José Goldemberg: “O Brasil quer a bomba atômica”

Para o físico, ao defender o direito nuclear do Irã, Lula deixa a porta aberta para fazer a bomba

Peter Moon

O Brasil aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP) em 1998, durante o governo FHC. O tratado tem 189 signatários. Entre as exceções estão Israel, Paquistão, Índia e Coreia do Norte – países detentores de arsenais nucleares. Desde 2008, os Estados Unidos pressionam o Brasil a assinar o Protocolo Adicional do TNP. Mais restritivo, o protocolo obriga os países a abrir quaisquer instalações suspeitas à inspeção. O Irã não aderiu e construiu uma usina secreta, revelada em 2009. O Brasil se recusa a assinar o protocolo e defende o direito do Irã de ter a energia nuclear – oficialmente apenas para fins pacíficos. O físico José Goldemberg, de 82 anos, ex-reitor da Universidade de São Paulo e ex-ministro da Educação, é uma autoridade internacional em assuntos de energia. Para Goldemberg, todas estas evidências, somadas a outras, de que o Brasil busca a posse de armas nucleares.

Goldemberg: ”O silêncio de Lula encoraja a desconfiança
de que o Brasil teria intenções de fazer armas nucleares para
exercer sua soberania. O Brasil quer a bomba.” 
Peter Moon – Por que afirma que o governo Lula vê com simpatia a posse da bomba? 
José Goldemberg – Motivos não faltam. Eles vão desde o apoio ao programa nuclear do Irã até as declarações de membros do primeiro escalão, como o vice-presidente José Alencar. Ele defende o desenvolvimento de armas atômicas. Parece uma volta aos tempos da ditadura.

Moon – Qual era a posição dos militares com relação à construção da bomba? 
Goldemberg – O governo Geisel fez o acordo nuclear com a Alemanha. Era caríssimo. Previa a construção de oito reatores com grau crescente de nacionalização. Cobria todas as etapas da tecnologia nuclear, incluindo o enriquecimento e o reprocessamento de urânio. Lê-se na ata de uma reunião do Conselho de Segurança Nacional, em 1975, que o projeto era para fins pacíficos, mas seria mantida aberta a opção militar. Do ponto de vista técnico fazia sentido. Para quem domina o ciclo nuclear pacífico, o militar não é tão diferente. Claramente, em 1975, o governo deixou a porta aberta para fazer armas nucleares.

Moon – O programa não andou. 
Goldemberg – A Alemanha iria repassar a tecnologia de supercentrífugas para enriquecer urânio, mas os EUA vetaram. Em troca, os alemães ofereceram outra tecnologia, experimental e duvidosa, a das centrífugas a jato. Aí veio a crise dos anos 1980, tornando o programa nuclear inviável. Das oito usinas, só Angra 1 saiu do papel (em 1984). No governo Sarney, em 1986, revelou-se a existência do poço cavado pelos militares para testes nucleares subterrâneos na Serra do Cachimbo, no Pará. Em 1988, a nova Constituição proibiu o uso da energia nuclear para fins militares. Em 1990, o governo Collor contrariou os militares ao desativar o programa nuclear do Exército e da Força Aérea. A Marinha continuou enriquecendo urânio, nominalmente para fins pacíficos – e sonhando com o submarino nuclear. Em 1998, o governo Fernando Henrique aderiu ao Tratado de Não Proliferação Nuclear.

Moon – O que prevê o TNP? 
Goldemberg – Foi criado em 1968 para impedir a proliferação de armas nucleares. Sua posse ficou restrita às potências que já as possuíam: EUA, União Soviética, Inglaterra, França e China. O TNP visa o desarmamento nuclear e o uso pacífico da energia nuclear. Até hoje deu certo. Nenhuma bomba foi usada desde 1945. Os americanos cogitaram usar na Guerra da Coreia (1950-1953) e na Indochina, em 1954, para evitar a derrota francesa. A Crise dos Mísseis de 1962 foi o auge da Guerra Fria. Os EUA e a União Soviética tinham 65 mil ogivas. Hoje, EUA e Rússia têm 2 mil cada um.

Moon – Como é a fiscalização do TNP? 
Goldemberg – É feita pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Ela tem acesso às instalações nucleares oficiais dos signatários – não às secretas.

Moon – Como assim? 
Goldemberg – A AIEA só pode fiscalizar instalações oficiais. O TNP não permite à AIEA investigar instalações suspeitas. Os EUA temiam o desenvolvimento de programas nucleares secretos no Iraque, no Irã e na Coreia do Norte. Em 1997, criou-se o Protocolo Adicional do TNP. Ele autoriza inspecionar qualquer instalação passível de uso nuclear – como o reator secreto do Irã, revelado em 2009.

Moon – O Brasil apoia o direito do Irã de desenvolver energia nuclear para fins pacíficos. Há relação com o protocolo? 
Goldemberg – Claro. Desde 2008, os EUA pressionam o Brasil a assinar o Protocolo Adicional. O governo se recusa. O Irã de hoje poderá ser o Brasil de amanhã.

Moon – O secretário de Assuntos Estratégicos, Samuel Guimarães, diz que “foi um erro assinar o TNP” porque a Constituição brasileira já proíbe o uso militar do átomo. 
Goldemberg – Ele tem razão. Mas, se um dia algum governo decidir mudar a Constituição, não abrirá nenhum precedente. A Constituição de 1988 é a oitava desde a Independência e acumula 62 emendas. Em comparação, os EUA têm a mesma Constituição desde 1776, só com 27 emendas, e a Inglaterra nem Constituição escrita tem. Quando pressionam Brasília a assinar o protocolo, as potências devem estar olhando com atenção nosso histórico constitucional.

Moon – Ter o submarino nuclear na defesa do pré-sal é o argumento do ministro da Defesa, Nelson Jobim, contra a assinatura do protocolo. 
Goldemberg – Não assinar o protocolo pode tornar o Brasil alvo de sanções internacionais, como as impostas ao Irã pelas Nações Unidas (ONU).

Moon – Nossa economia é muito maior e mais diversificada que a do Irã. Neste cenário, qual sanção teria efeito contra o Brasil? 
Goldemberg – A ONU pode congelar os bens e as contas bancárias brasileiras no exterior, paralisar o comércio externo e barrar transferências de tecnologia. Se nossa economia é maior e estamos mais integrados ao mundo, isso nos torna mais vulneráveis às sanções, não menos.

Moon – O vice-presidente José Alencar disse o seguinte: “Arma nuclear usada como instrumento dissuasório é de grande importância para um país com 15.000 quilômetros de fronteiras e um mar territorial com petróleo na camada pré-sal. Dominamos a tecnologia nuclear. Temos de avançar nisso aí”. 
Goldemberg – Alencar pode dizer o que quiser. Ele foi eleito, não é um político nomeado. Mas não concorrerá às eleições. Está doente e no fim da vida. O que me preocupa é ver o ministro da Defesa e o secretário de Assuntos Estratégicos, auxiliares diretos do presidente da República, se manifestarem contra o Protocolo Adicional. Em nenhum momento o presidente veio a público desautorizá-los. O silêncio de Lula encoraja a desconfiança de que o Brasil teria intenções de fazer armas nucleares para exercer sua soberania. O Brasil quer a bomba.

Moon – Alencar vê a posse da bomba como uma via de acesso ao assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Ele citou o exemplo do Paquistão, um país pobre, mas com assento em vários organismos internacionais. 
Goldemberg – Não me parece que passe pela cabeça de alguém de bom-senso ceder ao Paquistão uma vaga no Conselho de Segurança. O Paquistão é uma fonte de preocupação. Está em guerra civil. Suas instituições estão desmoronando e parte do território caiu sob controle da guerrilha islâmica e da rede Al Qaeda. Se o Paquistão deixar de existir, quem será o primeiro a tentar pôr as mãos numa de suas bombas? Osama Bin Laden.

Moon – Temos gente para fazer a bomba? 
Goldemberg – Sim, muita. A tecnologia não é nova. Havendo vontade governamental e recursos, bastaria alguns anos.

Moon – Não basta ter a bomba. É preciso meios de lançá-la. 
Goldemberg – O governo retomou o projeto de lançador de satélites. Se existisse, poderia levar ogivas.

Publicada originalmente em 25/06/2010, em ÉPOCA.

Comentários

  1. Toda e qualquer postura que coloca o Brasil em inferioridade deve e precisa ser observada com desconfiança , respeito o direito do Físico José Goldemberg em expressar sua opinião , haja vista estarmos em um país democrático , contudo não concordo em uma linha com o ponto de vista do mesmo pelo seguinte motivo ; O Brasil possuí imensas riquezas a proteger , desde reservas de minerais raros até as fronteiras que precisam ser preservadas , não se pretende desenvolver armas nucleares para "jogar em cima dos outros" , mas sim como instrumento de dissuasão estratégica , ou seja instrumento de barganha política com finalidade de fortificar o discurso diplomático brasileiro em qualquer mesa de negociação , independente de quem está no mando da nação , é uma questão de segurança de estado que urgentemente necessita ser implementada.

    Somos um estado democrático de direito , um país laico ( com linhas bem claras separando igreja e estado ) , somos um país respeitador dos direitos humanos ( o Brasil assinou diversas cartas e acordos se comprometendo a defender a dignidade humana ) , a nossa carta magna tem o artigo quinto que defende como pedra angular o respeito a dignidade humana , enfim somos plenamente capacitados para adotarmos e exercermos a nossa soberania (independente de questões político partidárias) , pois a segurança do estado e do povo está acima de posturas isoladas contrárias a segurança nacional , eu vejo com muita desconfiança um físico agir contra os interesses da segurança nacional , onde se esperaria apoio por se tratar de um homem com formação e esclarecido , agindo de forma oposta.

    Há setores na sociedade brasileira que endossam o discurso do Brasil colônia que abaixa a cabeça para grupos e potências estrangeiras , essa postura bizarra que querem impor ao Brasil tem que ser esmagada pois não representa a grandeza do país que desejamos aos nossos filhos e filhas , diversos países que passaram por guerras se reconstruíram e se tornaram superpotências , oferecendo o que há de melhor de uma sociedade moderna ao seu povo , temos que seguir os Bons exemplos e as vozes retrógradas precisam ser desveladas para que todos saibam quem é a favor e contra o Brasil que progride sem medo de ser uma sociedade moderna e capaz de escrever seu própio destino.

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