Amanda Ripley: Como sobreviver a uma tragédia

A repórter que trabalhou no 11 de setembro e no Furacão Katrina revela as reações dos que se salvaram


Peter Moon


Amanda Ripley estava em Nova York em 2001, no dia dos atentados que mataram 3 mil pessoas no World Trade Center. Jornalista da revista Time, tão logo soube que aviões comerciais haviam se chocado contra os maiores edifícios da cidade ela correu ao local e presenciou o desabamento das torres gêmeas. Em 2005, estava em Nova Orleans quando o Furacão Katrina matou 2 mil pessoas. Depois de testemunhar as tragédias, a repórter foi investigar se havia traços comuns no comportamento dos sobreviventes. Entrevistou centenas de pessoas e descobriu algumas diferenças de atitude que podem aumentar as chances de qualquer um se salvar. O resultado está no livro Impensável – Como e por que as pessoas sobrevivem a desastres (Ed. Globo).


QUEM É 
É redatora da revista Time, na sucursal de Washington. Trabalhou na cobertura dos atentados de 11 de setembro de 2001. Estava em Nova Orleans durante o Furacão Katrina, em 2005
ESCREVEU PARA 
The New York Times Magazine, Washington
Monthly e Time Out 
O QUE PUBLICOU
Impensável – Como e por que as pessoas sobrevivem a desastres 


Peter Moon – O que mais a marcou nos ataques de 11 de setembro? 
Amanda Ripley – Levei dias para tomar consciência da escala da tragédia. Alguns anos depois, li um estudo sobre as reações das pessoas no atentado. Fiquei fascinada. Comecei a procurar alguns dos 15 mil sobreviventes. Tinham histórias extraordinárias sobre os que morreram. Em geral, eles mantiveram a calma, eram gentis uns com os outros, buscavam informações sobre o que acontecia e reuniam seus pertences para sair. Por que não largaram tudo e fugiram? Fui pesquisar o comportamento dos sobreviventes em outras tragédias.


Moon – Em 2005, você estava em Nova Orleans, no Katrina. Daí surgiu o livro? 
Ripley – Queria escrever uma reportagem para a revista Time sobre o que se pode aprender com a atitude dos sobreviventes em desastres. No Katrina, ficou claro que, numa catástrofe como aquela, os atingidos dependem de si mesmos para se salvar, pois ficarão isolados por dias até a chegada do socorro. Nunca haverá médicos, bombeiros e policiais suficientes para ajudar.


Moon – Há um comportamento comum entre os sobreviventes? 
Ripley – No Trade Center, muitos teriam sobrevivido se soubessem onde ficavam as escadas de incêndio. Metade não sabia. É absurdo. As torres tinham sido alvo de um atentado da rede Al Qaeda em 1993, quando um carro-bomba explodiu na garagem e a evacuação dos prédios demorou demais.


Moon – A experiência ajudou em 2001? 
Ripley – Era de esperar que qualquer um nas torres gêmeas soubesse sair de lá o mais rápido possível. Não foi assim. As pessoas não têm motivação para aprender a agir numa emergência antes que algo sério aconteça. Não fazem idéia – e ninguém lhes disse – de como é difícil decidir sob estresse. Elas não têm culpa. As previsões dos engenheiros que projetam arranha-céus sobre o comportamento dos ocupantes estão erradas.


Moon – Dá para comparar o Trade Center ao Titanic, que afundou em 1912? 
Ripley – No Titanic, havia salva-vidas para metade dos ocupantes. Seus armadores consideravam o navio “inafundável”, o que matou 1.500 pessoas. No Trade Center, quem participou de simulações de incêndio saiu rápido. Mas a maioria dos ocupantes nunca tinha feito isso. Em geral, tendemos a assumir que nada de mau nos ocorrerá e, se acontecer, ou sobreviveremos ou morreremos. A culpa é do governo. Até hoje, não existe em Nova York uma lei que obrigue um edifício a fazer simulações de incêndio.


Moon – Quais eram as chances de sobrevivência no Trade Center? 
Ripley – Elas dependiam do local em que se estava dentro das torres e de quando se começou a fugir. O fator mais subestimado daquele dia foi que, no período do choque dos aviões, entre 8h45 e 9 horas, os edifícios estavam ocupados pela metade. Se os ataques tivessem ocorrido com os prédios lotados, 14 mil teriam morrido.


Moon – Numa tragédia, o que mais conta para se salvar, a experiência ou a sorte? 
Ripley – Se tivesse de escolher, ficaria com a experiência. Na hora em que somos postos à prova, podemos superar os obstáculos com treinamento e informação. A atitude também é importante. Há evidências de que quem acha que conseguirá superar os obstáculos antes de ser posto à prova em geral consegue. O livro trata disso: vamos pensar o impensável e elevar nossas chances de sobrevivência. Tendemos a superestimar os papéis da sorte, do governo e do destino, no lugar do nosso próprio. Um exemplo: quem lê o cartão com as instruções de emergência tem mais chances de sobreviver a um desastre aéreo do que quem não lê.


Moon – Qual é a visão de ciência? 
Ripley – Numa emergência, a emoção passa a controlar a razão. Quando se tem medo, a parte mais primitiva do cérebro, aquela instintiva, toma conta das ações, tornando difícil a tomada de decisões. O cérebro se recusa a ser persuadido pela razão. O medo limita nossa visão ao que está à frente e nos impulsiona a lutar ou fugir. Para quem possui uma experiência anterior que lembre o momento que está enfrentando, as funções cerebrais superiores, que comandam a razão, reduzem o medo e reassumem o controle das ações. Policiais e militares sabem que, além de olhar o perigo à frente, é importante manter uma visão periférica. A saída pode estar ao lado, e não à frente.


Moon – Quais fases atravessamos entre constatar o perigo e atingir a segurança? 
Ripley – Em todos os desastres, há um padrão que se traduz em três fases. A primeira é a negação. O cérebro se mostra muito criativo. Busca explicações para o que está acontecendo, mesmo diante de fumaça e fogo. A tendência é pensar que nada está ocorrendo. É uma reação normal. O cérebro trabalha identificando padrões entre tudo o que vivemos. Uma mulher que sobreviveu ao Trade Center me disse que não queria fugir, mesmo sabendo que um jato havia batido no prédio. Todos gritavam a sua volta, e ela andava em círculos procurava sua bolsa, um romance policial.


Moon – Quais são as outras duas fases? 
Ripley – A segunda é a deliberação. As pessoas se tornam mais sociais num desastre e se voltam para os outros em busca de conselho. É um comportamento saudável, mas que toma um tempo precioso. A última fase é o momento decisivo, quando finalmente se começa a agir. Quando digo agir, não quero dizer tomar uma decisão e fugir. Em alguns casos, a decisão é não fazer nada e ficar onde está, entrando numa espécie de paralisia. Num prédio em chamas, não é a coisa sensata a escolher.


Moon – Um executivo no 11 de setembro mandou os empregados voltar ao trabalho. Quem ficou morreu. 
Ripley – Há histórias de chefes que mandaram todos os seus funcionários voltar a suas mesas e de outros que diziam para todos fugirem. Em todos os desastres, percebe-se que a hierarquia é inflexível. É importante os executivos saberem disso, pois seus empregados vão procurá-los em busca de orientação.


Moon – Os militares estudam as reações ao medo para ampliar as chances de sobrevivência em batalha? 
Ripley – Sim. Os militares fazem treinamentos os mais realistas possíveis. O mesmo acontece entre os praticantes de artes marciais. Eles repetem os mesmos golpes e contragolpes milhares de vezes. Tudo para, quando for necessário, o lutador não pensar, apenas reagir. Um dos sobreviventes, que estava num andar bem alto do Trade Center, me disse exatamente isso: “A única coisa que eu pensava é que não devia pensar em nada, apenas agir”.


Originalmente publicado em Época, em 14/08/2008.

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