – A pandemia do A/H1N1 serviu para testar o funcionamento do sistema mundial de alerta epidemiológico de gripe, criado em 2005 em função da gripe aviária. Ela ainda preocupa?
Oxford – A gripe aviária, causada pelo vírus A/H5N1, é a principal preocupação dos epidemiologistas. Ela emergiu em Hong Kong, em 1997. Desde então, toda semana morre alguém na China, no Egito ou no Sudeste Asiático. Ao contrário do A/H1N1, o A/H5N1 não é transmissível pelo ar nem entre humanos. Para pegar a gripe aviária, uma pessoa precisa ter contato físico com aves doentes. Quando isso ocorre, a mortalidade chega a 70%. O medo é ocorrer uma mutação que torne o vírus A/H5N1 contagioso pelo ar e transmissível entre humanos. Essa mutação poderia causar uma pandemia de gripe aviária que, segundo estimativas da OMS, mataria 1 bilhão de pessoas.

ÉPOCA – Em 2009, o Egito sacrificou seu rebanho de porcos, animais passíveis de infecção pelas gripes humana e aviária. Suspeita-se que o sacrifício tenha ocorrido pelo temor de que os porcos se tornassem os agentes incubadores desta nova pandemia. Isso tem fundamento?
Oxford – Eu sinceramente preferiria saber que o sacrifício do rebanho no Egito foi decidido por razões epidemiológicas. Mas acho que não foi o caso. Acho que se usou a gripe suína como um pretexto para acabar com os porcos (o consumo de carne suína é proibido entre os muçulmanos). Se era para acabar com a gripe aviária no Egito, não funcionou. As pessoas continuam morrendo.

ÉPOCA – A pandemia de gripe aviária pode ser evitada, não? Já existe uma vacina...
Oxford – Essa é hoje a questão mais debatida entre a elite dos virologistas, mas não há consenso. O vírus A/H1N1 da gripe suína precisou de 18 anos para virar pandêmico. Nós já estamos convivendo com o vírus A/H5N1 da gripe aviária há 13 anos, desde a “gripe do frango” de Hong Kong, em 1997. Quanto tempo ainda teremos antes de o A/H5N1 mutar e ficar ainda mais perigoso? Se sabemos fazer uma vacina, por que não incluí-la na dose da vacina da gripe sazonal? A prioridade da OMS deveria ser iniciar uma campanha global de vacinação preventiva para imunizar a população mundial. Por que esperar pelo pior?

Publicado originalmente em 13/06/2010 em ÉPOCA Online

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