José Goldemberg - "O Brasil não precisa de energia nuclear"

O físico que ganhou o Nobel do Meio Ambiente critica o governo por ampliar o programa atômico

Peter Moon

Toda manhã, bem cedo, um senhor percorre a passo rápido a pista de cooper do clube A Hebraica, em São Paulo. Ninguém lhe dá os 80 anos que tem. Gaúcho de Santo Ângelo, o físico José Goldemberg é um dos maiores cientistas que o Brasil já teve. Foi reitor da Universidade de São Paulo e ministro da Educação. Sua especialidade é a produção de energia. Crítico das usinas nucleares, nos anos 1970 Goldemberg foi um dos responsáveis pela criação do Proálcool. Passados 30 anos, o programa é referência mundial. Em 2007, a revista Time elegeu Goldemberg um dos Heróis do Meio Ambiente no planeta. Há poucos dias (entrevista publicada originalmente em 26/06/2008), ele recebeu o Prêmio Planeta Azul, considerado o Nobel do Meio Ambiente. São R$ 800 mil (50 milhões de ienes) dados pela fundação Asahi Glass, do Japão, por sua contribuição às políticas de uso e conservação de energia. Goldemberg está em ótima companhia. Exemplos de ganhadores do prêmio são o ecologista britânico James Lovelock, criador da Hipótese Gaia (a suposição de que o planeta forma um grande organismo vivo), a ex-primeira-ministra da Noruega Gro Harlem Brundtland, conhecida por sua ação a favor das causas ambientais, e o ambientalista Lester Brown, fundador do Worldwatch Institute, um dos mais respeitados centros de análise ambiental.


Peter Moon – O que pensa da energia nuclear?
José Goldemberg – Os países que adotaram a energia nuclear em grande escala são França, Japão, Coréia do Sul e Taiwan. No caso da França, a adoção foi para buscar a autonomia energética, o que a torna hoje o país da União Européia menos dependente do gás natural da Rússia. A segunda razão foi a inexistência de outras opções. O Japão não tem recursos hídricos nem petróleo. O pico na construção de usinas no mundo foi entre os anos 1960 e 1970. As empresas que produziam reatores começaram a pressionar os países em desenvolvimento a fazer usinas. Aí aconteceram os acidentes nas usinas em Three Mile Island (1979), na Pensilvânia, e Chernobil (1986), na Ucrânia. Eles deixaram muita gente preocupada. A construção de usinas nos países ricos parou. Nos Estados Unidos, não se inaugura um reator há 30 anos. Muitas empresas fecharam. A Siemens fechou sua divisão nuclear. A General Electric saiu do ramo. Sobrou apenas uma empresa, a francesa Areva, que absorveu todas as outras. Ela teve um reforço substancial do presidente Bush, que, em seu mandato, tentou reerguer a energia nuclear. Isso não ocorreu até agora.

Moon – O governo anunciou que vai concluir Angra 3 e quatro novas usinas, duas no Nordeste e duas no Sul. Como o senhor vê esse projeto?
Goldemberg – Após o primeiro choque do petróleo (1973), os militares queriam construir até 30 usinas. O governo Geisel não entendeu que a energia nuclear competiria com as hidrelétricas no fornecimento de eletricidade. E não substituiria o petróleo. Felizmente, conseguimos mostrar isso. Hoje, o problema é o mesmo. O Brasil ainda não precisa da energia nuclear. Temos outras opções. O aproveitamento hidrelétrico do Brasil ainda tem amplo espaço para avançar, e os problemas ambientais aos poucos vão sendo resolvidos. Hoje, é possível gerar energia com uma área inundada menor que os reservatórios de Itaipu ou Tucuruí. Outra opção é a energia eólica no Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão e Ceará. O potencial equivale a uma usina de Itaipu (que responde por 20% do consumo do país). No Sul, existe um pouco de vento em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, mas não muito.

Moon – Há outras opções?
Goldemberg – O bagaço de cana. Com a expansão do etanol, a quantidade de bagaço disponível é cada vez maior. O que antes era um rejeito de que as usinas precisavam se livrar, hoje, pode ser queimado para gerar eletricidade. As usinas de álcool já vendem 1 milhão de quilowatts, potência igual à da usina nuclear de Angra 1. Não é pouco. Dentro de cinco anos, as usinas de álcool gerarão 4 milhões de quilowatts. Em dez anos, o equivalente a uma Itaipu (ou 12 milhões de quilowatts).

Moon – Então, por que voltar a investir em energia nuclear?
Goldemberg – Os planos de expansão nuclear no Brasil são resultado da pressão corporativa do próprio setor nuclear. Terminar a usina de Angra 3 não é ruim. Já estamos no meio do caminho, é melhor acabar e pronto. Agora, espalhar quatro reatores pelo país me parece mais uma tentativa de agradar aos governadores locais que de responder a uma necessidade de energia. O sistema brasileiro é interligado. Quando se liga a luz da cozinha, não se sabe se a energia é de Itaipu ou de Tucuruí. Dizer que é bom colocar um reator no Nordeste, pois assim o Nordeste ficará independente em energia, é uma falácia. Fazer novos reatores é politicagem.

Moon – A ditadura militar queria fazer a bomba atômica. Esse desejo pode estar por trás do anúncio das novas usinas?
Goldemberg – A política das potências nucleares é evitar a proliferação. Um projeto geopolítico para dotar o Brasil de armas nucleares, em vez de ajudar-nos a entrar no Conselho de Segurança das Nações Unidas, pode jogar contra. Assim que o Brasil se engajasse nesse caminho, a Argentina faria o mesmo. A proliferação nuclear, que o presidente Bush acabou consciente ou inconscientemente estimulando, é um desserviço para a humanidade. É perigosa. Há uma experiência de 60 anos em que Estados Unidos e União Soviética, mesmo em situações extremas, não recorreram às armas nucleares. Mas países periféricos como o Irã ou até Israel podem usar armas nucleares se acharem que sua soberania nacional está em jogo.

Moon – O vice-premiê israelense, Shaul Mofaz, disse que “atacar o Irã para parar seus planos nucleares será inevitável”. Energeticamente, como fica o mundo?
Goldemberg – O Irã ainda não acabou seu reator, mas olha a mão-de-obra que está dando. Se esse cenário ocorrer, o barril de petróleo passará dos US$ 200 e poderá chegar a US$ 300. Os países seguirão o exemplo da França. Seu cenário encoraja o nacionalismo energético. Mas o Brasil está protegido. Temos outros recursos.

Moon – Vivemos o terceiro choque do petróleo?
Goldemberg – Sim. Até 40% do aumento no preço do petróleo é fruto de especulação. Com o barril a US$ 140, caso acabe a especulação, o barril ficará em US$ 100. Abaixo disso, não cai.

Moon – Como fica o Brasil, depois da descoberta do megacampo de Tupi?
Goldemberg – As projeções de Tupi são excelentes. Sob esse aspecto, o que acontece no mundo nos ajuda. Se o petróleo estivesse a US$ 40, os novos campos seriam inviáveis, por causa do custo de extração. Agora sim, o Brasil se tornará uma grande potência. Mas é preciso aliar o desenvolvimento econômico ao social. Enquanto a tranqüilidade social do país depender do Bolsa-Família, estamos num terreno escorregadio. Não se pode fazer como Dubai, com seus arranha-céus, hotéis sete-estrelas e arquipélagos artificiais. É um escárnio para a pobreza que existe no mundo.

Moon – O que é o Prêmio Planeta Azul?
Goldemberg – Ele foi dado pelo conjunto de minha carreira, não por um trabalho isolado. Cerca de 1.500 pessoas indicaram 104 nomes. Um comitê secreto escolheu o vencedor. É um pouco como o Prêmio Nobel, que não tem essa categoria. O Planeta Azul pretende assumir o papel de um Nobel do Meio Ambiente. A reputação do prêmio é dada pelas pessoas que o receberam. Na lista há nomes muito bons. A entrega será em Tóquio, em novembro.

Comentários