Os dinossauros podem ter evoluido na América do Sul

Uma nova espécie achada nos EUA sugere que a origem dos dinossauros estaria no continente sul-americano

Peter Moon


O Tawa hallae viveu no Novo México, há 215 milhões de anos

O ancestral do ser humano evoluiu na América do Sul, mais especificamente nos pampas argentinos. Seu nome era Homo pampeus. Essa afirmação do naturalista argentino Florentino Ameghino (1854-1911) é, há muito, considerada absurda. No entanto, quando foi feita em Paris, em 1879, a hipótese foi levada a sério. Por uma razão: oito anos antes Charles Darwin havia publicado A descendência do homem (1871), onde diz que o Homo sapiens e o chimpanzé teriam um ancestral comum. À época, o único membro conhecido da família humana era o homem de Neandertal, o “homem das cavernas”, achado na Alemanha, em 1856. 

Apesar de Darwin apontar corretamente para a África como o local onde nossos ancestrais deveriam ser procurados, em 1879 nenhum havia sido encontrado – o que só ocorreria em 1925, com o Australopithecus africanus. Na ausência de um ancestral africano, por que não um sul-americano?


O estauricossauro do Rio Grande do Sul

Paleontólogo autodidata, Ameghino foi à França mostrar os fósseis das dezenas de espécies extintas achadas na Patagônia. Empolgado pela leitura de Darwin, Ameghino apressou-se em identificar os restos de um grande macaco que viveu nos pampas há milhões de anos como o ancestral comum que o pai da evolução falava. Ameghino enxergava traços muito primitivos em quase todas as espécies de mamíferos e dinossauros que estudou. Não satisfeito em apontar a América do Sul como o berço da humanidade, decretou que em nosso continente teriam surgido os mamíferos e dinossauros.

Desde a descoberta dos fósseis humanoides na África, as conclusões de Ameghino viraram motivo de chacota. Agora, repentinamente, deixaram de ser, ao menos no que diz respeito aos dinossauros. Os dinossauros podem, sim, ter evoluído na América do Sul – ou melhor, na região hoje correspondente à América do Sul, mas que no início do período triássico, há 230 milhões de anos, fazia parte do supercontinente Pangea, que reunia todos os continentes em um único bloco de terra. A reabilitação da hipótese de um berço sul-americano para os dinossauros foi publicada em 11 de dezembro de 2009, na revista americana Science.

O trabalho apresenta uma nova espécie de dinossauro, o Tawa hallae. Ele era bípede, carnívoro, tinha 1,5 metro de altura e media até 4 metros do focinho à cauda. Viveu há 215 milhões de anos no Novo México, nos Estados Unidos. Segundo os pesquisadores do Museu Americano de História Natural, em Nova York, os responsáveis por sua descoberta, o parente mais próximo do tawa viveu há milhares de quilômetros dali. s Era o Herrerasaurus ischigualastensis, um dinossauro de 228 milhões de anos achado em 1959, ao pé dos Andes argentinos. O tawa foi classificado como um dos primeiros membros do ramo terópode, o ramo dos grandes répteis que 150 milhões de anos depois viria a produzir monstros carniceiros como o tiranossauro rex – e que jamais se extinguiram. Continuam entre nós, como aves.


O argentino herrerassauro, o mais antigo dinossauro conhecido

Se o tawa não tem parentes próximos no Hemisfério Norte, esse não é o caso do herrerassauro ao sul do Equador. Desde os anos 1970, foram encontradas diversas espécies de dinossauros antigos no norte da Argentina e no Rio Grande do Sul. Eles viveram entre 230 milhões e 215 milhões de anos atrás. Eram predadores bípedes com altura de cachorros grandes – embora, somando-se a cauda, fossem muito mais compridos. Na Argentina, os primos do herrerassauro são o lagossuco, o pisanossauro e o eoraptor.

Do lado brasileiro da fronteira também já foi encontrado um exemplar da família do tawa. É o Staurikosaurus pricei. Ele viveu há 225 milhões de anos. Seu fóssil foi achado em 1936 pelo paleontólogo gaúcho Llewellyn Ivor Price (leia O maior anfíbio do mundo viveu no Maranhão) e seu colega americano Theodore White, do Museu de Zoologia Comparada da Universidade Harvard. Os ossos petrificados estavam expostos num barranco, há poucos quilômetros de Santa Maria. “O fóssil foi levado para os Estados Unidos, onde ficou largado numa gaveta do museu por 40 anos”, diz Alex Kellner, paleontólogo do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Não é um procedimento anormal. Há nos museus do mundo muito mais ossos para analisar do que especialistas capazes de fazê-lo. Foi só em 1970 que o americano Edwin Colbert resolveu estudar o fóssil gaúcho. Descobriu que o estauricossauro era quase tão antigo quanto o herrerassauro. Colbert batizou a nova espécie de “lagarto do cruzeiro do sul” (estauricossauro pricei, uma homenagem ao brasileiro Price). Após 60 anos em Harvard, os fósseis do estaurico voltaram ao Brasil em 1997, emprestados ao então doutorando Jonathas Bittencourt, no Museu Nacional. “Os fósseis estavam muito deformados. Não havia a certeza de que era um terópode”, diz Bittencourt.


O argentino eoraptor

Ele e Kellner fizeram uma nova análise dos ossos para atestar que, de fato, se tratava de um longínquo ancestral das aves. Fizeram também moldes do esqueleto para estudo e exposição no Brasil. Quanto ao original, teve de ser devolvido a Harvard em 2006. “O estaurico foi descoberto antes de 1942, quando foi criada a lei que passou a proibir a saída de fósseis do país”, diz Kellner.

Pena, uma vez que aquele é o único fóssil do dinossauro mais antigo do Brasil. “O estauricossauro é raríssimo. Nunca foi achado outro espécime”, diz Kellner. A hipótese lançada na Science com a descoberta do tawa é que os dinossauros evoluíram na América do Sul. Para prová-la, é necessário encontrar nesta parte do mundo um fóssil ainda mais antigo e primitivo – o elo perdido entre os dinossauros e seus ancestrais, os anfíbios.



Referências:
Bittencourt, J.S., & A.W.A. Kellner. 2009. The anatomy and phylogenetic position of the Triassic dinosaur Staurikosaurus pricei Colbert, 1970. Zootaxa 2079:1-56.
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Nesbitt, S.J., N.D. Smith, R.B. Irmis, A.H. Turner, A. Downs, & M.A. Norell. 2009. A complete skeleton of a Late Triassic saurischian and the early evolution of dinosaurs. Science 326:1530-1533.
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Sereno, P.C., C.A. Forster, R.R. Rogers, & A.M. Monetta. 1993. Primitive dinosaur skeleton from Argentina and the early evolution of Dinosauria. Nature 361(6407):64-66.

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