“Eu não sou um vegetal!”

Por 20 anos, todos achavam que Rom Houben estava em coma. Mas Rom via, ouvia e sentia tudo ao seu redor - sem poder se comunicar

Peter Moon


Houben e a mãe, Fina, na clínica de Zolder, na Bélgica. 
Eram 2 da manhã de domingo, 20 de novembro de 1983. O telefone tocou. Fina Nicolaes pulou da cama e correu para atender. Era aquela ligação que nenhuma mãe deseja receber. Seu filho Houben, então com 20 anos, havia sofrido um acidente de automóvel, depois de uma balada de sábado à noite. Ele e quatro amigos foram hospitalizados. Os amigos se recuperaram. Rom Houben não teve a mesma sorte. Com graves lesões cerebrais, mergulhou num estado de coma profundo. A vida do jovem entusiasta de artes marciais e estudante do 2o ano da Escola Superior de Comércio, da Universidade de Liège, se resumia a silêncio e imobilidade.

Após meses de exames neurológicos, os pais e a irmã receberam o diagnóstico definitivo: ele não havia morrido, mas era como se não estivesse mais vivo. Todas as suas funções cerebrais relacionadas à consciência haviam cessado. Todos os músculos estavam paralisados. Suas pálpebras se fixaram na posição semicerrada. Houben não reagia a nenhum som. Ele havia mergulhado em um estado vegetativo irreversível, embora suas funções vitais estivessem inalteradas. Respirava sem a ajuda de aparelhos e recebia alimentação intravenosa. Houben foi internado numa clínica em Zolder, sua cidade natal, no interior da Bélgica, de onde nunca mais saiu. Jamais esteve sozinho. A mãe, Fina, uma enfermeira aposentada de 73 anos, visitou-o todos os dias, cuidou dele, falou com ele. Nunca duvidou de que ele a compreendesse.

Em 21 de novembro, 26 anos após o acidente, a revista alemã Der Spiegel anunciou que Houben não estava em coma – e talvez nunca tenha estado. Ele é tão consciente e alerta como você e eu. Enxerga e escuta tudo a sua volta. Mas é, há 9.497 dias, prisioneiro do próprio corpo. “Não sou um vegetal!”, digitou no teclado com o único dedo que consegue – se não mover – ao menos estremecer. É assim que a fonoaudióloga Linda Wouters sabe qual letra Houben quer escrever. Linda o treina no uso do teclado desde 2006, quando uma nova técnica de tomografia criada pelo neurologista Steven Laureys, do hospital da Universidade de Liège, provou que a atividade cerebral do rapaz é “quase normal”.

Em algum momento entre 1983 e 2006, Houben recobrou a consciência. “Eu fui testemunha do meu próprio sofrimento, desde quando os médicos e as enfermeiras ainda tentavam falar comigo até o dia em que desistiram”, diz ele. Ano após ano, limitou-se a observar as enfermeiras e ouvir suas conversas, incapaz de fazê-las saber que ele estava lá, consciente. “Eu gritava, mas ninguém me ouvia.” O pior dia, afirma, foi aquele em que a mãe contou da morte do pai: “Eu queria chorar, queria reconfortá-la. Meu corpo ficou imóvel”.

No começo, Houben sentia raiva. Aos poucos, esse sentimento foi substituído pela frustração e, por fim, pela resignação. “Todo o tempo eu sonhava com uma vida melhor. Graças à meditação, buscava refúgio em minhas fantasias. Frustração é uma palavra branda para exprimir o que sentia”, diz ele, com auxílio da fonoaudióloga. “Jamais esquecerei o dia em que, finalmente, perceberam que eu estava lá. Foi como nascer de novo.” Isso foi em 2006, mas o mundo só ficou sabendo na semana passada.

Houben passou os últimos dias recebendo jornalistas de toda a Europa. O esforço o deixou cansado, e feliz. Ele permanece paralisado, seu estado é irreversível, mas a resignação deu lugar à esperança na vida. Ele agora tem projetos. Diz, por exemplo, que vai escrever um livro sobre sua vida. Enquanto isso, lê romances e se delicia com as canções de Edith Piaf e de Jacques Brel.


Cena do filme O escafandro e a borboleta, que trata de um
 caso de síndrome de encarceramento
Houben é vítima da síndrome do encarceramento. Nela, os pacientes ficam total ou parcialmente conscientes, aprisionados num corpo todo, ou quase todo, paralisado. O caso mais famoso foi o do jornalista parisiense Jean-Dominique Bauby (1952-1997). Diretor da revista Elle, em 1995 ele sofreu um acidente vascular cerebral e entrou em coma. Acordou 20 dias depois. A única parte do corpo sobre a qual Bauby ainda mantinha domínio era a pálpebra esquerda. Graças a ela, piscando, Bauby se comunicava com o mundo. Foi piscando que escolheu, uma a uma, as letras de cada palavra de sua pungente autobiografia, O escafandro e a borboleta (1997). Ele morreu dez dias após a publicação do livro, que virou filme em 2007.

Bauby podia piscar. Dezenas de milhares de pacientes em coma em todo o mundo não podem. Para eles, a nova técnica que resgatou Houben para o convívio humano traz esperança. O neurologista Laureys usou-a para detectar certos graus de consciência em outros pacientes, sem revelar quantos. A dificuldade é distinguir a divisão entre o estado vegetativo e uma consciência mínima. “É muito difícil saber a diferença”, diz Laureys, que analisa 50 pacientes por ano. “Até agora não apareceu um outro caso como o de Houben.” Laureys escreveu num artigo científico publicado em julho de 2009, na revista BMC Neurology, que no mínimo 10% dos comatosos podem ter recebido diagnósticos errados. Isso significa que pode haver milhares de Houbens pelo mundo afora.

Publicado originalmente em 27/11/2009, ÉPOCA.

Comentários

  1. Oi Peter sabe algo parecido aconteceu com meu namorado, eu tinha 21 anos e ele 18, qdo ficou em coma, eu conversava com ele e saiam lagrimas dos olhos dele, mas a familia dele tinha todas as resposats medicais pra tudo. Mais tarde qdo ele foi pra casa, como um vegetal, era o que os medicos diziam, eu o visitava todos os dias, eu sabia que ele estava ali e me entendia mto bem, mas a familia dizia que era inutil pq ele nao entendia mais nada.... era a minha claridade contra diagnosticos medicos, com o tempo me afastei pq pra mim era mto sofrimento.... bisous Peter bonne nuit merci bcp!

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