O Pantagruel cósmico

AS CINCO IDADES DO UNIVERSO - PARTE 9


PETER MOON

Em 243 a.C., em Alexandria, a faraó Berenice II do Egito prometeu oferecer as suas longas tranças loiras à deusa do amor Afrodite, se seu marido, o faraó Ptolomeu III Evérgeta, retornasse são e salvo da guerra contra os selêucidas. A deusa atendeu ao pedido e Berenice cortou seus cabelos, oferecendo-os no altar. No dia seguinte, porém, haviam sumido. O astrônomo da corte afirmou que Afrodite ficara tão encantada com a oferenda que a levara ao Olimpo. Inspirado no ocorrido, o poeta da corte, Calímaco de Cirene, compôs o poema “As tranças de Berenice”. Já o astrônomo Eratóstenes, o terceiro bibliotecário da Grande Biblioteca de Alexandria, batizou o grupo de estrelas até então conhecido como a cauda do Leão de “koma berenike” (“cabelo de Berenice”, em grego), que os romanos latinizaram para Coma Berenices. O nome foi oficializado em 1928 pela União Astronômica Internacional, quando da definição das 88 constelações oficiais.

Visível no céu noturno do hemisfério norte, Coma Berenices é vizinha das constelações do Leão, de Virgem e da Ursa Maior. Não é uma constelação grande, mas é particularmente rica em galáxias. Lá fica o distante aglomerado Coma, com cerca de mil galáxias grandes já identificadas, e talvez 30 mil outras, menores. O aglomerado Coma se situa entre 230 milhões e 330 milhões de anos-luz da Terra, 100 vezes mais longe que a Grande Galáxia de Andrômeda, a maior vizinha da nossa Via Láctea, a “apenas” 2,5 milhões de anos-luz daqui.

A galáxia mais brilhante do aglomerado Coma é uma galáxia elíptica super-gigante chamada NGC 4889, também conhecida como Caldwell 35. A NGC 4889 é várias vezes maior do que a Via Láctea e formada por centenas de bilhões de estrelas. Seu centro esconde um monstro colossal, o maior buraco-negro já detectado.

Até a semana passada, o maior buraco-negro conhecido era o do centro da galáxia M87, a 54 milhões de anos-luz da Terra. Ele tem a massa de 6,3 bilhões de estrelas do tamanho do nosso Sol. Acredita-se também que o buraco-negro no centro da Via Láctea é um cemitério equivalente a 4 milhões de sóis. Ambos são buracos-negros gigantes, mas eles se apequenam quando comparados ao ralo cósmico que vive no interior da NGC 4889.

Astrônomos americanos revelaram esta semana na revista inglesa Nature que o buraco-negro da NGC 4889 é uma fera de apetite insaciável. Desde a origem dos tempos, ele engoliu matéria equivalente a 21 bilhões de sóis (novos estudos podem elevar sua massa a até 37 bilhões de sóis).

Seu volume também impressiona. O buraco-negro da NGC 4889 é muito maior do que todo o nosso Sistema Solar (veja a ilustração).

Segundo os cálculos dos astrônomos, o buraco-negro da NGC 4889 seria muito maior do que todo o nosso Sistema Solar (Foto: Ilustração de Pete Marenfeld/National Optical Astronomy Observatory)



Aquele Pantagruel cósmico atingiu proporções incríveis ao canibalizar outras galáxias menores, sugadas por sua atração gravitacional até se fundir à NGC 4889. Ao longo de 13 bilhões de anos, a NGC 4889 foi engordando e engordando até se tornar uma galáxia super-gigante. Daí deduz-se que, quanto maior o buraco-negro, tanto maior é a galáxia. Quando será que este glutão sideral ira parar de comer?

Escola de glutões
Quanto maior a estrela, mais glamurosa e caprichosa e brilhante ela é - e mais esplendoroso e fugaz é o seu destino (lê-se em O candelabro estelar, a quarta parte desta saga cosmológica). Quando o universo se tornou transparente, apenas 379 mil anos após o Big Bang, dezenas de bilhões de estrelas gigantes começaram a brilhar. A cada instante, outras dezenas de bilhões de estrelas gigantes nasciam e a elas se juntavam num ritmo alucinante. Seu combustível era o hidrogênio. Havia hidrogênio demais e ele estava próximo demais e o berçário estelar operava desgovernado.

Passados alguns milhares ou milhões de anos, as primeiras estrelas gigantes começaram a esgotar seu combustível e explodir em supernovas, semeando o universo com todos os elementos químicos que não foram criados no Big Bang, de onde só saiu hidrogênio, hélio e lítio.

Estima-se que uma estrela gigante que explode em supernova tenha uma vida média que pode variar de meros 100 mil anos até uns breves milhões de anos, uma fração diminuta dos 10 bilhões de anos de existência de uma estrela comum de porte médio, como o nosso Sol. Assim, quando o universo celebrou o seu primeiro milhão de anos, a festa foi comemorada com bilhões de explosões de supernovas, numa incontável sucessão diária.

As supernovas iam explodindo e lançando ao espaço suas camadas externas. Ao mesmo tempo, os seus núcleos se contraíam violentamente para formar buracos-negros, os ralos cósmicos dotados de atração gravitacional infinita, da qual nada escapa, nem mesmo a luz.

Então, no universo moleque, bilhões de supernovas formaram bilhões de buracos-negros. Como o universo era jovem, os buracos-negros se encontravam muito próximos uns dos outros. O passo seguinte foi eles começarem a se fundir. E como os buracos-negros se contavam aos bilhões, eles se fundiram aos bilhões. O resultado foram buracos-negros descomunais, monstros siderais com a massa de bilhões de sóis e uma gravidade tão poderosa que aprisionou em suas entranhas toda a matéria e a energia da sua vizinhança cósmica e que estava dentro do seu raio de atração.

Esta matéria e energia, que começou a formar uma segunda geração de estrelas, passou a orbitar em torno dos buracos-negros gigantes. Nasciam assim as primeiras galáxias. Assim se formaram a Via Láctea e as nossas vizinhas mais próximas, a Grande (e a Pequena) Nuvem de Magalhães, e a Grande Galáxia de Andrômeda. Assim também se formou a NGC 4889, e todas as outras estimadas 400 bilhões de galáxias do universo visível.

Um destino pantagruélico

Em princípio não há nenhum limite máximo para o tamanho que os buracos-negros podem assumir. Na prática, o tamanho depende da existência na sua vizinhança cósmica de matéria disponível para ser engolida. Esta matéria pode vir na forma de estrelas, planetas e galáxias.

É o destino de boa parte das estrelas e planetas acabar engolido por um buraco-negro. Enquanto existir matéria no espaço passível de cair na teia gravitacional dos buracos-negros gigantes, ela cairá. No plano macrocósmico, o universo está se expandindo de forma cada vez mais rápida e a maioria das galáxias está se afastando das outras. No entanto, quando se observa os aglomerados de galáxias, nota-se que as galáxias em seu interior não estão se afastando umas das outras. Só os aglomerados se distanciam uns dos outros. No interior de cada aglomerado, a tendência das galáxias é se aproximar.

Este é o destino da Via Láctea e de Andrômeda. Elas estão em rota de colisão e, daqui 5 bilhões de anos, irão se chocar. Ninguém precisa se preocupar. Trata-se de um futuro por demais remoto, quando a Terra já terá sido destruída pelo nosso Sol.

Sim, a Via Láctea e Andrômeda irão se chocar. Mas quase nenhuma das suas 400 bilhões de estrelas irá bater de frente e se estilhaçar. Isto acontece porque, apesar de vastas, as duas galáxias são, essencialmente, espaços vazios coalhados aqui e acolá por grãos de areia, ou seja, as estrelas. Imagine que o Sol tem o tamanho de uma moeda de um real. Nestas dimensões, a Via Láctea se estenderia por toda a distância que separa a Terra da Lua. A comparação, apesar das dimensões absurdas, é bastante precisa.

Então, muito provavelmente não haverá colisão de estrelas quando a Via Láctea e Andrômeda cruzarem o caminho. Uma passará por dentro da outra, como que atravessando uma parede invisível, para sair ilesa do outro lado. A atração gravitacional do choque poderá, sim, fazer com que algumas estrelas prefiram mudar de galáxia-hospedeira, trocando a Via Láctea por Andrômeda, ou vice-versa. Outras estrelas poderão ainda ser expelidas para o vazio do espaço intergaláctico. Este destino, apesar de solitário, será a sua salvação.

Após o choque, a Via Láctea e Andrômeda prosseguirão o seu caminho como se nada tivesse acontecido. Até caírem na rede gravitacional de uma galáxia gigante onde mora um buraco-negro como o que existe na NGC 4889. Quando isto acontecer, daqui centenas de bilhões ou trilhões de anos, a Via Láctea e Andrômeda irão desaparecer. Restará uma galáxia-gigante mais populosa, e um Pantagruel cósmico cada vez mais gordo. 

continuação de: O universo não precisa de Deus

continua em: Como será o Apocalipse?

Comentários