Não foi na África?

Fósseis de macacos achados no Deserto do Saara sugerem que a linhagem humana surgiu na Ásia

Peter Moon


Ilustração de ancestrais remotos do homem no Saara de 40 milhões de
anos atrás. Em sentido horário, a partir do canto superior esquerdo,
o Afrotarsius, o Karanisia, o Talahpithecus e o Biretia.
A história evolutiva da linhagem que desembocou no ser humano há 250 mil anos é cheia de lacunas. Três são os principais pontos de interrogação. Quando surgiram os primeiros primatas, os ancestrais de macacos e lêmures? Quando evoluíram os antropoides, os ancestrais do grupo que inclui chimpanzés, gorilas e o Homo sapiens? Por fim, quem foi e quando viveu o “elo perdido”, o ancestral comum de homens e chimpanzés? Não há respostas definitivas para essas questões. O que temos são aproximações, algumas muito boas. É o caso de Ardi, a fêmea da espécie Ardipithecus ramidus, que viveu na África há 4,4 milhões de anos, o ser mais próximo que conhecemos do elo perdido. Já o primata mais antigo é o Plesiadapis, um bicho peludo parecido com um esquilo que viveu na Europa há 60 milhões de anos. No meio do caminho entre Plesiadapis e Ardi ficam os primeiros antropoides. Pensava-se que o ancestral de chimpanzés, gorilas e humanos tivesse evoluído na África há 40 milhões de anos. Um estudo publicado na semana passada na revista Nature levanta a possibilidade de o ancestral dos antropoides ter raízes na Ásia.

A hipótese da origem asiática se deve à descoberta, por uma equipe internacional de antropólogos, dos fósseis de quatro espécies de antropoides, batizadas de Afrotarsius, Karanisia, Biretia e Talahpithecus. Seus fósseis foram achados em Dur At-Talah, uma região de escarpas desoladas no meio do deserto da Líbia. Os macacos viveram há 39 milhões de anos, quando a África era um continente-ilha e o Deserto do Saara era uma floresta tropical.

Se você acha que os macacos da ilustração parecem saguis e em nada lembram chimpanzés, tem razão. Mas as aparências enganam. A anatomia desses macacos guarda a assinatura indelével dos antropoides, a futura linhagem humana. Não bastasse, as quatro espécies são muito diferentes entre si – embora isso também não seja perceptível ao olhar do leigo. Ora, se elas eram bastante diferenciadas há 40 milhões de anos, é porque seu ancestral comum era mais antigo. Logo, o ancestral comum aos antropoides deve ter habitado um local entre a Europa do Plesiadapis de 60 milhões de anos e a África do Saara luxuriante de 40 milhões de anos. 

A direção a olhar é a Ásia. “Se nossas ideias estão corretas, a colonização da África pelos antropoides foi um evento essencial – um dos pontos-chave em nossa história evolutiva”, diz o líder da pesquisa, o antropólogo americano Chris Beard, do Museu Carnegie de História Natural, em Pittsburgh, nos Estados Unidos. Não bastasse uma profusão de elos perdidos para explicar a evolução humana, acaba de surgir mais um, asiático. Agora só falta encontrá-lo.

Originalmente publicado em Época Online, em 27/10/2010

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