Um nerd na Fashion Week

Ou como um vestido de Balenciaga me fez ver que alta costura é arte


Peter Moon

“Pai, eu só conheço uma pessoa mais nerd que você,” disse minha filha, a Victória Moon, de 14 anos. “É o Sheldon”. Em sua adolescência efervescente, praticamente nenhum interesse da Vicky coincide com os meus. Uma das pouquíssimas exceções é The Big Bang Theory, uma série de tevê a cabo muito engraçada sobre quatro amigos de Los Angeles. Eles são todos meio gênios, meio malucos e muito esquisitos. Adoram computadores, adoram super-heróis, sabem tudo de ciência e são negações no esporte. Dois deles são pesquisadores no Caltech, o Instituto de Tecnologia da Califórnia. Os outros, um indiano e um judeu, são metidos a conquistadores. Numa escala de 0 a 10, sua taxa de sucesso com a mulherada é menos dois (- 2) .

O mais nerd do grupo é Sheldon Cooper. Ele é um físico teórico. Se o universo tem de fato 11 dimensões como defendem os pesquisadores da teoria das cordas (o que duvido), Sheldon deve passar a maior parte do tempo perdido no espaço restrito entre aquelas sete dimensões invisíveis e desconhecidas. Sua cabeça definitivamente não pertence ao nosso universo em quatro dimensões (saiba mais sobre as dimensões do cosmo no livro do físico Marcelo Gleiser).

Quando a Vicky me chamou de nerd, ao contrário de me ofender, recebi sua observação como um elogio. O termo nerd surgiu nos Estados Unidos nos anos 1950. Tem geralmente uma conotação pejorativa e define um estereótipo. Segundo o verbete da Wikipedia (em inglês), nerd é “uma pessoa que busca avidamente atividades intelectuais, empreendimentos técnicos ou científicos, conhecimento esotérico ou outros interesses obscuros incomuns para a sua idade, em vez de se engajar em atividades mais sociais ou convencionais.” Com a exceção do esoterismo – sou cético ao extremo – eu me encaixo sob medida nesta definição.

No meu tempo de escola, bem antes da enxurrada politicamente correta que assola o planeta e ameaça mergulhar a complexidade das relações humanas numa tediosa e absoluta hipocrisia, nerd era o “cu-de-ferro”, o “caixa-dóculos” e o “quatro-olhos” – muitos nerds eram míopes e usavam óculos “fundo de garrafa”. Eu era um deles. Adorava ciência, devorava quadrinhos, era tímido como uma porta e um desastre nos esportes. A única vez que me aceitaram num time de futebol foi por total falta de opção. Se eu não entrasse, não haveria jogo. Aí me botaram no gol, onde disseram que eu correria menos risco de fazer bobagem. Quão enganados estavam? Perdemos por dois a zero. Ansioso, esqueci que nem o goleiro pode entrar no gol segurando a bola. Fiz dois gols contra. Minha carreira futebolística começou e terminou naquele dia, aos 11 anos.

A inexplicável leveza de Cristobál Balenciaga
O nerd cresceu, perdeu a timidez, mas continuou obsessivamente interessado por ciência, aventura, cinema de arte, os clássicos da literatura, música erudita, jazz, artes marciais, filosofia e humanidades. Foi por isso que gostei da observação da Vicky. Sheldon é um estereótipo extremo de tudo o que é ser nerd. E eu me identifico com ele, sobretudo com seus preconceitos. Nerds, por definição, odeiam mauricinhos e patricinhas. Para os nerds, o restante da humanidade vive uma existência rasa, superficial, consumista e fútil. E nada, mas nada mesmo, representa melhor este universo fútil do que a moda. Pelo menos era o que pensava. Quão enganado estava...

O título desta crônica é propositalmente enganador. Na semana da São Paulo Fashion Week, este nerd que vos fala não assistiu nenhum desfile nem passou perto do pavilhão da Bienal de São Paulo. Não quer dizer que eu não tenha pensado em moda. Pensei, e bastante. Todos os anos, quando começa a SPFW, recordo a revelação que tive em 2004, ao ir com a Vicky na Fashion Passion, uma exposição que comemorava os 100 anos da alta costura.

Como diz o ditado, “não basta ser pai, tem que participar.” Por ser pai de uma menina, decidi levá-la a Fashion Passion. Ela adorou. Eu também. Aquela exposição foi um tapa na minha cara. Nada do que li nos livros me preparou para o choque estético que foi me ver diante daquele famoso tailleur rosa, uma criação original de Coco Chanel. Chique é um termo absolutamente incompleto para definir aquele tailleur.

Os vestidos acinturados com longas luvas brancas de Christian Dior e Givenchy me deixaram embasbacado. Eu já os conhecia de Hollywood. Nos anos 1950, eles envolveram o corpo de deusas sagradas inacessíveis como Audrey Hepburn e Grace Kelly.

Se por um lado as golas olímpicas de Cacharrel me incomodaram - lembrei como coçavam – adorei a irreverência descontraída de um brincalhão como Jean-Paul Gauthier ou uma provocadora como Vivienne Westwood.

Aí veio Balenciaga. Ao virar um corredor da Bienal, dei de cara com um majestoso vestido de noiva cor de chumbo. Perdi o fôlego. O que era aquilo?!?!?! Parecia uma escultura em mármore, mas era tecido. Era clássico e ao mesmo tempo ousado. Era concreto e, no entanto, flutuava. Não era roupa, era poesia.

Aquele vestido de noiva foi um divisor de águas em minha vida. O estilista basco Cristobál Balenciaga (1895-1972) foi um gênio maior. Se a alta costura possui um Shakespeare ou um Dostoievski, seu nome é Balenciaga. “Balenciaga é o único entre nós que é um verdadeiro costureiro”, decretou certa vez a primeira-dama da alta costura, Coco Chanel.

A alta costura, descobri na Fashion Passion, é uma forma de arte. Desde então, suas criações e seus mestres passaram a ocupar em minha mente um espaço antes restrito aos grandes escritores, pintores, compositores, músicos, atores e cineastas. Mesmo assim, nunca fui numa SPFW. Não foi por preconceito. Foi receio de sair desapontado. Coco Chanel morreu em 1971. E nunca houve um costureiro como Cristobál Balenciaga.

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