O jacaré que pastava

Ele era herbívoro e terrestre, tinha patas longas e viveu em São Paulo há 90 milhões de anos

Peter Moon

Nunca existiu um jacaré como o Sphagesaurus montealtensis, a mais nova descoberta da paleontologia brasileira. Ao contrário dos jacarés e crocodilos atuais, que levam uma vida semi-aquática, o esfagessauro era exclusivamente terrestre. Tinha patas longas e seus olhos ficavam nas laterais do crânio. Serviam para encarar o mundo de frente. Já os jacarés do Pantanal e os crocodilos do Rio Nilo e do litoral norte da Austrália têm os olhos no topo da cabeça. Seus olhos são a única coisa que fica fora d’água, quando eles permanecem à espreita de uma presa, com os corpos submersos.


O esfagessauro alcançava até 2 metros (Paleoarte de Felipe Elias)
O esfagessauro podia medir até 2 metros de comprimento e era adaptado à vida no semi-árido, a caatinga que dominava o Estado de São Paulo entre 90 milhões e 80 milhões de anos atrás. O que torna o Sphagesaurus montealtensis diferente das outras centenas de espécies de jacarés e crocodilos atuais ou extintos, todos carnívoros sem exceção, é que ele provavelmente era herbívoro – apesar de seu nome quase impronunciável significar “lagarto assassino de Monte Alto”, cidade onde seu crânio quase completo foi encontrado em 1990. Ele está guardado no Museu de Paleontologia de Monte Alto.

“Ele é o jacaré mais esquisito que eu já vi”, afirma o paleontólogo Marco Brandalise de Andrade, doutor pela Universidade de Bristol, na Inglaterra. Andrade e Reinaldo Bertini, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), de Rio Claro, descreveram a nova espécie na última edição da revista científica Historical Biology. Segundo Andrade, os dentes do esfagessauro são diferentes dos de qualquer outro membro da família dos crocodilianos. “Eles não têm a forma das presas de um carnívoro. São próprios para mastigar folhas pequenas e rugosas, como as das árvores da caatinga e os espinhos dos cactos.” A razão pela qual o único jacaré herbívoro que existiu foi batizado de “lagarto assassino” é que o primeiro exemplar que deu nome ao gênero esfagessauro foi descrito em 1931 pelo paleontólogo alemão Friedriech von Huene. Na época, ele não tinha condições de estudar qual teria sido a dieta do bicho.

Os primeiros fósseis de jacarés terrestres foram descobertos no fim do século XIX. Todos pertencem ao grupo extinto dos notossuquídeos, os “crocodilos austrais”. Eles surgiram no antigo supercontinente de Gondwana, que começou a se dividir há mais de 160 milhões de anos para dar origem a América do Sul, África, Austrália, Antártica e Índia. É por isso que se encontraram fósseis de jacarés terrestres no Níger, em Madagáscar e no Paquistão. Na América do Sul, eles viveram da Patagônia ao Nordeste brasileiro. Além de São Paulo e Minas Gerais, seus fósseis foram encontrados em Mato Grosso, no Maranhão e no Ceará. Exemplos são os “paulistas” adamantinassuco, naurussuco e mariliassuco, o “mineiro” uberabassucos e o “cearense” araripessuco.

Se o esfagessauro era um jacaré herbívoro, não faltavam predadores no meio ambiente de caatinga em que ele vivia. “Havia dinossauros carnívoros e muitos outros jacarés”, diz Andrade. “Mas também havia os titanossauros, gigantes herbívoros e quadrúpedes, além de muitas espécies de tartarugas de água doce, ou cágados.”

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