A máquina do tempo - Parte 1

Quais são os melhores destinos? Vamos escolher juntos?


Peter Moon



Rod Taylor, o viajante de A máquina do tempo (1960)
Já escrevi aqui sobre  um dos meus três grandes sonhos de infância: ingressar na Legião Estrangeira como o meu avô. Dos três sonhos, aquele era o único possível, embora jamais realizado. Os outros dois sonhos eram, são e – a não ser que surja um novo Albert Einstein para provar o contrário – continuarão sendo impossíveis para todo o sempre.


Um deles é viajar mais rápido que a luz, para sair do Sistema Solar e explorar “novos mundos, novas civilizações, audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve” – como seria o caso de meu outro herói, o Sr. Spock de Jornada nas Estrelas.


Como Einstein nos ensinou, os 300 mil km/s da velocidade da luz são um limite universal. Nada é mais rápido. Acelerar a nave-estelar Enterprise ou um mero grão de areia à velocidade da luz é impossível, pois quanto mais rápidos viajarem, tanto maior será a quantidade de energia necessária para continuar acelerando. A curva tende ao infinito. Os engenheiros do futuro poderiam, em tese, inventar um método de propulsão para fazer uma nave voar a 99% da velocidade da luz. Acelerar a nave aquele 1% restante é irrealizável - nem mesmo usando toda a energia irradiada por todas as estrelas de todas as galáxias desde o Big Bang. A energia necessária para acelerar qualquer tipo de matéria à velocidade da luz é infinita, foi o que Einstein descobriu. O problema está na massa. A energia, qualquer forma de energia (como os fótons de luz ou as ondas de rádio) não tem massa. Esta é a condição para a energia se mover numa velocidade única e constante, a da luz – nem mais rápido mais nem lento, mas precisos 299.792,458 km/s.


Quando aprendi que a velocidade da luz era um limite universal, que não poderia ser igualada nem ultrapassada, foi como tomar um banho de água fria. Voar a outros mundos, outras civilizações, deixou de ser um sonho para virar ficção científica. De todos os bilhões de estrelas no firmamento, a mais próxima da Terra é Próxima Centauri, a 4,2 anos-luz do Sol. Ou seja, a luz de qualquer um dos pontinhos cintilantes do céu noturno levou NO MÍNIMO 4,2 anos para chegar à sua retina, voando a 300 mil km/s, o suficiente para dar 7,5 voltas em torno da terra em um segundo.


Por enquanto, e até prova ao contrário, estamos aprisionados a Terra e ao Sistema Solar. No futuro, com novos meios de propulsão, o destino da humanidade será colonizar a galáxia – mas serão viagens só de ida, como as dos navegadores polinésios, que descobriram e povoaram cada uma das ilhotas perdidas nos confins da Oceania. Eles deixaram suas tribos, embarcaram em seus catamarãs e partiram sem olhar para trás.


Outra possibilidade, embora bastante remota, é que um dia surja um novo Newton, um sábio que desbanque Einstein e revele que a velocidade da luz não é um limite, mas uma barreira transponível como a barreira do som. Ultrapassá-la seria o início de uma corrida maior em direção às estrelas. Embora eu reverencie Einstein, não tenham dúvida, neste ponto específico torço para que ele esteja errado! 


Vamos viajar no tempo?


Viajar no tempo é outra história. É o meu terceiro sonho. No nosso universo (pode haver outros), viajar no tempo não é impossível... ou melhor, não é proibido. A mesma Teoria da Relatividade que proíbe voar à velocidade da luz não faz restrições a viagens no tempo, contanto que o destino seja o futuro. O tempo, para Einstein, é unidirecional, só avança em uma direção, o futuro (os físicos chamam a isto “flecha do tempo”). Em tese, e fazendo uso de uma tecnologia ainda inexistente, poder-se-ia avançar rapidamente ao futuro – jamais retroceder ao passado. A brecha das viagens no tempo estaria em hipotéticas pontes de Einstein-Rosen. Estas pontes são rupturas no tecido do espaço-tempo. Embora previstas em teoria, nenhuma jamais foi detectada. Seu nome popular é buraco de minhoca (de wormhole, em inglês), um atalho entre regiões distantes do cosmo.


Uma vez, anos atrás, estava eu no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no bairro da Urca, Rio de Janeiro. Fui entrevistar o físico Mario Novello. Ele tem fascínio por viagens no tempo e estuda as pontes de Einstein-Rosen. “Eu estudo máquinas do tempo”, confessou Novello. “Mas se escrevesse isto com todas as palavras num pedido de financiamento, jamais receberia o dinheiro para a pesquisa. O problema desaparece quando peço financiamento para estudar pontes de Einstein-Rosen”, disse sorrindo. Como Novello, muitos físicos brilhantes em todo o mundo estudam a possibilidade de viajar no tempo. Saber disto é reconfortante, pois me dá a certeza de que, se viajar no tempo não é proibido, então talvez seja possível. E se o for, um dia a mente humana descobrirá o caminho, mesmo que leve séculos.


Vamos resgatar o passado?


O astrônomo Carl Sagan, na minissérie Cosmos (1980)
Meu sonho é ir ao futuro. O passado a gente conhece. O futuro é a incógnita. O mistério do que está por vir me encanta. Talvez tenha sido o mesmo fascínio que levou o inglês H.G. Wells a escrever A máquina do tempo (1895). Neste romance, um cientista londrino constrói em 1899 uma máquina do tempo para voltar a 1895 e salvar a vida da sua amada. Mas acaba catapultado ao futuro, ao ano 802.701, quando a civilização que conhecemos é uma memória perdida e a humanidade se divide em duas raças, os Elóis e os Morlocks. O livro é ótimo e sua primeira versão hollywoodiana, estrelada em 1960 por Rod Taylor (assista aqui o trailer original), traz uma máquina do tempo com um design Art Nouveau genial – tão genial que uma réplica foi comprada num leilão virtual no eBay pelos malucos do The Big Bang theory – eles só se esqueceram de imaginar aonde iriam colocar aquele trambolho.


Neste ponto, damos adeus à teoria para dar asas à fantasia. A ciência proíbe voltar ao passado. A imaginação faz isso o tempo todo. Embora minha predileção seja o futuro, faço uso desta coluna para uma finalidade mais nobre. Pretendo resgatar do limbo do esquecimento os frutos do passado que não chegaram aos nossos dias. Se não chegaram, foi porque se perderam. Exemplos não faltam.


Johan Sebastian Bach morreu em 1750. O maior compositor de todos compôs cerca de 300 cantatas. Após sua morte, seus filhos começaram a vender as partituras. Cem desapareceram. O teatro nasceu na Grécia no século V a.C. Os dramas e comédias de Aristófanes, Ésquilo, Eurípides e Sófocles formam, ao lado da Ilíada e da Odisséia de Homero, a base da literatura ocidental. Mas as peças que encenamos são um fragmento melancólico da vasta obra criada por eles. Imagine se pudéssemos voltar no tempo e copiar tudo o que foi perdido. Sabe-se que Ésquilo escreveu 90 tragédias, das quais só seis sobreviveram. Das 40 comédias de Aristófanes, restaram 11. Eurípides escreveu mais de 90 peças. Conhecemos 18. O que dizer então de Sófocles, o autor de Édipo-rei? O mestre produziu 126 tragédias. Sobraram sete. 


Perceba que cito tão somente o repertório perdido dos mestres conhecidos. Há aqueles desconhecidos, dramaturgos sobre os quais conhecemos apenas os nomes e o título de algumas obras. O historiador grego Diógenes Laércio (200-250) foi o primeiro a tentar compilar as obras perdidas da cultura clássica. Em Vidas e doutrinas dos filósofos ilustres, Laércio informa que o grego Dífilo escreveu mais de 100 comédias, todas perdidas. Restaram os títulos de 50. 


Já foi dito que a produção de todos os filósofos do Ocidente não passaria de notas de rodapé nos textos de Platão e Aristóteles. Sobre Aristóteles, sabe-se que dois terços de sua obra se perderam. O terço restante foi mais do que suficiente para torná-lo o maior filósofo da Antiguidade – se não da história. A perda dos tesouros da dramaturgia e da filosofia grega se repetiram com a produção de seus historiadores, poetas, matemáticos, geômetras, escribas e astrônomos. O estrago não se limitou à Grécia clássica. A maior parte da produção da Roma Imperial também desapareceu.


Então, não seria maravilhoso voltar dois mil anos no passado para copiar o milhão de rolos de papiro guardados na Biblioteca Real de Alexandria - toda a produção intelectual e artística da Antiguidade? Este era o sonho do astrônomo americano Carl Sagan (1934-1996), realizado virtualmente na famosa minissérie Cosmos (1980). Sagan sonhava voltar a Alexandria antes da sua destruição.


A primeira biblioteca, fundada no século II a.C., foi queimada por Júlio César em 48 a.C. Recriada das cinzas, a segunda biblioteca chegou a acumular 400 mil papiros. Mas não sobreviveu à sanha dos primeiros cristãos, que a viam como um templo do conhecimento pagão. Em 391, no reinado do imperador Teodósio, a Biblioteca foi completamente destruída pelo bispo Teófilo, mais tarde canonizado. Segundo Teófilo, “Só não consegui arrancar as fundações porque estas eram demasiado pesadas.” 


Vamos salvar os autores?


“A morte de Mozart aos 35 anos foi talvez a maior perda sofrida no mundo da música”, disse o compositor norueguês Edvard Grieg (1843-1907). É verdade. Mozart (1756-1791) estava no auge da forma. Caso sobrevivesse outros 20 anos, pensem só quanta música maravilhosa ele não teria produzido? O mesmo argumento pode ser aplicado a outro gênio, Franz Schubert (1797-1828). Em minha opinião, o caso de Schubert é ainda mais emblemático – e sua perda, maior. Quando foi fulminado pela sífilis aos 31 anos, Schubert era um grande mestre e estava a um passo de ombrear o trio maior da música: Bach, Mozart e Beethoven.


Não seria uma benção para a humanidade entrar num túnel do tempo para voltar a 1791 e salvar Mozart da febre que o levou antes do tempo? De lá avançaríamos a 1828, curando Schubert com uma injeção de penicilina. A ordem é importante. Primeiro Mozart, depois Schubert, pois a música do primeiro influenciou a do segundo, assim como influenciou Beethoven e tantos compositores desde então. 


Você me acompanha?


Os cientistas Tony Newman e Doug Philips,
no 
Túnel do Tempo (1966)
Para viajar ao passado, escolho o Túnel do Tempo, àquele do seriado dos anos 1960. É o túnel em que os doutores Doug Philips e Tony Newman entraram para se enredar “no torvelinho do tempo”, do qual jamais se desvencilharam (nem quando a série foi cancelada... será que continuam perdidos?). Este não é o nosso destino. Nós entraremos e sairemos do túnel a cada semana. Só o destino mudará. Para onde iremos é uma combinação que será feita entre este autor e seus leitores.


Então, por favor, enviem suas contribuições, escrevam comentários, façam sugestões de roteiros! Vamos recuperar obras perdidas, salvar artistas e sábios ou resgatar tecnologias esquecidas? Vamos voltar a 1840 e gravar um concerto de Paganini, um recital de Liszt ou Chopin para verificar se eles eram mesmo virtuoses superiores a qualquer músico vivo? Qual seria o segredo do verniz que tornava os violinos de Antonio Stradivarius tão bons? Onde Mozart foi enterrado? Como os antigos egípcios mumificavam seus mortos? Quando o ser humano anatomicamente moderno começou a falar? Quem foi o ancestral comum de homens e chimpanzés? O que extinguiu os dinossauros, mas poupou as aves, os únicos dinossauros que sobreviveram? Como e quando surgiu a vida?


As possibilidades são imensas. Os riscos também. Um destino tentador seria voltar no tempo para exterminar o mal na sua origem. Quem me acompanharia à Viena de 1920 para assassinar um pintor medíocre e desempregado chamado Adolf Hitler, impedindo assim a morte de 100 milhões de seres humanos na 2a Guerra Mundial?


Aguardo sugestões.


Publicado originalmente em Época Online, em 08/02/2011

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