Memórias de um fotógrafo de guerra

O relato autobiográfico das aventuras e mazelas do fotojornalista Robert Capa na cobertura da Segunda Guerra Mundial

Peter Moon

Corria o final de 1945. A Segunda Guerra Mundial havia acabado. Robert Capa, o fotógrafo de guerra da revista Life, era uma celebridade graças a suas fotos do Dia D, o desembarque na Normandia, em 6 de junho de 1944. Assim como Humphrey Bogart em Casablanca (1942), foi em Paris que Capa conheceu Ingrid Bergman, a estrela do filme. Ela era casada e infeliz. Eles se apaixonaram e foram para Hollywood. Ingrid criava subterfúgios para encontrar o amante no set de Interlúdio, de Alfred Hitchcock. Após seis meses, colocou-o na parede. Queria casar com Capa. Ele recusou – e disse por quê. Era um fotógrafo de guerra, não tinha nada a fazer em Hollywood e aonde iria ela não poderia segui-lo. Ingrid foi desabafar com Hitchcock e Capa viajou para Nova York. Quem era esse homem capaz de trocar Ingrid Bergman pela adrenalina da guerra? Ligeiramente fora de foco (CosacNaify, 296 páginas, R$ 60) é o relato autobiográfico das mazelas e aventuras de Capa na Segunda Guerra Mundial.


DO DIA D À URSS
A foto clássica da invasão da Normandia em 1944 (no alto) é de Capa,
o maior dos fotógrafos de guerra. Em 1947, foi à União Soviética com
o escritor John Steinbeck (de chapéu)



Húngaro e judeu, Endre Friedman saiu de Budapeste em 1933, quando o governo local flertava com o regime nazista. “Adoro a Hungria. Mas não gosto de seu governo nem ele de mim”, dizia para explicar a condição de expatriado. Em 1934, em Paris, adotou o pseudônimo Robert Capa, “um famoso fotógrafo americano”. Assim seria mais fácil obter trabalho. São dele as fotos clássicas da Guerra Civil Espanhola (1936-1939), como o registro do instante em que um combatente toma um tiro mortal. “Se sua foto não é boa o bastante, você não está perto o bastante”, dizia.

O trabalho na Espanha garantiu a Capa o contrato com a Life. Em suas páginas, ele mostrou aos americanos a luta no norte da África. Sem treino nenhum, saltou de paraquedas à noite para, ao amanhecer, registrar a invasão da Sicília. Seu livro não é um relato de batalhas, mas de como ele se virava para ir aonde a luta era mais feroz, ou saber quando seria a invasão seguinte, sempre um passo à frente dos fotógrafos concorrentes.
Entre uma campanha e outra, Capa e amigos da imprensa como os romancistas Ernest Hemingway e John Steinbeck combatiam o marasmo consumindo engradados de uísque em jogos de pôquer. Capa sempre perdia. Não se importava. Não sabia quanto tempo viveria, por que se preocupar? “O correspondente de guerra tem sua aposta (sua vida) nas próprias mãos e pode colocá-la neste ou naquele cavalo, ou pode colocá-la de volta no bolso no último minuto.” Sobre o Dia D, diz: “Sou um jogador. Resolvi ir na primeira leva.”

O destino era a Praia Omaha, local da pior batalha da invasão. A primeira leva sofreu baixas terríveis: 70% dos homens morreram ou foram feridos antes de botar o pé na areia. Capa se protegeu atrás de um obstáculo. A 100 metros da areia, com água no pescoço e o mar crispado por tiros de metralhadora alemã, disparou quatro rolos de filme. Era o suficiente. Nadou até uma lancha e fugiu. Suas fotos estamparam todos os jornais da América.

Se ficasse em Omaha, Capa seria provavelmente um dos 20 mil mortos do dia. O episódio acaba de ganhar um novo estudo: Dia D – A batalha da Normandia (Record, 714 páginas, R$ 79,90). As credenciais do autor são impecáveis. O historiador inglês Antony Beevor publicou os relatos definitivos da batalha de Stalingrado e da queda de Berlim. Ao sobreviver, Capa garantiu lugar de destaque no livro de Beevor.

Finda a guerra – e o romance com Ingrid Bergman –, Capa foi a Paris fundar com Henri Cartier-Bresson a agência Magnum de fotojornalismo. Em 1947, a tensão entre Washington e Moscou era latente. John Steinbeck e Capa voaram à terra dos antigos aliados para revelar a face do povo russo. Nas ruas, a pergunta mais ouvida foi: “Vocês vão nos bombardear?”. Em 1947, Washington detinha o monopólio nuclear. Os dois lançaram no ano seguinte um livro reportagem Um diário russo (Cosac Naify, 328 páginas, R$ 70).

Em 1954, Alfred Hitchcock se inspirou no romance entre Ingrid Bergman e Capa para rodar Janela indiscreta. No filme, James Stewart interpreta um fotojornalista que tenta se esquivar do casamento com a estonteante Grace Kelly. Capa jamais assistiu ao filme. Morreu meses antes da estreia, ao pisar numa mina na Guerra da Indochina.

Publicado originalmente em Época, em 17/12/2010.

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