A promessa libertária da rede não se realizou. Para o crítico nova-iorquino Lee Siegel, a anarquia tomou conta da Internet
Peter Moon
Em setembro de 2006, a revista The New Republic acabou com o blog de Lee Siegel, um de seus mais célebres articulistas. O motivo: ele havia usado um pseudônimo para postar comentários em que atacava seus críticos e, ao mesmo tempo, elogiava a si próprio como “corajoso, brilhante e mais sábio” que seus detratores. “Após uma investigação, determinou-se que os comentários do usuário ‘sprezzatura’ (desprezo, em italiano), defendendo os artigos e o blog de Lee Siegel, foram produzidos com sua participação. Nós nos arrependemos de ter enganado os leitores. Lee Siegel não vai mais publicar seu blog e foi suspenso de escrever na revista”, afirmou a New Republic. Em entrevista ao The New York Times, Siegel, de 51 anos (hojoe, 53), disse que tudo “não havia passado de uma brincadeira”. Siegel voltou a escrever na New Republic em abril de 2007. E contra-atacou em 2008, com Against the machine: Being human in the age of the electronic mob (Contra a máquina: Sendo humano na era da turba eletrônica, editora Spiegel & Grau), livro no qual faz uma crítica devastadora da internet e da cultura da web. Livros publicados: Love in a dead language (2000), Who wrote the book of love? (2005), Falling upwards (2006), Not remotely controlled (2007), Against the machine (2008).
Peter Moon – Por que escreveu o livro?
Lee Siegel – Em 2006, eu assinava um blog na The New Republic quando uma seção da revista começou a publicar comentários anônimos, tais como “Siegel entrou no santuário de muitas pessoas, mijou nas urnas e pôs seu pênis no altar”, “Siegel é um retardado mongolóide” e “Siegel quer f... uma criança”. Acusaram-me de pedófilo! O pior é que tudo o que cai na web fica na web para sempre! Indignado, pedi aos editores para retirar aqueles comentários. Ninguém me escutou. Resolvi usar um pseudônimo para combater meus críticos. Com a suspensão do blog, decidi escrever a crítica à internet que desejava publicar havia anos.
Moon – Algo mudou de lá para cá?
Siegel – Não. Em abril, dei uma palestra no Google contando toda a história. Dez dias depois, um blogueiro anônimo voltou a s me chamar de pedófilo. Isso precisa parar. Francamente, apesar de ser jornalista e acreditar na liberdade de expressão, sou a favor de ações legais para acabar com essa forma de insulto anônimo.
Moon – O que deve mudar na rede?
Siegel – Ela precisa ser menos comercial. Os sites devem vigiar e proteger seus usuários contra abusos de terceiros, que fazem uso do anonimato para postar mensagens ofensivas. A web precisa mudar, criar um tipo diferente de cultura, no qual as pessoas não colecionem amigos como se fossem objetos. Precisa ser um lugar mais humano, que crie mais sentido na vida das pessoas.
Moon – Após 15 anos de popularização da internet, quais são seus prós e contras?
Siegel – No campo dos prós, eu salientaria as pessoas talentosas que não estão nos meios de comunicação. Elas agora têm voz e um meio para transmiti-la. Conseguem contornar as grandes vias de expressão como as redes de TV, as editoras e as gravadoras. Isso é muito bom. Do lado dos contras, a rede encoraja as pessoas a dizer o que lhes vem à cabeça, encoraja as mais baixa formas de expressão, como a crueldade, a banalidade e a mentira. Ela encoraja a autopromoção. A internet está acelerando a “comoditização” da vida privada, tornando a vida das pessoas um objeto de consumo.
Moon – A web realizou sua promessa libertária original?
Siegel – Não. Existem tantas vozes ressoando ao mesmo tempo. Não há liberdade, o que existe é anarquia. As vozes mais poderosas, sonoras e agressivas sufocam as mais sensíveis, razoáveis e sensatas. Não consigo imaginar um romance como Os Dublinenses, de James Joyce, obtendo sucesso na internet. Ou Kafka, ou Rimbaud, ou qualquer artista introspectivo e cheio de personalidade. A grande verdade é que a internet é melhor para os provocadores e para os idiotas, infelizmente.
Moon – Se a promessa libertária não se realizou, então o mercado dominou a web?
Siegel – Claro. O admirável mundo novo da internet, que seria uma alternativa para a mídia convencional, tornou-se uma nova forma de anarquia. Hoje, temos grupos como o Google, a Microsoft e o Yahoo!, ou Rupert Murdoch, o dono da News Corp., que comprou o MySpace. Ao comprar todos esses blogs e redes sociais, Murdoch e o Google estão, literalmente, comprando a vida empacotada das pessoas. Eles têm acesso a nossos pensamentos íntimos, que repassam para marqueteiros.
Moon – O senhor é contra o Google?
Siegel – Ele é assustador. O negócio do Google é comprar a alma das pessoas para depois vendê-la. O Google criou e domina a cultura dos sites de busca. Ele controla a relação entre o indivíduo, as empresas e o mercado. Seu negócio é virar as pessoas do avesso, expondo seus desejos mais íntimos para o mercado explorá-los e lucrar com eles. É terrível. Se eu fosse um neomarxista, e talvez o seja, diria que estão usando os mecanismos da democracia para criar uma forma autoritária de cultura, dominada e ditada pelas grandes empresas.
Moon – Os jovens trocaram os livros pela web. Isso é ruim?
Siegel – Em uma sociedade de massas existe um grande número de pessoas que parecem ter uma boa formação educacional, mas na verdade não têm. Há muita gente com diplomas universitários ou mesmo títulos mais impressionantes que não é mais culta que pessoas que não tinham diploma há cem anos. Não é surpresa que os jovens não leiam livros. A internet facilita o abandono da cultura impressa e torna mais fácil fazer da distração uma nova forma de disciplina. A internet é uma criação da cultura do entretenimento. Ela força a marginalização da cultura impressa, da reflexão e dos espaços de contemplação passiva de nossa vida.
Moon – O senhor alerta para o surgimento de uma sociedade isolada pelos computadores...
Siegel – Em relação ao efeito isolante da computação, quero dizer que, nos últimos 30 ou 40 anos, os americanos vêm progressivamente mergulhando num grande culto narcisista. Quando se chega ao ponto em que o indivíduo é elevado acima da sociedade, satisfazer as necessidades individuais torna-se mais importante que tentar criar relações com o próximo. A internet é o primeiro meio anti-social criado para o indivíduo anti-social. Ele está sozinho numa sala, na frente do computador, fazendo tudo o que antes requeria encontrar ou falar com pessoas, como fazer compras, reservar uma mesa no restaurante, encontrar uma namorada, se relacionar com amigos ou até fazer sexo. Pela primeira vez, pode-se obter aconselhamento médico sem consulta! É uma revolução nas relações sociais.
Moon – No livro, o senhor usa o termo Homo interneticus. Quem é ele?
Siegel – Usei esse termo para definir um novo tipo de personalidade, de alguém que não tem necessidade de outras pessoas. Creio que todos nos tornamos um pouco assim porque estamos ficando isolados devido a nossas engenhosas tecnologias de isolamento. Acho que estamos nos tornando mais impacientes uns com os outros e menos tolerantes com problemas de relacionamento com outras pessoas. Um reflexo disso é o empobrecimento da ficção e da dramaturgia nos Estados Unidos. Há cada vez menos gente que saiba como escrever sobre a vida com outras pessoas.
Moon – A China tem (em 2008) mais de 73 milhões de blogs. Quem os lê?
Siegel – Quem lê essas coisas? Ninguém. Pode-se argumentar que os blogs são uma forma saudável de expressão para quem não tem outro lugar para exteriorizar seus sentimentos a não ser esse vazio eletrônico. Por outro lado, essa tecnologia faz com que as pessoas se aprisionem em fortalezas construídas com suas próprias palavras, tornando-se narcisistas. A tela de computador é o espelho de Narciso, onde as pessoas vêem o reflexo da própria perdição.
Moon – Se tivesse o poder de mudar uma única coisa na web, o que seria?
Siegel – Proibiria as pessoas de usar pseudônimos. Eu as obrigaria a escrever o próprio nome e a sustentar suas afirmações.
Peter Moon
Em setembro de 2006, a revista The New Republic acabou com o blog de Lee Siegel, um de seus mais célebres articulistas. O motivo: ele havia usado um pseudônimo para postar comentários em que atacava seus críticos e, ao mesmo tempo, elogiava a si próprio como “corajoso, brilhante e mais sábio” que seus detratores. “Após uma investigação, determinou-se que os comentários do usuário ‘sprezzatura’ (desprezo, em italiano), defendendo os artigos e o blog de Lee Siegel, foram produzidos com sua participação. Nós nos arrependemos de ter enganado os leitores. Lee Siegel não vai mais publicar seu blog e foi suspenso de escrever na revista”, afirmou a New Republic. Em entrevista ao The New York Times, Siegel, de 51 anos (hojoe, 53), disse que tudo “não havia passado de uma brincadeira”. Siegel voltou a escrever na New Republic em abril de 2007. E contra-atacou em 2008, com Against the machine: Being human in the age of the electronic mob (Contra a máquina: Sendo humano na era da turba eletrônica, editora Spiegel & Grau), livro no qual faz uma crítica devastadora da internet e da cultura da web. Livros publicados: Love in a dead language (2000), Who wrote the book of love? (2005), Falling upwards (2006), Not remotely controlled (2007), Against the machine (2008).
Peter Moon – Por que escreveu o livro?
Lee Siegel – Em 2006, eu assinava um blog na The New Republic quando uma seção da revista começou a publicar comentários anônimos, tais como “Siegel entrou no santuário de muitas pessoas, mijou nas urnas e pôs seu pênis no altar”, “Siegel é um retardado mongolóide” e “Siegel quer f... uma criança”. Acusaram-me de pedófilo! O pior é que tudo o que cai na web fica na web para sempre! Indignado, pedi aos editores para retirar aqueles comentários. Ninguém me escutou. Resolvi usar um pseudônimo para combater meus críticos. Com a suspensão do blog, decidi escrever a crítica à internet que desejava publicar havia anos.
Moon – Algo mudou de lá para cá?
Siegel – Não. Em abril, dei uma palestra no Google contando toda a história. Dez dias depois, um blogueiro anônimo voltou a s me chamar de pedófilo. Isso precisa parar. Francamente, apesar de ser jornalista e acreditar na liberdade de expressão, sou a favor de ações legais para acabar com essa forma de insulto anônimo.
Moon – O que deve mudar na rede?
Siegel – Ela precisa ser menos comercial. Os sites devem vigiar e proteger seus usuários contra abusos de terceiros, que fazem uso do anonimato para postar mensagens ofensivas. A web precisa mudar, criar um tipo diferente de cultura, no qual as pessoas não colecionem amigos como se fossem objetos. Precisa ser um lugar mais humano, que crie mais sentido na vida das pessoas.
Moon – Após 15 anos de popularização da internet, quais são seus prós e contras?
Siegel – No campo dos prós, eu salientaria as pessoas talentosas que não estão nos meios de comunicação. Elas agora têm voz e um meio para transmiti-la. Conseguem contornar as grandes vias de expressão como as redes de TV, as editoras e as gravadoras. Isso é muito bom. Do lado dos contras, a rede encoraja as pessoas a dizer o que lhes vem à cabeça, encoraja as mais baixa formas de expressão, como a crueldade, a banalidade e a mentira. Ela encoraja a autopromoção. A internet está acelerando a “comoditização” da vida privada, tornando a vida das pessoas um objeto de consumo.
Moon – A web realizou sua promessa libertária original?
Siegel – Não. Existem tantas vozes ressoando ao mesmo tempo. Não há liberdade, o que existe é anarquia. As vozes mais poderosas, sonoras e agressivas sufocam as mais sensíveis, razoáveis e sensatas. Não consigo imaginar um romance como Os Dublinenses, de James Joyce, obtendo sucesso na internet. Ou Kafka, ou Rimbaud, ou qualquer artista introspectivo e cheio de personalidade. A grande verdade é que a internet é melhor para os provocadores e para os idiotas, infelizmente.
Moon – Se a promessa libertária não se realizou, então o mercado dominou a web?
Siegel – Claro. O admirável mundo novo da internet, que seria uma alternativa para a mídia convencional, tornou-se uma nova forma de anarquia. Hoje, temos grupos como o Google, a Microsoft e o Yahoo!, ou Rupert Murdoch, o dono da News Corp., que comprou o MySpace. Ao comprar todos esses blogs e redes sociais, Murdoch e o Google estão, literalmente, comprando a vida empacotada das pessoas. Eles têm acesso a nossos pensamentos íntimos, que repassam para marqueteiros.
Moon – O senhor é contra o Google?
Siegel – Ele é assustador. O negócio do Google é comprar a alma das pessoas para depois vendê-la. O Google criou e domina a cultura dos sites de busca. Ele controla a relação entre o indivíduo, as empresas e o mercado. Seu negócio é virar as pessoas do avesso, expondo seus desejos mais íntimos para o mercado explorá-los e lucrar com eles. É terrível. Se eu fosse um neomarxista, e talvez o seja, diria que estão usando os mecanismos da democracia para criar uma forma autoritária de cultura, dominada e ditada pelas grandes empresas.
Moon – Os jovens trocaram os livros pela web. Isso é ruim?
Siegel – Em uma sociedade de massas existe um grande número de pessoas que parecem ter uma boa formação educacional, mas na verdade não têm. Há muita gente com diplomas universitários ou mesmo títulos mais impressionantes que não é mais culta que pessoas que não tinham diploma há cem anos. Não é surpresa que os jovens não leiam livros. A internet facilita o abandono da cultura impressa e torna mais fácil fazer da distração uma nova forma de disciplina. A internet é uma criação da cultura do entretenimento. Ela força a marginalização da cultura impressa, da reflexão e dos espaços de contemplação passiva de nossa vida.
Moon – O senhor alerta para o surgimento de uma sociedade isolada pelos computadores...
Siegel – Em relação ao efeito isolante da computação, quero dizer que, nos últimos 30 ou 40 anos, os americanos vêm progressivamente mergulhando num grande culto narcisista. Quando se chega ao ponto em que o indivíduo é elevado acima da sociedade, satisfazer as necessidades individuais torna-se mais importante que tentar criar relações com o próximo. A internet é o primeiro meio anti-social criado para o indivíduo anti-social. Ele está sozinho numa sala, na frente do computador, fazendo tudo o que antes requeria encontrar ou falar com pessoas, como fazer compras, reservar uma mesa no restaurante, encontrar uma namorada, se relacionar com amigos ou até fazer sexo. Pela primeira vez, pode-se obter aconselhamento médico sem consulta! É uma revolução nas relações sociais.
Moon – No livro, o senhor usa o termo Homo interneticus. Quem é ele?
Siegel – Usei esse termo para definir um novo tipo de personalidade, de alguém que não tem necessidade de outras pessoas. Creio que todos nos tornamos um pouco assim porque estamos ficando isolados devido a nossas engenhosas tecnologias de isolamento. Acho que estamos nos tornando mais impacientes uns com os outros e menos tolerantes com problemas de relacionamento com outras pessoas. Um reflexo disso é o empobrecimento da ficção e da dramaturgia nos Estados Unidos. Há cada vez menos gente que saiba como escrever sobre a vida com outras pessoas.
Moon – A China tem (em 2008) mais de 73 milhões de blogs. Quem os lê?
Siegel – Quem lê essas coisas? Ninguém. Pode-se argumentar que os blogs são uma forma saudável de expressão para quem não tem outro lugar para exteriorizar seus sentimentos a não ser esse vazio eletrônico. Por outro lado, essa tecnologia faz com que as pessoas se aprisionem em fortalezas construídas com suas próprias palavras, tornando-se narcisistas. A tela de computador é o espelho de Narciso, onde as pessoas vêem o reflexo da própria perdição.
Moon – Se tivesse o poder de mudar uma única coisa na web, o que seria?
Siegel – Proibiria as pessoas de usar pseudônimos. Eu as obrigaria a escrever o próprio nome e a sustentar suas afirmações.
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