PERFIL - Marc van Roosmalen, o homem que morava com os saguis


Marc van Roosmalen em sua casa, perto de Manaus. Hoje, não tem mais a companhia dos macacos. Para ele, contar a própria história combate a solidão (Foto: Alberto Cesar Araújo/ÉPOCA)


A Amazônia trouxe glória e queda para o biólogo holandês Marc van Roosmalen. Há 12 anos, ele foi considerado um dos “heróis do planeta” pela revista Time. Hoje, é um pária na comunidade científica internacional

PETER MOON, MANAUS (2012)


Capítulo 1

Em que se resume uma história de ascensão e queda

Em 1998, o biólogo Marc van Roosmalen atingiu o ápice científico ao descrever um novo gênero de primata, o sagui-anão-de-coroa-preta (Callibella humilis). Há 500 espécies de primatas no mundo. Metade delas vive no Brasil. Roosmalen descreveu meia dúzia, mais do que qualquer outro primatólogo. A descoberta do sagui-anão coroou os esforços desse holandês que mora na Amazônia desde 1986 – e se naturalizou brasileiro em 1997. Fazia 100 anos que ninguém achava um novo gênero de primata. Em 1998, ele foi condecorado pelo rei da Holanda. Em 2000, foi eleito pela revista Time um dos “heróis do planeta”, por seus esforços pela “preservação da Floresta Amazônica”. Roosmalen criava macacos em sua casa, em Manaus. “Para descrever uma espécie, é preciso matar um animal. Nunca matei nenhum. Aguardo eles morrerem de forma natural. Tenho 20 espécies para apresentar ao mundo. É o que farei nos próximos anos”, disse, em 1998. Jamais cumpriu a promessa.


Em julho de 2002, quando voltava com seu barco de uma expedição no Rio Negro, Roosmalen foi abordado por agentes do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam). Foi multado pelo transporte ilegal de quatro macacos e algumas orquídeas, colhidas na área ao redor da Reserva Estadual Serra do Aracá. Em fevereiro de 2003, fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entraram em sua casa, em Manaus. Com um mandado de busca e apreensão, recolheram os 23 macacos de sua criação. Roosmalen não tinha licença para mantê-los em cativeiro. Os animais foram levados para jaulas do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), onde, segundo Roosmalen, acabaram morrendo.

Roosmalen não lidava bem com a burocracia. No trabalho científico na Amazônia, qualquer pesquisador – independentemente da nacionalidade – depende de licenças dadas pelo Ibama para poder trabalhar. Para cada viagem, é preciso algum certificado. Eles custam tempo e dinheiro. Sem a devida papelada, Roosmalen foi recolhendo ao longo dos anos macaquinhos órfãos, criados por ribeirinhos. Ele os trocava por comida e os trazia para criar em Manaus. Alguns animais recolhidos eram de espécies desconhecidas. Ao criá-los, estudava seu comportamento até que, segundo ele, morriam de morte natural. Então, os descrevia. O método de trabalho pouco convencional de Roosmalen foi ignorado pelo Inpa na maior parte dos 16 anos em que trabalhou lá. Foi a partir de 1998, com a descrição do sagui-anão-de-coroa-preta e a projeção internacional alcançada, que os problemas começaram. À época, vivia-se na Amazônia uma cruzada contra a biopirataria, o tráfico de espécies da fauna e flora ao exterior. Roosmalen tornou-se um bode expiatório para a causa. Ele também foi acusado de enviar material genético para fora do Brasil: amostras de uma espécie de sagui. Elas haviam sido levadas a Nova York pelo filho mais novo, Tomas, que estudava na Universidade Colúmbia. Por causa da acusação, Roosmalen perdeu o emprego no Inpa em abril de 2003. A acusação de tráfico de animais acabaria por jogar Roosmalen numa prisão em 2007.




Capítulo 2

Em que começa a expedição em busca de um cientista 

Onde andaria Marc van Roosmalen? Eu sabia que ele desaparecera do Brasil em 2008, meses depois de sair da prisão em Manaus. Não fazia ideia de seu paradeiro. Há dois meses, deparei com vários posts seus num grupo de criptozoologia do Facebook. A criptozoologia é o estudo de animais lendários, mitológicos ou avistados por poucas pessoas. Teria Roosmalen abandonado os primatas da vida real para dedicar-se a bichos imaginários? Nada disso. Ele fazia uso do grupo para desabafar. Queixava-se da dificuldade para publicar em revistas científicas. “Por que é para mim impossível publicar em revistas renomadas o que resta do tesouro de seres vivos (ao menos dez novos macacos, 20 grandes mamíferos e centenas de árvores e arbustos) que descobri em 20 anos de pesquisa?”, lê-se num post.

Em decorrência do escândalo, Roosmalen fora banido do mundo acadêmico desde 2003. Escrevi pedindo uma entrevista. Ele, que voltara a viver perto de Manaus, aceitou sob a condição de a reportagem não revelar onde morava. A razão para isso eu saberia depois.

Em Manaus, naquela manhã de julho, o céu era azul cristalino. Era esse céu que eu enxergava acima daquele muro alto que cercava a pequena chácara. Não havia campainha. Bati palmas. Ouvi os latidos da cachorrada. Quando o portão se abriu, surgiram simpáticos vira-latas. O homem que abriu a porta tinha olhos muito azuis. Aparentava bem menos que seus 65 anos. Os longos cabelos louros pouco naturais eram cortados no estilo medieval, seguindo a forma de uma cuia. Roosmalen cultivava bigode e cavanhaque. Sua magreza o fazia parecer mais alto que seu 1,80 metro. Falava com sotaque. Os 26 anos de Brasil não suavizaram sua pronúncia.

Descemos o gramado pontilhado por árvores decanas da mata tropical. Havia jaqueiras, mangueiras e jambeiros. “Nenhuma dessas espécies é natural da Amazônia. Todas são asiáticas”, disse. Manga não é brasileira? Nem jaca? “Não”, disse Roosmalen. “Por isso as jacas no Brasil são tão grandes. Na Ásia, há bichos adaptados para se alimentar delas. Aqui não. Os frutos ficam tão grandes que acabam desabando da árvore para apodrecer no chão.”

Sentamos ao ar livre numa varanda. Os cachorros se acomodaram no chão. Roosmalen serviu suco de cupuaçu. Não usava sapatos. Era assim que ele costumava andar na mata, descalço como os índios – o que lhe valeu duas picadas de aranha. Elas quase o mataram e o obrigaram a passar a usar botas. Sentado sob o caramanchão, ouvi de Roosmalen sua história, desde os tempos de hippie em Amsterdã.


Capítulo 3

Em que um hippie decide viver entre os macacos 

Marcus Gerardus Maria van Roosmalen nasceu em 1947 em Tilburg, cidade no sul da Holanda. Aos 17 anos, mudou-se para Amsterdã para estudar biologia. A cidade fervilhava. No fim dos anos 1960, Amsterdã era a capital europeia da contestação. Foi o local escolhido por John Lennon e Yoko Ono para protestar contra a Guerra do Vietnã. Eles pediram paz e amor deitados uma semana num hotel da cidade. “Sempre fui rebelde. Sempre serei”, diz Roosmalen. Ele cultivava, com o gosto pela contracultura, o desprezo a normas e procedimentos – atitude que, no futuro, cobraria um preço alto. Ainda na graduação na Universidade de Utrecht, Roosmalen se interessou por nossos parentes primatas. Viveu por anos numa casa-barco com micos e saguis – todos comprados num pet shop.

Por essa época, Roosmalen conheceu uma estudante de artes plásticas chamada Betty, com quem teria dois filhos. Depois de formados, Betty e Marc deram a volta ao mundo, como Fernão de Magalhães. Outro navegador português, Vasco da Gama, inspirou o casal na escolha do nome do primogênito. Ele nasceu em 1976, quando Roosmalen fazia suas pesquisas na selva no Suriname, a antiga Guiana Holandesa. A mulher e o bebê esperavam numa cidadezinha no fim do mundo enquanto Roosmalen se isolava por até três meses na mata para estudar seus amados micos. “O único meio de conhecer o comportamento dos macacos é viver entre eles. É preciso tempo para que se acostumem aos humanos e revelem seus hábitos sociais”, afirma. Foi essa dedicação que engendrou o grande primatólogo que ele viria a ser – e resultou num marido e num pai ausente.

Em 1980, Roosmalen se doutorou pela Universidade Wageningen, com um estudo sobre a vida dos macacos-aranha. Seus interesses também abarcavam a botânica tropical. A partir dos três anos vividos no Suriname, publicou um guia das frutas da flora das Guianas. O livro foi seu cartão de visita no Brasil. Os dirigentes do Inpa queriam que ele fizesse o levantamento das frutas da flora da Amazônia. Em 1986, foi contratado. Mudou-se para Manaus com a família, agora acrescida do caçula, Tomas. 


Capítulo 4

Em que se seguem os passos de grandes naturalistas 

A biologia surgiu como uma ciência no século XVIII. A missão dos naturalistas era descrever as formas de vida. A carreira se dividia em duas vertentes. Havia os naturalistas de gabinete, sisudos catedráticos a descrever novas espécies, a partir dos exemplares exóticos enviados de terras longínquas. A segunda vertente era formada pelos naturalistas viajantes. Eram jovens sem família que se aventuravam pelo mundo para coletar espécimes. É dessa linha que Roosmalen herdou seu ideário.

O exemplo maior de naturalista viajante foi o prussiano Alexander von Humboldt, que perambulou pela América do Sul entre 1799 e 1804. “Humboldt viajou por toda a América do Sul, menos o Brasil, onde não conseguiu visto para entrar”, diz Roosmalen. Charles Darwin, o pai da teoria da evolução, também começou como naturalista, numa viagem de cinco anos pela América do Sul. Quem melhor se encaixa na visão idealizada – desapegada e sofrida – de naturalista que abriu mão de tudo pelo amor à ciência foi o britânico Alfred Russel Wallace. Entre 1848 e 1852, Wallace viveu na Bacia do Rio Negro. 

Quando reuniu uma coleção considerável, decidiu voltar à Europa, apenas para ver todo o trabalho perdido quando o navio que o levava pegou fogo. Wallace reuniu ânimo para reiniciar o trabalho no arquipélago malaio, atual Indonésia. Foi lá, em meio aos delírios das crises da malária que contraíra no Amazonas, que Wallace descobriu o mecanismo da seleção natural.

Wallace é o ídolo de Roosmalen. Ele se identifica com sua trajetória trágica e seu pensamento científico. Quando viveu no Amazonas, há 160 anos, Wallace identificou nos rios da região a razão para a biodiversidade amazônica. Roosmalen, seu discípulo, partiu da mesma premissa para entender a diversidade brasileira de primatas. Tome o exemplo de um casal de saguis. Trepados num tronco, se tivessem a sorte de cruzar vivos um rio como o Negro, acabariam fundando um novo bando na margem oposta. Tal bando evoluiria em separado da população original, devido àquela formidável barreira aquática. Com o passar das gerações, surgiria uma nova espécie.

Seguindo os passos de Wallace, Roosmalen achou seu paraíso na Terra, uma região intocada no Rio Aripuanã. Lá, fez suas grandes descobertas. “É o Jardim do Éden. A água é cristalina. Há dezenas de espécies desconhecidas. Todas podem desaparecer antes mesmo de ser descritas. Como o peixe-boi-anão, o boto-roxo, a anta-anã e um veado-branco. Aquela região precisa virar uma reserva antes que seja destruída pelos madeireiros”, diz. O Rio Aripuanã foi responsável pela glória de Roosmalen – e por sua derrocada.


Após três meses preso numa cela em Manaus, Roosmalen abraça a namorada, Vivian. Ele não revela o sobrenome dela temendo violência (Foto: Giovana Giraldi/Folhapress)


Capítulo 5

Em que se narra a queda – e a sobrevivência a ela

À medida que ia descobrindo suas espécies, Roosmalen deixava de se submeter ao trâmite da burocracia. Diz que protocolava os pedidos de licença no Ibama, mas não esperava que chegassem para entrar em ação. “Nunca recebi uma resposta de ‘sim’ ou ‘não’ a meus pedidos. As letras minúsculas dos regulamentos do Ibama diziam que, após 45 dias da entrada da licença, ela estaria concedida”, afirma. Ele passou a maior parte dos 16 anos no Inpa seguindo suas práticas nada ortodoxas sem ser advertido. Tudo mudou em 2002, quando foi multado pelo transporte ilegal de macacos. O Inpa instaurou uma sindicância para investigá-lo. 

Segundo uma nota enviada pelo Inpa relembrando o caso, Roosmalen foi acusado de fazer expedições sem autorização, de coletar animais e criá-los sem licença, de enviar material genético para o exterior sem licença, de sair do país sem autorização e até mesmo de exercer atividades paralelas, como guia de turismo ecológico, incompatíveis com a dedicação exclusiva de seu contrato de trabalho. O Inpa não respondeu por que não o investigara antes, dado que ele era funcionário do instituto havia tanto tempo – e suas práticas eram conhecidas. “O Marc era um biólogo sério, experiente, de mão cheia. 

Também era um cara meio excêntrico”, diz Gustavo Fonseca, zoólogo da organização não governamental Global Environmental Facility, em Washington, e colega de Roosmalen nos anos 1990. “Ele não dava muita atenção aos aspectos formais das instituições de pesquisa, que no Brasil são muito burocráticas. Ele se irritava com isso. Achava que era um empecilho à pesquisa.”

Movidos pela sindicância do Inpa, em 2003 fiscais do Ibama apreenderam os bichos de Roosmalen e o autuaram. “Ele é um pesquisador renomado. Mas é preciso autorização para capturar animais. Ele os criava em casa sem autorização. É um crime ambiental”, diz Mário Lúcio da Silva Reis, superintendente do Ibama no Amazonas. A autuação serviu de base para o Ministério Público instaurar o processo que levaria Roosmalen à prisão.

Ele acabara de perder o emprego quando sua mulher, Betty, descobriu que ele mantinha um caso com Vivian, uma amazonense bem mais jovem – ele tinha 56 anos, ela 23. Roosmalen foi expulso de casa. “Betty destruiu todas as minhas anotações e 20 anos de diários de campo, fotos e vídeos. Perdi tudo. Nem meu piano de cauda escapou.” Os filhos o repudiaram. Vasco nunca mais quis ver o pai. Não permitiu que Roosmalen conhecesse sua única neta.

Sem emprego, sem dinheiro e sem lugar para ficar, Roosmalen foi morar com Vivian. Teve de se desfazer do barco e da picape. O dinheiro que arrecadara para ações de conservação foi gasto com advogados, para defendê-lo das acusações de biopirataria nos processos que corriam em Manaus e Brasília. “Levou três anos para os processos estaduais serem arquivados. Tinha a convicção de que o mesmo ocorreria com o processo federal. As acusações eram idênticas, e eu havia sido absolvido”, afirma. Não foi o que aconteceu. Em agosto de 2006, Roosmalen contratou um advogado para apresentar a defesa final em Brasília. “A defesa ficou pronta no último dia. O advogado garantiu que iria ao fórum a tempo de dar entrada na papelada. Nunca chegou a fazê-lo”, diz Roosmalen. 

Em junho de 2007, chegou-se ao veredicto. Por não ter apresentado sua defesa, Roosmalen foi condenado a 14 anos de prisão. Como seu advogado sumira, perdeu o prazo para recorrer. Temendo que fugisse do Brasil, o juiz ordenou sua prisão imediata. Aos 60 anos, Roosmalen foi confinado na Cadeia Raimundo Vidal Pessoa, em Manaus.

Foram três meses dividindo uma cela com 60 detentos. “Dormia no chão junto de uma fossa sanitária. Tive de usar de toda a minha inteligência para fazer acordos com os detentos e me manter vivo”, diz Roosmalen. Na cela, diz ele, havia um preso que fornecia droga aos demais. “Tinha de pagar as dívidas de dois viciados em crack para não me matarem. Telefonava desesperado para a Vivian pedindo que conseguisse dinheiro”, afirma. Com a ajuda da família, Vivian contratou novos advogados, que recorreram da condenação. Em outubro de 2007, Roosmalen foi libertado graças a um habeas corpus. No início de 2008, ele e Vivian fugiram de Manaus. Percorreram 2.000 quilômetros de carro até a Venezuela. “A polícia recolhera meu passaporte brasileiro. Mas ainda tinha o holandês”, diz.

Da Ilha Marguerita, voou para a Europa. Viveu um ano na Holanda, onde escreveu uma autobiografia. A estadia na Holanda era necessária para ele reaver a plena cidadania holandesa, perdida quando se naturalizara brasileiro. Em 2010, Roosmalen conseguiu uma bolsa para pesquisas no Bard College, uma universidade no Estado de Nova York. “Era uma bolsa para cientistas ameaçados em seu país de origem. Quem recebe vem de lugares como o Iraque. Fui o primeiro brasileiro contemplado”, diz Roosmalen. Ele deu aulas e estudou coleções de primatas nos Estados Unidos. Com o fim da bolsa, Roosmalen tentou renová-la. Queria ficar nos Estados Unidos. Mas não conseguiu provar que ainda corria riscos no Brasil, pois em 2009 fora absolvido pelo Superior Tribunal de Justiça.

No fim de 2011, Roosmalen voltou a Manaus. Continua sem dinheiro nem trabalho. Vive “escondido”, como gosta de dizer, na chácara, com Vivian. Não tem amigos. Os colegas brasileiros e estrangeiros – com quem assinou seus estudos – o evitam. Quando foi demitido e processado, muitos o ajudaram, até com dinheiro. Agora, a fonte secou. O caso Roosmalen atingiu tamanha contundência que qualquer associação a seu nome pode criar dificuldades. Em se tratando de pesquisadores que devotaram a carreira ao estudo da Amazônia, quem ousaria se arriscar a ser impedido de entrar no Brasil? O principal parceiro de Roosmalen era o primatólogo americano Russell Mittermeier, presidente da organização ambientalista Conservation International, de Washington. Eles se conheceram no Suriname nos anos 1970 e assinaram estudos juntos por 25 anos, até 2002. Procurado por este repórter ao longo de duas semanas, Mittermeier alegou problemas de agenda para não responder.

Sozinho e sem recursos, Roosmalen ainda tenta descrever as novas espécies e protegê-las da extinção. “Meus trabalhos são recusados. Descobri um peixe-boi-anão, a descoberta do século! Um americano afirma não se tratar de uma nova espécie, mas de um animal jovem”, diz. O americano é Daryl Domning, do Instituto Smithsonian, em Washington. É a maior autoridade na evolução dos peixes-bois. Isso não dá a Domning o dom da infalibilidade, mas sua opinião tem um peso considerável. Se, de fato, trata-se de um peixe-boi-anão, Roosmalen só tem um jeito de provar. Precisa voltar ao Rio Aripuanã e capturar um exemplar. Só que, ao fazê-lo, teme ser acusado de biopirataria e voltar para a cadeia.

Uma queixa recorrente de Roosmalen diz respeito à perseguição que alega ter sofrido, movida por “inimigos poderosos”. Ele não revela quem seriam. Afirma que quase sofreu um atentado. Diz que, antes de sair do Brasil, viu dois homens armados em seu portão. 

Tocavam a campainha. Roosmalen não os atendeu. O atentado foi real ou obra da imaginação de um homem que acabara de emergir do inferno penitenciário? Impossível saber. Se Roosmalen sofre de síndrome de perseguição, ela ainda persiste. Seus algozes agora, diz ele, estão na academia. “O Brasil deveria se orgulhar de ter um cientista como eu trabalhando aqui. Em vez disso, acabaram com minha carreira”, diz.

Vasco van Roosmalen, o filho mais velho, diz que todo o imbróglio teria sido evitado se o pai fosse mais contemporizador. “As coisas saíram do controle. Tudo teria acalmado se meu pai tivesse cedido, se tivesse mais tato”, diz Vasco, diretor da organização não governamental Equipe de Conservação da Amazônia, de Brasília. “Bastaria que pagasse a multa e confirmasse que não tinha as licenças.” Vasco afirma que não houve punição ao pai. “Não existe um complô para impedi-lo de fazer ciência. Ninguém o acha mau. Mas, para publicar, ele precisa estar associado a uma instituição científica. Não está. O que aconteceu foi uma tragédia. Mas passou. Todo mundo merece uma segunda chance.”

Marc e eu passamos o dia à sombra do caramanchão. Após o calorão da tarde, quando a temperatura começou a amainar, nos despedimos. Roosmalen me pediu: “Cuidado, não publique o nome todo da Vivian. Temo por ela. Não quero dar motivos para que meus inimigos se voltem novamente contra mim”. Ele me acompanhou até o carro sem ficar calado um instante. Quando teria outra chance para falar sobre sua carreira com alguém? Estava feliz – contar sua história fez com que se sentisse menos sozinho. Agora, nem os saguis lhe fazem companhia. O “herói do planeta” Marc van Roosmalen viveu dias de glória, para depois mergulhar na paranoia e no desespero. Sobreviveu à queda. Agora, ele luta para fugir do ostracismo.


Publicado originalmente em Época

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