O elo perdido da baunilha

A baunilha, esta essência exótica e inimitável, é a semente de uma orquídea. Há mais de 150 variedades. A mais rara e apreciada de todas só cresce no Taiti. Ninguém sabia como ela foi parar lá. Até agora.

Peter Moon

Esqueça os frasquinhos com essência de baunilha. Se você nunca teve a oportunidade de provar um crème brûlée ou um sorvete com cobertura de baunilha, baunilha de verdade, extraída da fava, não sabe o que está perdendo. É como estar acostumado a tomar cidra e um belo dia descobrir que existe champanhe. O caminho é sem volta.


A orquídea Vanilla tahitensis vem de uma espécie
cultivada na América Central pelos maias
Esta essência de sabor e fragrâncias inimitáveis deriva de mais de 200 substâncias presentes na semente, ou melhor, na fava de 10 a 20 centímetros de uma orquídea chamada Vanilla planifólia (vanilla, em latim, quer dizer vagina).
Isso mesmo, a baunilha é uma orquídea. Originária da América Central, esta trepadeira pode atingir mais de 35 metros e desabrochar mil flores ao mesmo tempo. Ela se espalhou pelos trópicos de todo o mundo levada pelos galeões espanhóis nos séculos XVII e XVIII. Existem cerca de 150 variedades. Mas só duas têm valor comercial. A V. planifólia bourbon é cultivada em Madagascar e no entorno do oceano Índico. Madagascar respondeu por 60% das 11 mil toneladas colhidas em 2006.

Já a raríssima Vanilla tahitensis, a mais cobiçada baunilha dos gourmets, como o nome indica, só cresce no Taiti, na Polinésia Francesa. São apenas 50 toneladas de favas por ano, ou menos de 0,5% da produção mundial. Até hoje, ela era considerada uma espécie diferente, pois suas folhas são mais estreitas do que as da V. planifolia. Não mais. O biólogo Pesach Lubinsky, da Universidade da Califórnia em Riverside, fez uso da genética para revelar a origem desta preciosa orquídea. Lubinsky conseguiu comprovar que a V. tahitensis é um híbrido entre duas variedades de baunilha, a V. planifólia, que era cultivada pelos maias na América Central antes da chegada dos conquistadores espanhóis, e a V. odorata, que cresce nas florestas da Guatemala e nunca foi cultivada.


As favas de baunilha são cobiçadas pelos gourmets
“Todas as evidências apontam na mesmadireção,” diz Lubinsky. “Nossa análise genética corrobora o que as fontes históricas dizem, ou seja, que a baunilha foi levada ao Taiti por marinheiros franceses em meados do século 19. Alphonse Hamelin, o almirante francês responsável pela introdução da baunilha no Taiti, usou mudas de baunilha trazidas das Filipinas. Os registros históricos contam que a baunilha havia sido previamente introduzida pelos galeões espanhóis que partiam do Novo Mundo, e especificamente da Guatemala”. Apesar de a baunilha não ser encontrada hoje nas Filipinas, um tratado botânico de 1837 intitulado Flora de Filipinas faz menção à “baunilha da Guatemala”. Há 300 anos, os galeões que seguiam para a China faziam escala em Manila após zarpar da América Central.

“É aí que entram os agricultores maias”, diz Lubinsky. “Eles exploraram suas florestas por milênios para cultivar o cacau e fazer chocolate – e nós sabemos que os maias bebiam chocolate temperado com baunilha. Portanto, a baunilha do Taiti, na verdade, é um produto evolucionário da civilização maia”, que publicou o resultado da pesquisa no American Journal of Botany.
 Os maias, com certeza, tinham um paladar refinadíssimo.

Originalmente publicado em Época Online, em 29/08/2008

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