Fruto do cacaueiro infectado pelo fungo causador da podridão-parda (crédito: CEPLAC/CEPEC) |
A podridão parda é uma doença responsável pela perda de 30% a 40% da produção mundial de cacau. Um estudo brasileiro encontra no DNA do cacaueiro as regiões onde existem genes que conferem resistência a este mal
Agência Brasileira de Divulgação Científica
Em 1990, a produção brasileira de cacau era de 350 mil toneladas. Hoje, ela caiu pela metade. Ao longo de 30 anos, doenças como a podridão-parda e a vassoura-de-bruxa foram progressivamente derrubando a produção nacional. Em 2017, foram comercializadas 170 mil toneladas de cacau, insuficientes para saciar o desejo do brasileiro por chocolate, um negócio que movimenta R$ 14 bilhões ao ano.
Apesar de o Brasil ser um dos centros de origem da planta cacau (Theobroma cacao) e de já ter sido o maior produtor mundial, desde 1998 nosso país é importador de cacau. Em 2017, foram importadas 60 mil toneladas do produto.
Não fossem as perdas provocadas por doenças, o país poderia ser auto suficiente. Estima-se que as perdas de frutos do cacau por causa da podridão parda e da vassoura de bruxa reduziram em 50 mil toneladas a safra de 2017, que do contrário poderia ter atingido 225 mil toneladas.
A busca de meios para reduzir a incidência da podridão parda e da vassoura de bruxa tornaram-se, portanto, objetivo premente da cacauicultura nacional. Mas como fazê-lo? A resposta é, através do melhoramento genômico do cacau.
Em tese, é possível desenvolver novos clones a partir de plantas resistentes às espécies de Phytophthora, que causam a podridão parda. Em um estudo genômico que acaba de ser publicado, pesquisadores baianos e paulistas anunciam a descoberta de seis regiões no genoma do cacau que conferem resistência à podridão-parda. A descoberta é o primeiro passo concreto para o desenvolvimento de novos clones ou variedades de cacaueiros resistentes à doença.
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A busca por plantas resistentes
Nos cacaueiros da Bahia, o maior estado produtor e responsável por 70% da produção nacional, a podridão-parda e a vassoura-de-bruxa provocam anualmente a perda de 1 em cada 4 frutos. A podridão-parda foi responsável por 14% das perdas (30 mil toneladas), enquanto a vassoura-de-bruxa respondeu pela perda de 20 mil toneladas (9%), informa a engenheira agrônoma e fitopatologista Edna Dora Newman Luz, do Centro de Pesquisa do Cacau (CEPLAC/CEPEC), em Ilhéus-BA. Hoje a podridão parda resulta em maior perda em frutos que a temida vassoura de bruxa.
"As perdas com a podridão-parda nos cacaueiros baianos nos últimos anos, tem sido superiores à média mundial. Anualmente, a doença causa em média perdas de 10% da produção mundial. Aqui, foram em torno de 14% em 2017."
"Contudo, até meados dos anos 1980 as perdas causadas pela podridão-parda no sul da Bahia eram muito maiores. Chegavam a 30% da produção," revela Luz. A pesquisadora credita às mudanças climáticas a queda nas perdas. Entenda o porquê:
A podridão-parda é causada por sete espécies do gênero Phytophthora. No Brasil, registra-se atualmente a presença de três ‘fungos’: Phytophthora citrophthora, P. palmivora e P. capsici.
Os esporos de fitóftora se movimentam na água. Portanto, é a água da chuva que cai sobre as folhas e frutos contaminados que carrega os esporos que irão infectar outras folhas, frutos e árvores.
"Fitóftora é muito sensível à umidade. Precisa de chuva para propagar seus esporos, que são transportados pela água," afirma Luz. "No passado, nos anos 1970 e 1980, o clima no sul da Bahia era mais úmido. Chovia muito mais, o que propiciava a propagação da doença. Hoje, por causa das mudanças climáticas, o clima na região se tornou mais seco em alguns anos. Chove muito menos hoje do que há 30 ou 40 anos. A redução nas chuvas diminuiu a propagação dos esporos de fitóftora e, consequentemente, o índice de infecções de 30% para 14% da produção."
Ainda assim, os 14% de perdas é um percentual altíssimo. Os cacauicultores procuram manter a podridão-parda sob controle ao inspecionar regularmente as árvores e remover os frutos atingidos, evitando que a doença se espalhe, ou quando possível, aplicando fungicidas à base de cobre.
Resta ao melhoramento genético e genômico, selecionando variedades resistentes ao fungo, a opção para derrubar de verdade a incidência da doença.
Este trabalho começou pelas mãos da geneticista Mariana Barreto, na Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC). A primeira parte da pesquisa envolveu o trabalho de fitopatologia, para verificar os diversos graus de resistência ou de suscetibilidade dos cacaueiros à fitóftora. Para tanto, Barreto coletou amostras de folhas de aproximadamente 300 cacaueiros de uma fazenda experimental em Barro Preto-Ba, pertencente a uma empresa multinacional da indústria alimentícia.
As amostras das três espécies de fitóftora, por sua vez, foram obtidas com Luz junto ao Laboratório de Phytophthora (Phytolab) da CEPEC/CEPLAC, onde foram realizadas pesquisas com o fitoftora.
Para obter resultados estatísticos relevantes, Barreto produziu, a partir das amostras de folhas coletados dos cacaueiros, três jogos de 12 mil disquinhos de folhas para fazer os teste de resistência e de suscetibilidade com cada uma das três espécies de fitóftora que infestam os cacaueiros da Bahia.
Em cada disquinho de cada um dos jogos de 12 mil disquinhos, Barreto pingou uma gota com uma solução na qual havia esporos de uma única espécie do patógeno. Ela repetiu a operação para cada uma das três espécies de fitóftora separadamente, totalizando 36 mil disquinhos.
Passados alguns dias, Barreto analisou os disquinhos um por um sob a luz, atribuindo uma nota conforme o grau de resistência ou de suscetibilidade à infecção por fitóftora.
"Com base em uma escala de notas onde o que se ranqueia são os níveis de resistência ou suscetibilidade da plantas, desde as mais resistentes até as mais suscetíveis, atribui notas a cada um dos 36 mil disquinhos. Foi um trabalho minucioso que durou 9 longos meses," diz Barreto.
Foi a partir desta pesquisa de fitopatologia que Barreto conseguiu identificar, entre as 300 árvores das quais haviam sido coletadas folhas para análise, quais eram os cacaueiros com maior resistência natural à cada uma das três espécies de fitóftora. "Toda vez que eu identificava uma amostra que não tinha a doença, significava que ela provinha de uma árvore possuidora de genes de resistência à fitóftora," diz Barreto.
"Os resultados sugeriram a existência nos cacaueiros de apenas dois ou três genes de resistência à fitóftora. Nem um único, nem dezenas de genes. Era uma evidência de que seria possível selecionar plantas resistentes," conclui a geneticista de plantas Anete Pereira de Souza, líder do Laboratório de Análise Genética Molecular no Centro de Biologia Molecular e Engenharia Genética, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os resultados do trabalho de fitopatologia foram publicados em 2015.
A geneticista Anete Pereira de Souza, da Unicamp, em seu laboratório (divulgação) |
Investigando o DNA do cacau
A constatação da possibilidade da seleção de clones resistentes à fitóftora foi o que deslanchou a segunda etapa do trabalho, que envolveu a pesquisa genômica do DNA do cacaueiro, em busca dos genes de resistência à fitóftora. Esta etapa foi realizada no laboratório de Souza, em Campinas, na UNICAMP, em colaboração com pesquisadores da Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC) e também, um laboratório de uma empresa de chocolate localizada nos EUA.
Para realizar o estudo genômico, Barreto foi buscar amostras na mesma fazenda de cacau onde havia coletado folhas anteriormente. Desta vez, a geneticista baiana coletou amostras de folhas de 265 árvores. Em seguida, foi realizado o trabalho de bancada de genotipagem de todos aqueles indivíduos, para detectar marcadores moleculares que pudessem apontar quais as regiões do genoma onde poderiam residir os genes de resistência.
O DNA do cacaueiro (Theobroma cacao) é constituído por dez cromossomos. Para determinar em quais cromossomos estavam localizadas as regiões de resistência para cada uma das três espécies de fitóftora, foi feita uma análise genético-estatística e também de bioinformática.
"Encontramos regiões de resistência às três espécies de fitóftora em seis cromossomos do cacau. Sabemos disto porque lá existem genes reconhecidamente resistentes à doenças fúngicas," explica Souza.
Mais especificamente, a análise estatística apontou a existência de regiões de resistência à espécie Phytophthora capsici nos cromossomos 1, 2, 3 e 4. Já no caso de P. citrophthora e P. palmivora, foi identificada apenas uma região de resistência para cada espécie. Mas ambas as regiões situam-se num mesmo cromossomo, o de número 6.
"Agora que sabemos quais são as regiões do genoma do cacau onde ficam os genes de resistência, podemos desenvolver marcadores para identificar individualmente quais plantas possuem os genes responsáveis pela resistência em tais regiões," diz Souza.
Uma vez feito isto, será possível através do melhoramento genômico cruzar tais indivíduos com outras plantas suscetíveis à doença, produzindo assim novas plantas resistentes à podridão-parda, as quais serão facilmente identificáveis por marcadores moleculares.
Entre as três espécies de fitóftora que infestam atualmente os cacaueiros da Bahia, "P. palmivora é a mais comum, seguida por P. citrophthora. P. palmivora é uma espécie que infecta plantas em todo o mundo, tanto nos cacaueiros das Américas quanto naqueles que crescem na África," explica a especialista Edna Dora Luz.
Na África ficam os dois maiores produtores de cacau, a Costa do Marfim e Gana. O terceiro colocado é a Indonésia, no sudeste asiático. O Brasil ocupa atualmente a sexta posição entre os maiores produtores.
"P. citrophthora é uma espécie de fitóftora restrita às Américas, sendo a mais agressiva das três espécies que ocorrem aqui no sul da Bahia," explica Luz.
De acordo com a pesquisadora, todas as espécies causam os mesmos sintomas nos frutos, mas cada espécie de fitóftora atinge a planta de uma forma diferente. Enquanto uma espécie se restringe às folhas e frutos, outra ataca também as raízes, por exemplo. "Quando o foco de infecção é no fruto, a podridão-parda pode inviabilizar parcial ou totalmente as sementes contidas em seu interior. O fruto apodrece, fica com um aspecto muito escuro, negro da cor do chocolate, e com um forte fedor de peixe," conta Barreto.
Como a doença ataca os frutos individualmente, o procedimento dos produtores para tentar manter a fitóftora sob controle consiste em remover e destruir os frutos infectados, evitando que a infecção se alastre para os outros frutos e, para as árvores circunvizinhas, causando uma epidemia. "Tem que ter cuidado também com os ‘casqueiros’, amontoado de cascas dos frutos que foram quebrados. A doença pode se alastrar a partir deles," diz Luz.
De acordo com Souza, "a importância deste trabalho genômico está principalmente ligada à espécie mais agressiva de fitóftora, P. citrophthora. Outros trabalhos no exterior já haviam identificado regiões de resistência em P. palmivora e P. capsici, que ocorrem em outros lugares do mundo. Mas nosso trabalho é o primeiro a fazer o mesmo com P. citrophthora.
Além disso era necessário fazer este longo estudo para identificar e confirmar a existência da resistência aos três ‘fungos’ nas populações de cacau em uso nos programas de melhoramento de cacaueiro no Brasil, e especificamente na Bahia.
artigos científicos relacionados a esta reportagem:
M.A. Barreto, J.C.S. Santos, R.X. Corrêa, E.DM.N. Luz, J. Marelli, A.P. Souza. 2015.
M.A. Barreto, J.C.S. Santos, R.X. Corrêa, E.DM.N. Luz, J. Marelli, A.P. Souza. 2015.
Detection of genetic resistance to cocoa black pod disease caused by three Phytophthora species. Euphytica 206(3):677-687.
M. A. Barreto et al. QTL mapping and identification of corresponding genomic regions for black pod disease resistance to three Phytophthora species in Theobroma cacao L. Euphytica 2018, 214:188
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Anete Pereira de Souza
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Dra. Edna Dora Luz - especialista em cacau
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