O Nobel ficou velho?

É o que diz um abaixo-assinado de cientistas de primeira linha. Eles querem reformular o prêmio

Peter Moon

Tony Stark era um mercador da morte. Mais conhecido no mundo dos quadrinhos como o Homem de Ferro, Stark era um cientista genial que se dedicou à invenção de armas. Tornou-se um magnata da indústria bélica. Um dia, Stark percebeu na própria carne o mal causado por suas armas. Daí decidiu parar de produzi-las e dedicar suas indústrias à perseguição de ideais mais elevados. Com o químico sueco Alfred Nobel (1833-1896), o inventor da dinamite (TNT), aconteceu algo parecido. “O mercador da morte está morto. Alfred Nobel, que fez fortuna procurando meios para matar mais pessoas o mais rápido possível, faleceu ontem”, afirmava a manchete da página de obituários de um jornal parisiense, em 1888. A notícia era prematura. Quem morrera fora seu irmão, Ludvig. Nobel morava em Paris – e não gostou do que leu. Diz a tradição que, naquele dia, decidiu se redimir. O resultado foi a criação do mais prestigioso dos prêmios.

Inventor do TNT, Nobel era chamado
de “mercador da morte”
Milionário, Nobel não se casou nem teve filhos. Em 1895, fez seu testamento. Legou sua fortuna de 33 milhões de coroas (o equivalente hoje a várias centenas de milhões de dólares) a uma fundação com seu nome. Ela seria responsável por conferir prêmios àqueles cujas contribuições “resultassem em benefício da humanidade”. Três prêmios reconheceriam os avanços nas principais ciências básicas do século XIX: física, química e medicina. O quarto prêmio é o de literatura e o quinto, dado à pessoa ou instituição com relevantes serviços prestados à causa da fraternidade, é o prêmio da paz. A falta de um prêmio de matemática se explica com uma fofoca. Nobel ignorou a disciplina, pois perdeu uma namorada para um matemático.

Alfred Nobel morreu em 1896. O primeiro prêmio de física foi dado em 1901, ao alemão Wilhelm Röntgen, que descobriu o raio X. Rapidamente, o Nobel se tornou sinônimo de excelência científica, intelectual e artística. Os ganhadores viravam celebridades da noite para o dia. Foi o caso de Einstein, em 1921. Por outro lado, nomes óbvios foram esquecidos. Marcel Proust e James Joyce morreram sem o prêmio de literatura (não há prêmio póstumo).

Nos 120 anos desde a redação do testamento, as ciências mudaram e o mundo mudou. A Fundação Nobel, não. Ela continua fiel aos princípios de seu criador. O resultado é um desconforto crescente nas premiações. Enquanto grandes avanços passam despercebidos, é comum a sensação de que certos agraciados beiram a irrelevância.

Por isso, dez sumidades foram convidadas pela revista New Scientist para avaliar o Nobel. Em 30 de setembro de 2009, enviaram uma carta aberta à Fundação Nobel, pedindo a reformulação dos prêmios. Assinam a carta o zoólogo holandês Frans de Waal e vários cientistas americanos: os biólogos Edward Wilson e Lynn Margulis, o neurocientista Steven Pinker e o cientista da computação Rodney Brooks. Todos sem Nobel. “Os prêmios são extraordinários. Eles reconheceram muitos dos mais notáveis feitos do século XX”, diz a carta. “A ciência, entretanto, mudou muito desde que Nobel assinou seu testamento. Em 1895, ele não poderia imaginar ameaças como a mudança climática e a aids. Nem saberia do surgimento de novas disciplinas cujos resultados vão transformar o mundo para melhor.” Muitos dos novos campos de pesquisa não se encaixam nos prêmios atuais. “Se a Organização Mundial de Saúde (OMS) erradicasse a malária, tal feito não se qualificaria a nenhum prêmio. Avanços fundamentais na neurociência e na ecologia também não seriam reconhecidos.”

A Fundação Nobel não é impermeável a mudanças, lembra a carta. Em 1968, ela criou o prêmio de economia, financiado pelo Banco Real da Suécia. Se há um precedente, por que não outros? Para revitalizar o Nobel, mantendo sua relevância por mais cem anos, a carta sugere duas mudanças. A primeira é criar um prêmio de meio ambiente e saúde pública. Ele viria reconhecer os avanços na promoção da sustentabilidade, no combate às mudanças climáticas e na proteção da biodiversidade, além de agraciar os avanços na epidemiologia e na erradicação de doenças.

A outra sugestão é alterar o prêmio de medicina, expandindo-o para abrigar as contribuições de todas as ciências biológicas. “Áreas hoje excluídas, como a ecologia, se tornariam elegíveis.” Caso não se possa alterar o prêmio, a carta sugere dois prêmios novos. O de biologia reuniria as disciplinas da genética, ecologia e biologia molecular, onde acontecem os maiores avanços da ciência atual. Já o prêmio de ciência comportamental incluiria a psicologia e a neurociência. Nada mais justo. O funcionamento do cérebro é a mais desconhecida das fronteiras. Qualquer avanço para entender os mistérios da consciência mereceria um prêmio.

A Fundação Nobel foi rápida na resposta. Em 4 de outubro de 2009, um comunicado afirmou que um único prêmio, o de economia, foi criado desde 1901. “É a única adição: os prêmios de medicina e da paz podem agraciar os esforços nos campos das mudanças climáticas e das doenças infecciosas.”

Charles Darwin (1809-1882) morreu 19 anos antes da primeira entrega de um Nobel. É quase um consenso que Darwin, o pai da teoria da evolução, é o cientista mais influente de todos os tempos. Suas ideias têm impacto até hoje em biologia, genética, ecologia, medicina, ciências humanas e ciência da computação. Se estivesse vivo, ele não se qualificaria a um Nobel. Não é um sinal claro de que o Nobel precisa evoluir?

Comentários

  1. todos q são talentosos merecem prêmios. os prêmios ajudam a propagação, mas outros sempre ficam sem ganhar. beijos, pedrita

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