ASTROBIOLOGIA - Chris McKay: "Com ETs, o Universo é mais interessante"

McKay, em 2008, nos vales secos da Antártica

O cientista da Nasa vai aos lugares mais inóspitos da Terra para saber como pode ser a vida em Marte

PETER MOON

Chris McKay é um astrobiólogo do Centro de Pesquisas Ames da Nasa, na Califórnia. Ele estuda como a vida surgiu na Terra e quais são as premissas básicas para que possa evoluir em outros mundos. Esse físico deviaja para lugares como o Pólo Sul ou as vastidões do Ártico e da Sibéria. É nesses locais hostis a praticamente qualquer forma de vida que McKay comprova a resistência dos seres vivos. Nos vales gelados da Antártica proliferam microrganismos. Se isso é verdade num dos meios ambientes mais inóspitos de nosso planeta, o mesmo pode ocorrer em Marte. McKay faz parte da equipe da sonda Phoenix, da Nasa, que pousou em Marte em 2008. “Já comprovamos que Marte tem gelo como nos vales antárticos. Mas também lembra o Deserto de Atacama, o mais seco do mundo”.

Tive a oportunidade de conhecê-lo pessoalmente no Centro Ames, em 1997, e o entrevistei novamente em 2008, na conversa que se lê abaixo:

Peter Moon – Quando o senhor se interessou pelo estudo da vida fora da Terra? 
Chris McKay – Na adolescência, era fã de Jornada nas Estrelas. Era a única série de TV a que eu assistia. O desejo de estudar vida extraterrestre veio em 1976, quando a sonda Viking pousou em Marte. Ela achou todos os elementos necessários à vida, menos vida. Fiquei intrigado e fui pesquisar o assunto. É o que faço até hoje.

Moon – O que faz um astrobiólogo? 
McKay – Explora três questões. Como a vida surgiu e se desenvolveu? Há vida em outro lugar do Universo? E qual é o futuro da vida na Terra? Busco evidências de um segundo gênesis em outro lugar do Sistema Solar. Os candidatos preferenciais são Marte e as luas Europa, de Júpiter, e Enceladus, de Saturno.

Moon – O que é preciso para haver vida? 
McKay – Há três condições. A primeira é uma fonte de calor. Achava-se que a única fonte de energia da vida na Terra fosse a luz do Sol, com que as plantas fazem fotossíntese. Em 1977, descobriram-se no fundo do oceano chaminés hidrotérmicas, jorrando água a 350 graus Celsius. Essa água hiperaquecida sustenta bactérias que transformam energia química em biológica. Elas são a base de ecossistemas independentes da luz solar. Também se descobriram bactérias em rochas a 2 quilômetros de profundidade, que vivem da energia geotérmica.

Moon – Quais são as outras condições para a vida? 
McKay – É necessário haver carbono, a base das moléculas orgânicas, e água em estado líquido. As condições da água variam muito. Existem microrganismos chamados extremófilos, que, como o nome indica, vivem em condições extremas. É o caso das bactérias das chaminés hidrotérmicas e dos micróbios que vivem em águas muito salgadas, muito ácidas ou muito alcalinas, onde nenhum outro organismo sobreviveria.

Moon – Por que as luas Europa e Enceladus são prioritárias na busca por vida? 
McKay – Sabemos que essas luas têm água em estado líquido. A sonda Galileo mostrou, em 1995, que Europa é coberta por uma calota gelada. Acredita-se que, abaixo dela, haja um oceano. Se for verdade, poderá haver vida em fontes térmicas. No caso de Enceladus, a sonda Cassini revelou, em 2005, vulcões ejetando água no espaço. São como os gêiseres do parque Yellowstone. Aquela água tem metano e nitrogênio, substâncias associadas à vida.

Moon – Em 1996, a Nasa anunciou uma missão para estudar o oceano de Europa. 
McKay – A ideia era enviar uma broca-robô para perfurar a calota e soltar no oceano um submarino para buscar vida. Mas é um plano longínquo. Uma missão a Enceladus acontecerá bem antes disto. Não é preciso nenhuma broca. Basta construir a nave, lançá-la e coletar a água ejetada pelos gêiseres ou pousar na superfície.

Moon – O que é a terraformação de Marte? 
McKay – Terraformação é a modificação artificial de Marte, para que um dia tenha condições de ser habitado. Estudo isso há anos. O primeiro passo é tornar o planeta mais quente. Isso pode ser feito com o material do solo, para produzir gases do efeito estufa. Levaria um século. O segundo passo, preencher a atmosfera com oxigênio, levaria muito mais tempo. Na Terra, foram necessários 2 bilhões de anos para surgir uma atmosfera respirável. Em Marte, levará “apenas” 100 mil anos.

Moon – O que o senhor foi pesquisar na Antártica? 
McKay – Marte, Europa e Enceladus são mundos secos e gelados. Por isso, viajo para lugares como os vales secos da Antártica. Vou lá desde 1980. A última vez foi em janeiro. São o lugar na Terra mais parecido com o pólo norte de Marte, onde a sonda Phoenix pousou, em 25 de maio de 2008. A superfície dos vales, formada por solo congelado, com 30 centímetros de profundidade, cobre um vale de gelo. O ar é tão seco que, se o gelo é exposto ao Sol, ele não derrete, mas evapora, como em Marte.

Moon – Como foi a missão Phoenix? 
McKay – Sou um dos pesquisadores. Meu trabalho foi comparar o solo marciano ao terrestre. A Phoenix provou que o solo marciano parece o dos vales secos antárticos no que diz respeito à presença de gelo. Sua composição química lembra o Deserto de Atacama, no Chile.

Moon – A Phoenix pode detectar vida? 
McKay – Não, mas pode achar material orgânico. São três os passos para procurar vida em Marte. O primeiro é achar água, o que se conhece. O segundo, achar material orgânico, é o objetivo da Phoenix. O terceiro passo será verificar se esse material foi formado por processos biológicos. Em caso afirmativo, teremos três opções. Enviar uma sonda para buscar vida ou uma missão para coletar amostras do solo e trazê-las de volta. O modo mais rápido de achar vida é usar o cérebro humano. Daí a idéia de uma missão tripulada.

Moon – E se estivermos sós no Universo? 
McKay – O único jeito de saber é procurar. O Projeto Seti (Search for ExtraTerrestrial Intelligence) vasculha há 20 anos as ondas de rádio espaciais em busca de sinais de vida inteligente. Se daqui a 20 anos não tiverem achado nada, vou começar a me preocupar. Espero que achem. Com ETs, o Universo é mais interessante.

Moon – Qual é o futuro da Nasa? 
McKay – O próximo passo é a Lua. Precisamos voltar lá. É essencial aprender a viver numa base em outro mundo, antes de enviar astronautas para Marte (esta entrevista foi concedida um ano antes da posse de Barack Obama. O novo presidente dos EUA cancelou o projeto da Nasa de volta à Lua".

Moon – O senhor nunca quis ser um astronauta? 
McKay – Não posso. Tenho 1,97 metro. A altura máxima é 1,92 metro. Entre os russos, o limite é menor. As cápsulas são menores.

Moon – A estrela mais perto do Sol é Proxima Centauri, a 4,2 anos-luz. Com nossa tecnologia, a viagem duraria 60 mil anos. Chegaremos a ela um dia? 
McKay – Tenho uma visão não-científica sobre isso. Einstein diz que nada viaja mais rápido que a luz, daí ser impossível ir de uma estrela a outra. Mas o homem começou a criar as teorias do Universo há 500 anos. Ficaria surpreso se já tivéssemos descoberto que a velocidade da luz é um limite universal. Não acredito nisso. Daqui a mil anos, olharão nossa época e dirão: “Eles tinham tanta certeza de que sabiam tudo...”. Há uma tendência de pensar que vivemos no ápice da civilização. Não é verdade. Os astrônomos são engraçados. Eles não têm dúvidas. Acredito que algo nos conecta às estrelas distantes. Só não sei o que é, nem como funciona.


Publicado originalmente em 21/08/2008, em ÉPOCA

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