Eu quero o meu Supercroc!

O maior crocodilo de todos os tempos não era africano. Era baiano

Peter Moon

Paul Sereno e o crânio do SuperCroc
É isso aí! EU QUERO O MEU SUPERCROC! Não, não falo de nenhum novo modelo do croc, o tamanco de plástico tão em voga. Falo do Supercroc, o nome fantasia dado pelo paleontólogo americano Paul Sereno, da Universidade de Chicago, a um fóssil do Sarcosuchus imperator, o “imperador dos crocodilos”. Sereno achou um crânio completo no Níger, no deserto do Saara, em 1997. O bicho viveu no tempo dos dinossauros e media 12 metros do focinho à cauda. Devia pesar umas 8 toneladas. 

O maior réptil vivo é o crocodilo de água salgada da Austrália. Um macho graúdo atinge 6 metros e 1.300 quilos. Ao lado do sarcosuchus, parece uma lagartixa. Há 112 milhões de anos, no período cretáceo, o sarcosuchus dominava os rios do que hoje é o Nordeste brasileiro e o Saara ocidental. À época, aquelas regiões encontravam-se unidas. Faltava pouco para a América do Sul e a África começar a se separar, dando lugar à abertura do Atlântico Sul. 

A descoberta de Sereno foi importante, mas não tem nada de inédita. “No Museu de História Natural de Veneza, um crânio completo de Sarchosuchus imperator do Cretáceo do Níger está exposto ao público desde 1974”, observou-me um paleontólogo italiano, Fabio Marco Dalla Vecchia, na minha página no Facebook. 

Apesar da falta de originalidade, o Supercroc de Sereno rendeu um documentário da National Geographic e uma exposição bem bacana, montada em torno de uma réplica em tamanho natural do bicho, que rodou o mundo, passando por São Paulo em 2002. Até aí, tudo bem. Os Estados Unidos são o país da Big Science e do Big Money. Não vejo problema em divulgar uma bela descoberta – mas é preciso citar a fonte! É verdade que Sereno não afirmou ter sido o primeiro a descrever o sarcosuchus. Mas também não disse que não foi. Se foi omisso, o ato lhe rendeu excelente divulgação. 


A reconstrução do SuperCroc como era em vida, há 100 milhões de anos

Intolerável mesmo foi ver que em momento algum o documentário da NatGeo informa os espectadores que o crocodilo imperial de Sereno é apenas o melhor exemplar já achado de uma espécie descoberta no século XIX. A única referência – bastante incompleta – aparece no site SuperCroc, de Sereno, onde se lê que “o paleontólogo francês Albert-Félix de Lapparent (1905-1975) achou alguns dentes fósseis e placas ósseas de um crocodilo gigante, enquanto realizava viagens de prospecção ao Saara, nos anos 1940 e 1950.” Faltou dizer que, em 1966, os fósseis foram estudados pela sobrinha de Lapparent, France de Broin, e por Philippe Taquet, ambos do Museu de História Natural de Paris. Foram eles que batizaram a espécie de Sarcosuchus imperator.

Quem é o paleontólogo brasileiro que se habilita a ir ao recôncavo procurar um Supercroc?

Para nós, brasileiros, o aspecto mais importante de toda esta história, e que ficou irremediavelmente de fora da exposição e do documentário de Sereno, é o que vem a seguir. Em 1977, Taquet e Eric Buffetaut relacionaram os dentes do sarcosuchus com outros, achados um século antes no litoral do recôncavo baiano. Em 1867, perto de uma estação de trem na Bahia, o jovem naturalista americano Charles Frederick Hartt (1840-1878) coletou alguns dentes bem grandes de jacaré. Os fósseis foram enviados a Othniel Marsh (1831-1899), um dos pioneiros da paleontologia americana. Marsh os descreveu no American Journal of Science, em 1869, como sendo de um crocodilo gigante extinto, o Crocodylus hartii (uma homenagem a Hartt). 

Em 1977, Buffetaut e Taquet trocaram seu nome para Sarcosuchus hartii, por afirmar se tratar de um parente muitíssimo próximo do sarcosuchus imperial. Para os autores, a semelhança entre a forma brasileira e a africana era impressionante. Seus dentes e ossos eram praticamente idênticos, e suas proporções, gigantescas. Os autores não chegaram a afirmar que se tratava do mesmo animal, alegando a falta de novos fósseis baianos para comprovar a hipótese. Mas ela está colocada. Provavelmente o sarcosuchus tenha sido descoberto em primeiro lugar no Brasil, em 1867. 

Quem é o paleontólogo brasileiro que se habilita a ir ao recôncavo procurar um Supercroc? Que seus fósseis existem, não tenho dúvidas. Só falta encontrá-los. EU QUERO O MEU SUPERCROC!

+ crocodilos brasileiros extintos 

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O jacaré que pastava

São Paulo teve jacaré com carapaça de tatu


Referências: 

Broin, F. de, & P. Taquet. 1966. Découverte d'un crocodilien nouveau dans le Crétacé inférieur du Sahara. Comptes Rendus de l'Académie des Sciences à Paris, Série D, 262(6):2326-2329. 
Buffetaut, E., & P. Taquet. 1977. The giant crocodilian Sarcosuchus in the early Cretaceous of Brazil and Niger. Palaeontology 20(1):203-208. 
Marsh, O.C. 1869. Notice of some new reptilian remains from the Cretaceous of Brazil. American Journal of Science 47(141):390-392.

Originalmente publicado em Época Online, em 27/06/2010

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