Geoff Colvin - “Quem suporta o preço do sucesso?”

Para o editor da Fortune, a chave da excelência não é o talento, mas a disposição para anos de sacrifício

Peter Moon

A noção de que há pessoas dotadas de talento “natural” é um mito, segundo o americano Geoffrey Colvin. Em Desafiando o talento – mitos e verdades sobre o sucesso (Editora Globo, 288 páginas, R$ 32,80), Colvin afirma que o talento é quase irrelevante para atingir o sucesso. No esporte, nas artes e na carreira, a escolha do caminho rumo ao topo costuma cobrar um preço alto. Você estaria disposto a abrir mão da família e dos amigos para dedicar anos ao estudo e ao treinamento intensivos, de modo a atingi-lo? Foi o que fizeram o golfista americano Tiger Woods, o pianista chinês Lang Lang e o bilionário Bill Gates. Na entrevista a seguir, Colvin explica por que o talento é tão superestimado.

QUEM É 
O jornalista Geoffrey Colvin é editor-sênior da revista Fortune e comentarista de negócios da rádio CBS. Entre 2002 e 2005, apresentou o programa Wall Street with fortune, da rede de TV PBS

O QUE ESTUDOU 
É formado em economia pela Universidade Harvard. Cursou o MBA na Universidade de Nova York

O QUE PUBLICOU
Desafiando o talento (2008). The upside of the downturn (2009)

ÉPOCA – Você diz que o talento é superestimado nas empresas. No esporte e nas artes, é imprescindível, mas não basta. Por quê? 
Geoff Colvin – Essa questão é essencial ao sucesso. Tome o exemplo do pianista chinês Lang Lang. Ele tinha 2 anos quando seus pais decidiram que seria um grande pianista. Forçaram-no a estudar horas e horas por anos a fio. Hoje, ele é um dos maiores pianistas vivos. O preço foi brutal. Ele não conhece nada além do piano. É feliz? Não sei. Seus pais fizeram a escolha certa? Ou foi uma atrocidade forçar o filho a uma carreira que não escolheu?

ÉPOCA – Para atingir a excelência, deve-se começar cedo, daí a importância do papel dos pais. Como escapar dessa armadilha? 
Colvin – Depende do modo como os pais fazem seus filhos entender, sem revolta nem angústia, que o caminho para o sucesso é longo e difícil. Quem suporta o preço do sucesso? Muitos pais determinam o futuro dos filhos quando eles são pequenos. Foi assim com o golfista Tiger Woods. Seu pai pôs um taco em suas mãos quando tinha 2 anos. Mas Woods não se ressentiu. Ele adorava o pai e parece feliz sendo o melhor do mundo. Por outro lado, muitos pais forçam os filhos a fazer coisas contra a vontade. As crianças se tornam ressentidas. Crescem odiando os pais. Na primeira chance, abandonam o que foram forçadas a fazer.

ÉPOCA – Apesar do sacrifício, pais e filhos precisam estar prontos para o fracasso? 
Colvin – Em qualquer ramo de atividade, quando a meta é ser o melhor, milhares de horas de dedicação são precondição, mas não são suficientes. Só há uma ou duas vagas no topo. Portanto, sim, pais e filhos devem estar preparados para a hipótese de não chegar lá. Para quem chegou, a questão é outra: quando parar? Um músico pode parar por causa da idade ou porque decidiu se aposentar. Lang Lang devotou toda a vida para se tornar um grande pianista. Fora o piano, não há mais nada. É o dilema dos grandes astros. Por isso, com frequência vemos grandes ídolos retomando a carreira. Michael Jordan, o maior jogador de basquete de todos os tempos, já se aposentou três vezes. O exemplo mais recente é Lance Armstrong, o maior dos ciclistas. Ele voltou a correr.

ÉPOCA – Para eles, deve ser difícil viver sem a fama e o assédio dos fãs e da imprensa. 
Colvin – Muita gente gostaria de ser o melhor do mundo em alguma coisa. A indústria cultural martela os jovens com a ideia de que é fácil, basta se tornar um astro da música ou jogador de futebol. Nunca informa a enorme dedicação por trás de cada sucesso. Tal esforço consumirá a vida. Quem chega a esse ponto deve se perguntar: “Estou disposto a sacrificar tudo para ser o melhor?”. Não há problema se a resposta for negativa.

ÉPOCA – Mas, se for positiva, em função dos anos de dedicação, a escolha deve ser feita quando somos muito jovens, certo? 
Colvin – A vantagem de começar cedo é fundamental no esporte e na música. Quem não começar cedo jamais será competitivo. Quem decidir, aos 18 anos, que quer ser um grande violinista, não conseguirá. Isso porque os milhares de horas de estudo têm um valor cumulativo. Quem começou antes estará sempre em vantagem. O mesmo vale para os atletas, que também precisam lutar contra o declínio do corpo. Os maiores nadadores abandonam as competições aos 25 anos.

ÉPOCA – Então, como atingir a excelência? 
Colvin – Há muitos campos em que não se começa criança. Nenhum magnata começou a estudar para ser capitão da indústria aos 4 anos. Nos negócios, pode-se começar aos 18 anos e chegar até o topo.

ÉPOCA – Mas, para a empresas, não interessa investir por anos num profissional. 
Colvin – Sim, a maioria quer resultados rápidos. Mas algumas investem muito nosfuncionários. No Google, é possível usar 20% do tempo como desejar. A Procter & Gamble sempre procura desenvolver as pessoas. Descobrem o que um funcionário faz bem, então lhe pedem para trabalhar em algo que não faz bem, para melhorar seu desempenho. É um investimento que dá resultado no longo prazo.

ÉPOCA – Dê um exemplo de empresas que não investem nos funcionários. 
Colvin – As empresas de comunicação. Nos Estados Unidos, todas estão substituindo os jornalistas experientes, com salários mais altos, por recém-formados sem experiência, mas baratos. A consequência é o comprometimento da qualidade do produto final, a informação. A maioria dessas empresas também não investe nos funcionários. Para elas, cada um é responsável pelo próprio desenvolvimento.

ÉPOCA – Que leitura um estagiário, um profissional experiente e outro em fim de carreira podem fazer de seu livro? 
Colvin – O recém-formado não precisa ter uma habilidade incrível. Ele pode se tornar grande, mas o preço é alto. Deve estar disposto a dedicar o esforço necessário. Ao profissional em meio de carreira, a lição é que ainda pode melhorar. Ele conhece suas deficiências. Nunca é tarde para atacá-las. A maioria nunca faz isso. O melhor incentivo é ter paixão pelo que se faz. Ao profissional em fim de carreira, bem, se ainda não atingiu a excelência, isso não acontecerá. Não quer dizer que ele não possa melhorar, fazer algo novo ou ir atrás dos sonhos da juventude.

ÉPOCA – No livro, um exemplo de talento é Steve Ballmer, atual presidente da Microsoft. Em 1978, na Procter & Gamble, ele fora eleito o cara com a menor chance de obter sucesso. Mas o livro não diz que ele era colega de Bill Gates e seu amigo na universidade, uma vantagem e tanto... 
Colvin – É verdade. Ballmer não seria o presidente da Microsoft se não conhecesse Gates. Mas também não ocuparia esse cargo se não tivesse provado sua capacidade. Talvez presidisse alguma outra empresa. Na vida, sempre temos de lidar com o fator sorte e as circunstâncias. Elas determinam o que podemos ou não fazer. Mas a decisão final ainda é nossa.

ÉPOCA – Após 25 anos na Microsoft, Bill Gates decidiu sair. Por quê? 
Colvin – Ele entendeu que a empresa devia se tornar independente. Enquanto ele estivesse lá, isso não aconteceria.

ÉPOCA – Ocorrerá o mesmo com a Apple?
Colvin – Steve Jobs e a Apple são uma coisa só. Não se pensa em um sem a outra. Ninguém sabe se Jobs está doente nem se voltará ao trabalho. O que será da Apple se ele parar?

Originalmente publicado em Época, em 03/04/2009.

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