O Universo e o metrô do Rio

O físico americano Lawrence Krauss vira turista, sobe no Pão de Açúcar, pega o metrô e segue os passos de um prêmio Nobel na Copacabana de 1953. Eu sou seu cicerone. Viro guia turístico nas ruas da Cidade Maravilhosa. 

PETER MOON

 Krauss (à esq.) e o repórter que vos escreve,
no alto do Corcovado, em 10/08/2009
“Já imaginou se o Universo fosse uma sinfonia cósmica composta de minúsculas cordas invisíveis que não param de vibrar?”, diz um físico a outro. “Que teoria elegante! Mas do que são feitas essas cordas?”, responde o segundo físico. “Não faço a menor ideia”, diz o primeiro. É com esse diálogo imaginário que o físico e ensaísta americano Lawrence Krauss ilustra seu descrédito com a teoria das cordas (leia "O futuro do universo é miserável"). Desde os anos 1980, a teoria das cordas tem sido a candidata preferencial ao posto de teoria final, aquela que algum dia unificará as leis fundamentais da física num único conjunto de poderosas fórmulas, capaz de explicar como o Universo surgiu e se desenvolveu.

“A teoria das cordas fascinou uma geração de físicos por sua inegável beleza matemática, mesmo sem nunca ter produzido qualquer resultado verificável”, disse Krauss em sua recente visita ao Rio de Janeiro, em agosto de 2009, para a assembleia anual da União Astronômica Internacional (IAU). “A teoria pode ser bela, mas quem disse que o Universo está interessado em beleza matemática?”

O Universo talvez não, mas Krauss, um dos mais premiados e importantes físicos da atualidade, parece estar. Uma das primeiras coisas que me pediu, quando nos encontramos, foi que eu o fotografasse com a orla de Ipanema e a Pedra da Gávea ao fundo (confira a foto acima). Estávamos no bar do Corcovado. Centenas de turistas se acotovelavam diante do Cristo Redentor, numa manhã ensolarada de segunda-feira, o único dia livre de Krauss no Rio, antes de uma semana repleta de conferências.

Era a primeira visita de Krauss ao Rio – e a segunda ao Brasil. Ele esteve no país em junho para palestras em Cuiabá, Mato Grosso, e Campos do Jordão, São Paulo. Por e-mail, antes da viagem, Krauss me pediu para servir de guia. Perguntei se ele queria um roteiro “intelectual”, com visita a museus e ao Jardim Botânico. “Não! Quero turismo.” Escolheu o roteiro clássico, com direito a subida no Corcovado e passeio de bondinho no Pão de Açúcar.

O roteiro turístico padrão: Corcovado e Pão de Açúcar

Krauss aparenta ter dez anos menos que seus 56. É simpático, feio, troncudo (“Eu lutava boxe na faculdade”) e baixinho. No meio acadêmico, é conhecido como o Grande Krauss, apesar do 1,65 metro. Como pesquisador, seus interesses vão da origem do Universo à existência de universos paralelos com múltiplas dimensões.

Krauss ganhou fama com as pessoas comuns por sua habilidade em traduzir ideias complicadas de forma simples. Ele escreveu livros de divulgação científica como A física de Jornada nas estrelas (1995). “Antes do lançamento do último filme, em maio, passei duas semanas tendo de dar entrevistas”, diz. “A ciência do filme é ruim, cheia de furos. Mas o filme é ótimo. Ao mostrar a origem dos personagens Kirk e Spock, conseguiram reinventar a série dos anos 1960.”

Em julho de 2009, na comemoração dos 40 anos da chegada do homem à Lua, Krauss foi novamente assediado. Suas respostas são diretas e polêmicas. “Não vejo vantagem científica nenhuma nas missões espaciais tripuladas. O único ponto a favor é seu poder de instilar nas crianças o interesse pela ciência. Eu tinha 15 anos, em 1969, quando assisti na TV ao pouso da Apollo 11. Quem viu não esquece.” Krauss defende a volta do homem à Lua, bem como uma futura missão tripulada internacional a Marte. “Mas a passagem deve ser só de ida. Os astronautas têm de ir para ficar.” Isso cortaria pela metade os custos da missão, pois não seria preciso trazê-los de volta. “Colonizar Marte será a sequência natural da odisseia humana. Nossa primeira aventura se deu há 60 mil anos, quando saímos da África.”

Krauss nasceu em Nova York e, ainda criança, mudou-se com os pais para Toronto, no Canadá. “Eu me considerava canadense. Não sabia que era americano até entrar no doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Achava que precisava de visto para os Estados Unidos. Só fui saber que tinha a cidadania quando me disseram que não precisava de visto.”

Em 1988, Krauss se transferiu para a Case Western Reserve University, em Cleveland, Ohio. Foi lá que, como pesquisador, autor e diretor do Departamento de Física, adquiriu reconhecimento e fama. Em 2007, quando a filha única saiu de casa, Krauss e a mulher mudaram para Phoenix, no Arizona. “É estimulante mudar de vida a cada 15 anos. Impede que a gente se acomode.”

A razão da transferência foi o convite da Universidade Estadual do Arizona para criar a Iniciativa Origens, um centro de pesquisas dedicado ao estudo das questões mais fundamentais da ciência: como surgiu o Universo? Qual é a origem da vida? Como funciona o cérebro? O que é a consciência? “É o maior desafio da minha carreira.” Krauss conta com sua reputação para atrair grandes cientistas a dar cursos em Phoenix. Ele passa metade do ano viajando e dando palestras. Antes de desembarcar no Rio, participou de uma conferência exclusiva com o geneticista Craig Venter, que mapeou o genoma humano em 2001. Na plateia, estavam Sergey Brin, cofundador do Google, e Paul Allen, sócio de Bill Gates na Microsoft.

“Venter é um bom cientista e um excelente marqueteiro”, diz Krauss, enquanto observa, do interior do bondinho, montanhistas escalando o paredão do Pão de Açúcar. “Eles não correm o risco de ser presos?” Digo que não. Conto que o bondinho foi reformado nos anos 1970, antes de servir de cenário para a luta de James Bond contra o homem dos dentes de aço, em 007 contra o foguete da morte (1979). “É mesmo! Tinha me esquecido desse filme. Roger Moore nunca me convenceu como 007. Sean Connery era melhor. Mas esse cara novo (Daniel Craig) é bom”, diz.

Em busca do ídolo intelectual

Depois do bondinho, bateu a fome. Sugiro irmos ao Celeiro, no Leblon, um lugar de comida natural - e preços sobrenaturais?!? Enquanto conversamos e tomamos cerveja, Krauss conta o que fez no dia anterior, um domingo, logo que chegou ao Rio. Ele foi retraçar os passos do seu ídolo intelectual pelas ruas do Rio. Krauss se hospedou num hotel em Copacabana, perto dos locais onde o físico americano Richard Feynman morou, em 1953. Ganhador do Nobel de 1965, Feynman (1915-1988) é uma lenda entre os físicos graças a sua assombrosa intuição e às aulas memoráveis. “Queria visitar os lugares que ele conheceu. Estou escrevendo uma biografia intelectual de Feynman.”

No fim da tarde, Krauss tinha um compromisso na assembleia da IAU, localizada num novo centro de convenções no Estácio, Zona Norte do Rio. Por ter crescido no Canadá, Krauss adora metrô. “É meu meio preferido de transporte quando viajo.” Seu hotel fica estrategicamente a três quadras de uma estação em Copacabana ("Escolhi esse hotel na internet, por causa do metrô"). O metrô estava cheio. Como bom paulista, eu estava preocupado em saber quantas estações faltavam para chegar ao Estácio. Krauss, seguro, dizia: “Fique tranquilo. Eu vi na internet. Ainda faltam cinco”. Perguntei às pessoas ao nosso lado. Krauss estava certo.

Comentários