Robert Kagan: "O Brasil é um líder do século XXI"

O conselheiro de John McCain defende a entrada do país no G-8 e no Conselho de Segurança da ONU


Peter Moon


Bob Kagan é dos poucos intelectuais conservadores dos Estados Unidos que escaparam ilesos do desastre econômico e militar em que se converteu a administração de George W. Bush. Kagan, hoje com 51 anos, foi assessor para política externa do senador John McCain, candidato republicano à Presidência americana (esta entrevista foi realizada antes da vitória de Obama). Seu desafio é derrotar o fenômeno Barack Obama nas eleições de 4 de novembro. “Moro em Bruxelas e falo com McCain por telefone. Eu o ajudo nos discursos de campanha”, diz Kagan. Ele é casado com a embaixadora Victoria Nuland, representante dos Estados Unidos na Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), a aliança militar entre os americanos e os europeus, cuja sede fica em Bruxelas. Nesta entrevista, Kagan afirma que McCain é a melhor opção para o Brasil. Ele considera o país uma nova potência global. Aproveita para atacar Obama e alerta sobre o perigo que as autocracias na China e na Rússia representam para a democracia no planeta.


QUEM É 
Historiador, cientista político e articulista do The Washington Post. É assessor para política externa do senador John McCain, candidato republicano à Presidência dos Estados Unidos
O QUE FEZ
Trabalhou no Departamento de Estado (1984- 1988). É pesquisador do Carnegie Endowment for International Peace e fundador do Council on Foreign Relations
O QUE PUBLICOU 
Do Paraíso e do Poder (Rocco, 2003), Dangerous Nation (2007) e The Return of History and the End of Dreams (2008)


Peter Moon – Barack Obama ou John McCain, qual é o melhor presidente para o Brasil?
Robert Kagan – (Risos.) Sou conselheiro de McCain. Ele é o melhor para o Brasil. É muito mais experiente que Obama. McCain deu várias palestras sobre a América Latina. Não sei se Obama falou qualquer coisa sobre esse hemisfério, com exceção do desejo de encontrar Raúl Castro. A diferença mais importante entre os dois é o livre-comércio. O Partido Democrata e Obama são protecionistas e contrários ao livre-comércio. Mesmo correndo o risco de ser impopular, McCain defende o livre-comércio. Quando McCain fala sobre a criação de uma nova instituição internacional, como a Liga das Democracias (proposta de criar uma organização que reúna os países de governo democrático), é precisamente por causa de seu desejo de incluir um país como o Brasil dentro dessa liga.


Moon – Obama disse que as relações com a América Latina serão prioridade. É uma mudança histórica na política americana... 
Kagan – Não entendo o que Obama quer dizer com isso. Você acha uma declaração importante? É típica de Obama, totalmente sem conteúdo. Ele não tem política para a região. É bom para a América Latina e para os Estados Unidos acabar com os acordos de livre-comércio? É isso que Obama faria. Os democratas se opõem aos acordos de livre-comércio com os países sul-americanos. Obama diz coisas sem nenhum conteúdo, mas que as pessoas ficam felizes de ouvir. Nos Estados Unidos temos a expressão “cheap date” (algo como um “namoro sem futuro”, em português). O que eu diria aos brasileiros é: não se deixem seduzir por um “namoro sem futuro” com Barack Obama (risos).


Moon – Qual será a política de McCain para a Venezuela?
Kagan – É importante trabalhar com as nações democráticas da região, para fortalecer a solidariedade democrática e isolar aqueles que querem fazer da Venezuela uma ditadura. Hugo Chávez está em descompasso com a moderna América Latina. É importante que os países que queiram ingressar no mundo moderno se mantenham unidos.


Moon – O Brasil é um exemplo?
Kagan – O Brasil é um líder do século XXI. Não penso no Brasil no contexto da América Latina, mas em termos globais. Moro na Bélgica. Quando digo que é preciso incluir o Brasil nas deliberações internacionais das democracias, as pessoas aqui ficam surpresas. Ainda pensam apenas em termos da aliança transatlântica entre Europa e Estados Unidos. É muito importante incluir o Brasil e a Índia quando se pensa no mundo do século XXI.


Moon – O senhor afirma que a noção de que, com o fim da União Soviética, em 1991, a democracia se espalharia pelo planeta era uma miragem. Vivemos uma reedição dos anos 1930, com democracias de um lado e ditaduras do outro?
Kagan – Não acho que o mundo esteja numa situação tão séria. A economia global não enfrenta uma crise como a dos anos 1930, pela simples razão de que não temos o mesmo nível de protecionismo, tão devastador. Também não existe uma Alemanha nazista. Estamos voltando ao mundo da competição entre grandes potências. É um cenário de países nacionalistas, como a Rússia das paradas militares, assim como a China e a Índia. Quem achou que, com o fim da URSS, deixamos a geopolítica para trás e o mundo passou a girar em torno da economia estava errado. O mundo gira em torno da geopolítica e da economia. A Rússia usa seu petróleo com propósitos geopolíticos. A China faz o mesmo com seu poder econômico.


Moon – O jornalista Fareed Zakaria acredita que o poder mundial será dividido entre Estados Unidos, União Européia e China.
Kagan – Não concordo que o poder tenha se difundido pelo globo. Os Estados Unidos ainda são a nação mais poderosa e a única superpotência. Os estrategistas chineses trabalham com a idéia de um mundo com uma superpotência e várias grandes potências. Acho meio tola essa discussão sobre quem tem o arranha-céu mais alto. Ela só aborda a questão econômica. Deve-se lembrar que duas das grandes potências atuais (Rússia e China) são autocracias, que apóiam outras autocracias, como a Venezuela. Os amigos de Chávez estão no Irã, em Moscou e em Pequim. Eles não exigem que Chávez faça reformas. Só querem seu petróleo. As democracias devem permanecer unidas e defender os valores democráticos, pois, ao contrário do esperado com o fim da Guerra Fria, o que se vê é a volta de um tipo muito poderoso de autocracia.


Moon – O futuro presidente impedirá o Irã de obter armas nucleares?
Kagan – O próximo presidente tentará negociar com o Irã, mas também tentará criar uma coalizão internacional para pressionar o Irã a adotar uma solução diplomática. Ambos os candidatos já disseram que, caso medidas diplomáticas não surtam efeito, não descartam tomar quaisquer medidas que forem necessárias.


Moon – O senhor defende a inclusão do Brasil no G-8, o grupo que reúne as democracias mais ricas do planeta e a Rússia. E o ingresso brasileiro no Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão máximo de deliberação da política internacional?
Kagan – Defendo a inclusão do Brasil e da Índia não só no G-8, como também no Conselho de Segurança. Os Estados Unidos apóiam a ampliação do conselho, assim como McCain. Mas as autocracias estão determinadas a manter seu poder. A China impedirá o ingresso do Japão e da Índia. A Rússia barrará a Alemanha e qualquer iniciativa de interesse das democracias. Não há saída para isso.


Moon – O historiador Eric Foner, da Universidade Colúmbia, diz que George W. Bush será lembrado como o pior presidente da história dos Estados Unidos.
Kagan – A lista de presidentes ruins é longa. Os historiadores deveriam ter mais cuidado e lembrar que não se pode afirmar como um presidente será julgado, a não ser no longo prazo. Tenho consciência dos erros do presidente Bush e tenho criticado sua administração em diversas áreas, assim como o senador McCain.


Moon – Sete anos após os ataques de 11 de setembro, os Estados Unidos estão em recessão, os mercados financeiros em crise, o preço do petróleo nas alturas, a guerra no Iraque e no Afeganistão não tem fim e a imagem dos Estados Unidos no mundo foi abalada. Por fim, Osama Bin Laden ainda não foi pego. Osama venceu?
Kagan – Não concordo com quase nada que você disse. Em primeiro lugar, os Estados Unidos não estão em recessão. Quem foi que disse isso? A imprensa? Não é o que diz quem faz as estatísticas. O estouro do mercado imobiliário não mergulhou o mundo financeiro numa crise. Muitos analistas acham que o pior já passou. O aumento do preço do petróleo é uma conseqüência direta da ascensão da China e da Índia como grandes consumidores. É uma questão estrutural que nada tem a ver com o 11 de setembro. Em sete anos, não houve nenhum novo ataque aos Estados Unidos. A rede Al Qaeda foi terrivelmente danificada. Bin Laden vive em cavernas. Você acha isso vencer? Por outro lado, o Iraque está melhor e se move no caminho certo. O Afeganistão também começa a se mover na mesma direção. A única coisa com que concordo é que a imagem dos Estados Unidos foi abalada. Não resta dúvida de que o senador McCain, ou Barack Obama, terá de melhorá-la. McCain trabalhará com o mundo levando a sério questões como mudança climática, proliferação nuclear e a economia mundial.


Moon – McCain tem chance de derrotar o fenômeno Obama?
Kagan – Sim. Vamos ver quanto tempo o fenômeno se sustenta. Vamos ver quanto tempo as pessoas continuarão felizes ouvindo suas frases insanas, a despeito do fato de ele não ter política nenhuma. Quando os eleitores começarem a se perguntar o que Obama quer dizer em termos de políticas reais, aí as coisas ficarão bem mais difíceis para ele.


Publicado originalmewnte em Época, em 12/06/2008.

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