O historiador da Gripe Espanhola diz que a próxima onda da gripe suína virá em agosto (de 2009). A vacina, só em novembro
Peter Moon
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QUEM É
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QUE PUBLICOU
Crosby – Embora muito infecciosa, a primeira onda foi branda. A quase totalidade dos doentes se recuperou em duas semanas. A proporção de mortos em relação ao total de casos foi ínfima, como acontece hoje com a gripe suína. Apesar de a primeira onda da Gripe Espanhola ter infectado milhões de pessoas e dado a volta ao mundo em quatro meses, sua baixa letalidade fez com que passasse despercebida. A atenção da população mundial estava voltada para os campos de batalha na Europa. Com o aumento da temperatura e a chegada do verão no Hemisfério Norte, em julho de 1918 a gripe desapareceu.
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Organização Mundial da Saúde (OMS) deu o sinal verde para a pesquisa da vacina contra o vírus A/H1N1, da gripe suína. Ela surgiu no México, há dois meses. Espalhou-se por 80 países e já infectou 30 mil pessoas. “O vírus parece brando. Até agora, só matou 150 pessoas. Vamos torcer para que fique assim”, diz o historiador americano Alfred Crosby, autor do relato definitivo da Gripe Espanhola de 1918, America’s forgotten pandemic (A pandemia esquecida da América). Crosby se diz preocupado. Vê certos paralelos entre a pior epidemia da história e a gripe suína. As duas se originaram em porcos e são causadas pelo mesmo vírus influenza, o tipo A/H1N1. A primeira onda da Espanhola foi branda. A segunda, de agosto a novembro de 1918, foi letal. Crosby diz que a segunda onda da gripe suína irá de agosto a novembro. A vacina ainda não estará pronta.
QUEM É
O historiador americano Alfred W. Crosby, de 78 anos, mora na Ilha Nantucket, em Massachusetts, nos EUA
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QUE FEZ É um dos fundadores da história ecológica. Foi professor na Universidade Yale e na Universidade do Texas, em Austin
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The Columbian exchange (1972)
America forgotten pandemic (1976)
Imperialismo ecológico (1986)
A medida da realidade (1997)
ÉPOCA – Como vê a gripe suína?
Alfred Crosby – Estou muito preocupado. Torço para que esse vírus não sofra mutações e se torne mais letal, antes de começar a segunda onda da pandemia, em agosto.
ÉPOCA – Haverá uma segunda onda?
Crosby – Não só acho que acontecerá uma segunda onda, como talvez uma terceira. Foi assim na Gripe Espanhola de 1918. A primeira onda daquela pandemia, entre março e junho, foi branda. A segunda foi terrível. Começou no fim de agosto e durou até novembro. Algumas regiões, como São Francisco, tiveram uma terceira onda, entre janeiro e março de 1919.
ÉPOCA – Como começou a pandemia?
Crosby – No Hemisfério Norte, na primavera de 1918, milhões de pessoas nos Estados Unidos e na Europa contraíram uma forte gripe. Elas caíram doentes de cama com uma febre alta que durava, em média, três dias – daí o nome pelo qual a primeira onda da Gripe Espanhola ficou conhecida, “febre dos três dias”. Na Europa, centenas de milhares de soldados ingleses, franceses e alemães ficaram doentes nos dois lados das trincheiras da Primeira Guerra Mundial.
ÉPOCA – Como evoluiu a doença?
ÉPOCA – Desapareceu?
Crosby – O vírus provavelmente migrou para o Hemisfério Sul, que estava em pleno inverno. No fim de agosto, a pandemia voltou aos Estados Unidos e à Europa. Em setembro, o número de casos explodiu. O vírus influenza havia mudado. Ficou muito mais letal. A segunda onda da Gripe Espanhola foi a pior epidemia da história. Nenhuma doença matou tanta gente em tão pouco tempo. Entre setembro e novembro de 1918, a pandemia infectou até 20% da humanidade. Matou pelo menos 50 milhões de pessoas. Ninguém poderia imaginar que a “febre dos três dias” tinha sido a primeira onda da pandemia. Isso ficou claro quando se constatou que todos que a contraíram escaparam da segunda onda: haviam adquirido imunidade.
ÉPOCA – E os que não tinham imunidade?
Crosby – Adoeceram aos milhões. Nos primeiros dias de setembro de 1918, médicos e enfermeiras ainda procuravam manter os doentes em repouso, bem alimentados e aquecidos. Em meados de setembro, isso se mostrou impraticável. A quantidade de doentes em qualquer cidade média europeia ou americana era insustentável. Não havia leitos disponíveis nem espaço nos hospitais. Nos casos mais graves, um doente podia apresentar os primeiros sintomas da gripe de manhã e morrer na noite do dia seguinte. O pior cenário era visto nas dezenas de quartéis do Exército americano, abarrotados de recrutas prontos para ir lutar na Europa. No auge da pandemia, num quartel qualquer com 50 mil soldados, 15 mil estavam doentes. Eram colocados no chão entre os leitos, deixados nos corredores do hospital ou em barracas de campanha, sobre cobertores. Os médicos e as enfermeiras que não tinham adoecido estavam exaustos. Dada a falta de espaço, só eram internados os doentes com febre superior a 40 graus. Quem não atendia a essa condição tinha de se virar por conta própria. Milhares morreram ao relento. De setembro a novembro de 1918, 35 mil soldados americanos morreram em batalha e 34 mil de gripe. No total, a pandemia matou 500 mil americanos.
ÉPOCA – Como foi a reação da população americana durante a pandemia?
Crosby – Todos passaram a usar máscaras para evitar o contágio pelo ar. Algumas cidades aprovaram leis ameaçando prender quem cuspisse no chão. Motorneiros de bonde barravam a entrada de quem não usasse máscara. Não se sabia que elas de nada adiantavam. Os vírus as atravessam. Mas, em 1918, os vírus não tinham sido descobertos. Achava-se que a gripe era causada por uma bactéria, a Haemophilus influenzae. Ela era isolada nos pulmões da maioria dos doentes que morriam de pneumonia. Trata-se de uma bactéria oportunista que ataca os pulmões debilitados pelo vírus da gripe. Mesmo se a pandemia fosse causada pela bactéria, não haveria como combatê-la. Não havia antibióticos. A penicilina só foi descoberta em 1928.
ÉPOCA – Quando se identificou o culpado?
Crosby – Os vírus são invisíveis ao microscópio convencional. Foi preciso esperar a invenção do microscópio eletrônico, em 1931, para descobrir que a gripe é causada pelo vírus influenza. É um vírus que muda todo ano e ataca nos meses frios. Se o vírus da gripe não sofresse mutações, bastaria tomar a vacina uma única vez para ser imunizado por toda a vida. Como ele muda, todo ano se produz uma nova vacina. Pandemias ocorrem quando a mutação de um ano para o outro é radical. É quando surge um vírus tão diferente que ninguém tem defesas contra ele. Foi assim com a Gripe Espanhola de 1918, com a Gripe Asiática de 1957 e com a gripe de Hong Kong, de 1968. As três pandemias do século XX surgiram de mutações radicais. Todas começaram brandas. Assim como a Gripe Espanhola, a segunda onda da Gripe Asiática foi mais virulenta. Matou 4 milhões. Já a segunda onda da gripe de Hong Kong manteve-se branda. Só matou 1 milhão. Em 1997, geneticistas reconstituíram o vírus de 1918. Era o A/H1N1, semelhante ao da gripe suína. Nas pandemias de 1957 e 1968, o vírus era de outro tipo.
ÉPOCA – O vírus A/H1N1 da pandemia de gripe suína é uma mutação radical?
Crosby – Sim, e muito contagiosa. Essa gripe surgiu no México, em abril, e já infectou 30 mil pessoas em 80 países. Por sorte, essa versão do vírus A//H1N1 parece ser pouco agressiva. Até agora, só matou 150 pessoas. Vamos torcer para que continue assim e que a segunda onda permaneça branda, como na pandemia de 1968. Não estou dizendo que a segunda onda da gripe suína será terrível, mas qualquer epidemiologista sabe que essa possibilidade existe
ÉPOCA – Como fica o Hemisfério Sul agora, quando começa a temporada de gripe?
Crosby – Com a chegada do inverno, começa a temporada da gripe comum no Hemisfério Sul. Devemos esperar um aumento nos casos de gripe suína na América do Sul, no sul da África e na Austrália. Neste momento, há mais de 400 doentes no Chile. Uma pessoa morreu. Na Argentina, são mais de 200 casos. Espero que, em seu passeio pelo Hemisfério Sul, o vírus A/H1N1 não se torne mais perigoso.
ÉPOCA – Os primeiros casos da nova gripe surgiram num povoado mexicano, perto de uma grande fazenda de porcos...
Crosby – Em 1918, foi igual. Os primeiros casos foram registrados em março, no Estado americano do Kansas. Quase ao mesmo tempo, eclodiu uma epidemia de gripe nas fazendas de porcos da região. A associação americana dos suinocultores correu a negar qualquer ligação entre a doença nos porcos e em pessoas. Passados 90 anos, a reação dos suinocultores em relação à gripe suína foi idêntica.
ÉPOCA – O senhor diz que a segunda onda da gripe suína começará em agosto. Mantendo-se o padrão das outras pandemias, ela terminará em novembro?
Crosby – Exatamente. É irônico. Novembro, na melhor das hipóteses, é quando a OMS espera obter as primeiras doses da vacina para iniciar a imunização. Só que ela poderá chegar tarde demais.
ÉPOCA – Mesmo sem vacina, hoje temos condições melhores de enfrentar a pandemia...
Crosby – Sim e não. Hoje, nós sabemos quem é o inimigo, sequenciamos seu DNA e temos antivirais para combatê-lo. Por outro lado, o total de doentes numa pandemia pode crescer tanto e tão rapidamente que não há no planeta médicos, remédios e leitos hospitalares em quantidade suficiente para cuidar de todos os casos graves.
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