A origem dos restaurantes

A biografia de Escoffier, o maior chefe francês, mostra como ele sozinho inventou o restaurante moderno como o conhecemos

Peter Moon


Da próxima vez que você for a um restaurante e estiver em dúvida se deve pedir uma entrada, pois em caso negativo ficará com a consciência tranqüila para saborear a sobremesa, pare e lembre o seguinte: a ordem de sua refeição, que começa com o maître lhe entregando o cardápio e termina no cafezinho, é obra do maior dos chefs, Georges Auguste Escoffier (1846-1935). Escoffier é o inventor do restaurante moderno, como se pode comprovar na excelente biografia Escoffier – O rei dos chefs, de Kenneth James (Senac São Paulo, 480 págs., R$ 65).

Antes de Escoffier, a gastronomia francesa seguia os mandamentos de Antonin Carême (1784-1833), responsável pela sistematização das técnicas da culinária do país. Foi Carême quem decretou, por exemplo, qual tipo de faca deveria ser usado em cada função, quais as técnicas possíveis para cortar uma cenoura (como o corte em tirinhas à juliana) ou como fazer o molho bechamel. Mais importante, foi Carême quem reuniu as receitas da culinária regional francesa, da Normandia à Provença, em seu monumental L’Art de la Cuisine Française (A arte da cozinha francesa, 1833-1834. Mais informações em Carême – Cozinheiro dos reis, de Ian Kelly, Editora Jorge Zahar).

Se foi Carême quem escreveu os fundamentos da culinária francesa, coube a Escoffier difundi-la pelo mundo. O veículo foi o restaurante de luxo. Ele surgiu em associação com o hotel cinco-estrelas criado por César Ritz, parceiro de Escoffier por 30 anos. Em 1884, Ritz assumiu a administração do decadente Grande Hotel de Monte Carlo, em Mônaco, e colocou Escoffier no comando da cozinha. Foi quando Escoffier substituiu o serviço à francesa, o bufê em que os pratos quentes invariavelmente esfriam, pelo serviço à russa, com pratos individuais em série. Foi também em Mônaco que ele introduziu o serviço à la carte, com um cardápio reduzido que priorizava os melhores produtos de cada estação. Era algo oposto às refeições de Carême, que podiam ter até 150 pratos.


Escoffier (à esq.) com um amigo em Paris, em 1925. Ele instituiu o costume de tomar café só no final da refeição











Nas mãos de Ritz e Escoffier, o Grande Hotel tornou-se destino obrigatório da aristocracia européia. O sucesso os levou a assumir em 1890 o hotel Savoy, em Londres. Foi lá que Escoffier pôde mostrar suas habilidades como administrador. Sob seu comando, os maîtres passaram a vestir smoking e os garçons roupas e aventais brancos. Na cozinha, baniu o fumo e o consumo de bebidas. Em seguida, organizou o trabalho dos diversos chefs confeiteiros, padeiros, de molhos, de entradas, de assados e de peixes, focando cada um em suas funções. A cozinha passou a funcionar como uma linha de produção, em que as várias etapas de confecção de uma receita eram de responsabilidade de cada chef. Essa mudança fez o tempo de espera dos clientes cair de até uma hora e meia para, em alguns casos, 15 minutos. Por fim, aboliu um costume que persistia desde o século XVII, o de tomar café a qualquer hora. Escoffier adorava café, mas seu gosto embota o paladar. Por isso decretou: café só no fim da refeição.

Para Escoffier, sua missão era promover a cozinha francesa pelo mundo. Em 1903, publicou Le guide culinaire (o guia culinário). Antes dele, os livros de receitas traziam os ingredientes dos pratos, mas não suas quantidades precisas. Armado de balança e copos de medir, Escoffier fez exatamente isso – com mais de 5 mil receitas. Não por acaso, seu guia ainda é a bíblia da gastronomia.


Publicado originalmente em 25/09/2008, em ÉPOCA.

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