Esqueça Varginha. Os alienígenas estão entre nós. Mas não são mineiros, são paulistas
Peter Moon
“Eles são os invasores. E estão entre nós,” alertava a frase de abertura de um seriado popular dos anos 1960. É a mais pura verdade. Para fazer contato com um extraterrestre, não é preciso ir à locadora para assistir ET, Contatos imediatos de terceiro grau ou Homens de preto. Basta sair de São Paulo e dirigir uma hora pelas rodovias Anhaguera ou Bandeirantes. Outra opção é embarcar num avião, pousar no aeroporto de Viracopos, entrar num táxi e dizer ao motorista: “Rua Giuseppe Máximo Scolfaro, 10000, Jardim Aruã, em Campinas”.
A corrida não dura mais que 15 minutos. No endereço fica o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS), um centro de pesquisas do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). É lá que proliferam ETs. Não são seres pescoçudos com olhos amendoados nem vivem querendo telefonar para casa. Na verdade, são microscópicos. São bactérias da espécie Deinococcus radiodurans, conhecida por sua espantosa resistência à radiação. Não, espantosa não é o adjetivo correto. Mais apropriado seria chamá-la de alienígena. A radiodurans sobrevive incólume a quaisquer fontes de radiação naturais no planeta. É esta propriedade única que torna a radiodurans uma candidata preferencial ao posto de semeadora interplanetária de vida. “A dose de radiatividade necessária para matar a radiodurans é mil vezes superior às mais letais fontes de radiação natural que existem na Terra,” diz Ivan Gláucio Paulino-Lima, 31, doutorando em Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ivan é um astrobiólogo. Ele estuda os meios, e barreiras, para a disseminação da vida através do espaço e em outros planetas.
O primeiro passo é saber como seria uma forma de vida capaz de sobreviver no espaço. Quais seriam as características de uma bactéria que, ejetada de Marte pelo impacto de um asteróide, sobrevivesse inerte no vácuo espacial gelado, incrustada num meteorito em uma trajetória errática de 15 milhões de anos até cair na Terra e ressuscitar – sem ser calcinada pela fricção de 5 mil graus centígrados na entrada na atmosfera? O famoso meteorito de Marte ALH84001 achado na Antártica em 1996, e que supostamente conteria nanobactérias fósseis, é apenas um entre dezenas que foram achados - uma fração ínfima dos milhares que caem na Terra todos os anos, desde que os dois planetas se formaram há 4,5 bilhões de anos.
Para satisfazer todas aquelas condições de semeadura interplanetária de vida, astrobiólogos como Paulino-Lima pesquisam extremófilos, organismos capazes de sobreviver a condições extremas de calor, frio, acidez, alcalinidade, salinidade, pressão, seca, vácuo e radiação. Quando o assunto é resistência à radiação, ninguém supera a radiodurans (leia mais sobre a busca de ETs aqui em nosso planeta em “A Terra tem ETs?”, e no Sistema Solar em “Com ETs, o Universo é mais interessante”.
A vida surgiu há 4 bilhões de anos, mas por causa da radiação UV a vida permaneceu 3,5 bilhões de anos dentro d’água, nos oceanos, onde os raios UV não penetram. Os continentes eram desertos estéreis. A camada de ozônio que envolve o planeta e barra quase todos os raios UV solares ainda não havia se formado inteiramente. Foi apenas há cerca de 500 milhões de anos que a camada de ozônio se fechou, bloqueando os raios UV. Só então a vida pôde sair dos mares e fertilizar os continentes. É provável que os primeiros seres a rastejar para fora d’água não tenham encontrado uma paisagem inteiramente desprovida de vida. Os continentes bem podem ter sido por incontáveis eras território exclusivo de um ancestral da radiodurans e das outras 40 espécies da sua família.
A radiodurans foi descoberta em 1956, quando americanos experimentavam esterilizar carne enlatada com doses maciças de radiação. Eles submeteram o alimento a uma radiação de 10 mil grays (Gy). Para termos de comparação, 5 grays são letais ao ser humano e 2 mil grays eliminam todas as formas de vida. Ao verificar a amostra, os pesquisadores notaram que uma bactéria insistia em sobreviver. Repetiram o experimento, aumentaram sua intensidade, mantiveram o banho de raios por 60 horas e nada do micróbio sumir. Pelo contrário, ele proliferava. Era a radiodurans. Hoje se sabe que esta família de bactérias possui uma propriedade fantasmagórica. Como a lendária fênix, a ave renasce das próprias cinzas, a radiodurans também tem o seu DNA fragmentado ao ser submetida à radiação. No entanto, uma vez eliminada a fonte de raios, os fragmentos voltam a se arranjar rapidamente, e o micróbio continua levando sua vidinha, como se nada tivesse acontecido.
No Laboratório Nacional de Luz Sincrotron, Paulino-Lima submeteu uma cultura de 100 mil células da radiodurans a 16 horas ininterruptas de radiação UV, e a níveis crescentes. Paulino-Lima não conseguiu determinar qual seria a dose de radiação suficiente para eliminar a bactéria, como publicou no estudo “Simulação em laboratório da radiação ultravioleta interplanetária e seus efeitos na Deinococcus radiodurans”, feito em co-autoria com o astrônomo Sérgio Pilling e o astrofísico Eduardo Janot Pacheco, entre outros, a ser publicado na revista científica Planetary and Space Science.
Uma bactéria resistente às doses cavalares de radiação geradas em um laboratório de ponta como o LNLS não é uma incógnita trivial. Quando Paulino-Lima afirma que a radiodurans resiste a uma dose de radiação mil vezes superior às mais letais fontes naturais de radiação terrestres, surge a pergunta que não quer calar. Se não há no planeta nenhuma pressão ambiental capaz de selecionar tamanha resistência à radiação nos ancestrais da radiodurans, onde será que eles evoluíram essa resistência?
Basta erguer os olhos. A resposta está lá em cima, bem além do azul do céu, na vastidão espacial. Nas cercanias do Sol e de qualquer outra dos bilhões de estrelas da Via Láctea, a radiação pode ser incomensurável. Será realmente necessário continuar buscando extraterrestres fora da Terra ou será que eles sempre estiveram aqui, bem debaixo dos nossos olhos? Esqueça Varginha. Os alienígenas podem estar entre nós. Talvez aqui do lado, em Campinas.
Peter Moon
“Se só nós existíssemos no universo, seria um tremendo desperdício de espaço”
Carl Sagan (1934-1996), astrônomo americano, no romance Contato (1985)
A corrida não dura mais que 15 minutos. No endereço fica o Laboratório Nacional de Luz Sincrotron (LNLS), um centro de pesquisas do Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). É lá que proliferam ETs. Não são seres pescoçudos com olhos amendoados nem vivem querendo telefonar para casa. Na verdade, são microscópicos. São bactérias da espécie Deinococcus radiodurans, conhecida por sua espantosa resistência à radiação. Não, espantosa não é o adjetivo correto. Mais apropriado seria chamá-la de alienígena. A radiodurans sobrevive incólume a quaisquer fontes de radiação naturais no planeta. É esta propriedade única que torna a radiodurans uma candidata preferencial ao posto de semeadora interplanetária de vida. “A dose de radiatividade necessária para matar a radiodurans é mil vezes superior às mais letais fontes de radiação natural que existem na Terra,” diz Ivan Gláucio Paulino-Lima, 31, doutorando em Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Ivan é um astrobiólogo. Ele estuda os meios, e barreiras, para a disseminação da vida através do espaço e em outros planetas.
Caçando alienígenas
A Astrobiologia é um campo de pesquisa recente e em franca expansão (leia a entrevista com um dos fundadores da Astrobiologia, Chandra Wickramasinghe, em “Eram os vermes astronautas?”). Enquanto não achamos vida em Marte nem fazemos contatos imediatos com incas venusianos, nada nos impede de procurar entender como seria a vida em outros astros onde imperam condições inóspitas. O primeiro passo é saber como seria uma forma de vida capaz de sobreviver no espaço. Quais seriam as características de uma bactéria que, ejetada de Marte pelo impacto de um asteróide, sobrevivesse inerte no vácuo espacial gelado, incrustada num meteorito em uma trajetória errática de 15 milhões de anos até cair na Terra e ressuscitar – sem ser calcinada pela fricção de 5 mil graus centígrados na entrada na atmosfera? O famoso meteorito de Marte ALH84001 achado na Antártica em 1996, e que supostamente conteria nanobactérias fósseis, é apenas um entre dezenas que foram achados - uma fração ínfima dos milhares que caem na Terra todos os anos, desde que os dois planetas se formaram há 4,5 bilhões de anos.
Para satisfazer todas aquelas condições de semeadura interplanetária de vida, astrobiólogos como Paulino-Lima pesquisam extremófilos, organismos capazes de sobreviver a condições extremas de calor, frio, acidez, alcalinidade, salinidade, pressão, seca, vácuo e radiação. Quando o assunto é resistência à radiação, ninguém supera a radiodurans (leia mais sobre a busca de ETs aqui em nosso planeta em “A Terra tem ETs?”, e no Sistema Solar em “Com ETs, o Universo é mais interessante”.
O primeiro senhor dos continentes
A Terra abriga entre 10 milhões e 100 milhões de espécies, entre bactérias, fungos, plantas e animais (sem falar nos vírus, que para uma corrente da ciência não são vida, e para outra, na qual me incluo, deram origem à vida). A vida é baseada no DNA, uma molécula monstruosa e frágil que fragmenta ao ser submetida à radiação ultravioleta (UV), como a emitida pelo Sol. Quando o DNA fragmenta, a célula morre. No caso de organismos multicelulares como nós, humanos, os raios UV em doses baixas causam câncer. Doses elevadas matam. A vida surgiu há 4 bilhões de anos, mas por causa da radiação UV a vida permaneceu 3,5 bilhões de anos dentro d’água, nos oceanos, onde os raios UV não penetram. Os continentes eram desertos estéreis. A camada de ozônio que envolve o planeta e barra quase todos os raios UV solares ainda não havia se formado inteiramente. Foi apenas há cerca de 500 milhões de anos que a camada de ozônio se fechou, bloqueando os raios UV. Só então a vida pôde sair dos mares e fertilizar os continentes. É provável que os primeiros seres a rastejar para fora d’água não tenham encontrado uma paisagem inteiramente desprovida de vida. Os continentes bem podem ter sido por incontáveis eras território exclusivo de um ancestral da radiodurans e das outras 40 espécies da sua família.
A radiodurans foi descoberta em 1956, quando americanos experimentavam esterilizar carne enlatada com doses maciças de radiação. Eles submeteram o alimento a uma radiação de 10 mil grays (Gy). Para termos de comparação, 5 grays são letais ao ser humano e 2 mil grays eliminam todas as formas de vida. Ao verificar a amostra, os pesquisadores notaram que uma bactéria insistia em sobreviver. Repetiram o experimento, aumentaram sua intensidade, mantiveram o banho de raios por 60 horas e nada do micróbio sumir. Pelo contrário, ele proliferava. Era a radiodurans. Hoje se sabe que esta família de bactérias possui uma propriedade fantasmagórica. Como a lendária fênix, a ave renasce das próprias cinzas, a radiodurans também tem o seu DNA fragmentado ao ser submetida à radiação. No entanto, uma vez eliminada a fonte de raios, os fragmentos voltam a se arranjar rapidamente, e o micróbio continua levando sua vidinha, como se nada tivesse acontecido.
ETs em Campinas
Quatro células da bactéria Deinococcus radiodurans
(cortesia de Dr. Michael Daly)
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Uma bactéria resistente às doses cavalares de radiação geradas em um laboratório de ponta como o LNLS não é uma incógnita trivial. Quando Paulino-Lima afirma que a radiodurans resiste a uma dose de radiação mil vezes superior às mais letais fontes naturais de radiação terrestres, surge a pergunta que não quer calar. Se não há no planeta nenhuma pressão ambiental capaz de selecionar tamanha resistência à radiação nos ancestrais da radiodurans, onde será que eles evoluíram essa resistência?
Basta erguer os olhos. A resposta está lá em cima, bem além do azul do céu, na vastidão espacial. Nas cercanias do Sol e de qualquer outra dos bilhões de estrelas da Via Láctea, a radiação pode ser incomensurável. Será realmente necessário continuar buscando extraterrestres fora da Terra ou será que eles sempre estiveram aqui, bem debaixo dos nossos olhos? Esqueça Varginha. Os alienígenas podem estar entre nós. Talvez aqui do lado, em Campinas.
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