Leia o Capítulo I
Capítulo II
Sábado, pouco antes do amanhecer. O telefone do escritório toca. Uma, duas, diversas vezes. Na primeira e na segunda, talvez nem tenha sido ouvido. Ou então soou no interior de um sonho qualquer, fazendo com que o homem que estava largado sobre a cama no quarto ao lado confundisse aquele som com o de uma sirene de ambulância, um apito de fábrica...
Mas o telefone continuou tocando. Remexendo-se na cama e resmungando, o homem buscou a luz fluorescente do rádio-relógio na cabeceira: “3.00 AM”. Jogou a coberta para o lado, bocejou, se coçou, sentou-se na cama e ficou quieta. Esperou que o telefone se calasse. Não foi como ele queria. Levantou-s e seguiu para o corredor, tateando as paredes ao longo do corredor sem se dar ao trabalho de procurar pelo interruptor. Ele queria atender a ligação, dizer que era engano, segurar-se pra não mandar ninguém tomar no cu, e voltar direto pra cama de onde nunca deveria ter saído. Tirou o fone do gancho:
- Alô?
- Posso falar com o Armando? Armando Cohen? - perguntou a voz de um homem do outro lado da linha.
- Sou eu. Quem fala?
- Aqui é da 1a. DP, Santa Efigênia. O senhor conhece alguém chamado Ricardo Burtoni? Perguntou o policial sem perder tempo.
- Conheço. Porquê? Aconteceu alguma coisa?
- Fique calmo, senhor. Aconteceu um acidente. Como seu número estava na carteira dele, resolvemos ligar.
- Acidente? Que tipo de acidente? Foi assaltado? Toou um tiro?
- Não sabemos ainda... - disse o policial - O senhor poderia entrar em contato com a família dele e pedir para se dirigirem ao Pronto Socorro do Hospital das Clínicas o mais rápido possível?
- Claro. Mas é grave? Ele está vivo?
- Sim. Está vivo mas na machucado. Ligue para a família e venha o mais rápido possível.
- Chegando lá eu procuro quem?
- Na portaria informam – disse o guarda antes de desligar o telefone.
Armando voltou para o quarto. “Que fria? Ligar pra mãe do Ricardo numa madrugada fria de sábado”. Era julho de 1986. A luz esverdeada do rádio-relógio informava que eram 3h10 da manhã. Armando abriu uma fresta na veneziana para olhar a rua. Estava deserta, à exceção das duas filas de carros estacionados, iluminados pela luz amarelada dos postes na calçada. Um gato passava.
Era uma madrugada úmida. A neblina baixa tomava conta da cidade. Apesar dela, no horizonte, lá no espigão da Paulista, o luminoso do Conjunto Nacional podia ser avistado. Ele piscava e avisava: 6 graus; 3h15; 6 graus; 3h15; 6 graus; 3h15... Hora de voltar pra cama, não de ligar pra casa das pessoas e avisá-las que tinham que sair na madrugada fria e correr a um hospital.
Mas não era para ser assim. Ricardo era um amigo antigo e querido.
Armando vestiu a roupa que tinha largado pelo chão duas horas antes, procurou esquecer o sono e o iníco da dor no fundo dos olhos que prenuncia mais uma ressaca, pegou a carteira, a chave do carro, as chaves de casa e se certificou que ainda tinha cigarros no maço de Marlboro.
De onde vem a fantasia dos fumantes que fumar espanta o frio?
fim do Capítulo II
Capítulo II
Sábado, pouco antes do amanhecer. O telefone do escritório toca. Uma, duas, diversas vezes. Na primeira e na segunda, talvez nem tenha sido ouvido. Ou então soou no interior de um sonho qualquer, fazendo com que o homem que estava largado sobre a cama no quarto ao lado confundisse aquele som com o de uma sirene de ambulância, um apito de fábrica...
Mas o telefone continuou tocando. Remexendo-se na cama e resmungando, o homem buscou a luz fluorescente do rádio-relógio na cabeceira: “3.00 AM”. Jogou a coberta para o lado, bocejou, se coçou, sentou-se na cama e ficou quieta. Esperou que o telefone se calasse. Não foi como ele queria. Levantou-s e seguiu para o corredor, tateando as paredes ao longo do corredor sem se dar ao trabalho de procurar pelo interruptor. Ele queria atender a ligação, dizer que era engano, segurar-se pra não mandar ninguém tomar no cu, e voltar direto pra cama de onde nunca deveria ter saído. Tirou o fone do gancho:
- Alô?
- Posso falar com o Armando? Armando Cohen? - perguntou a voz de um homem do outro lado da linha.
- Sou eu. Quem fala?
- Aqui é da 1a. DP, Santa Efigênia. O senhor conhece alguém chamado Ricardo Burtoni? Perguntou o policial sem perder tempo.
- Conheço. Porquê? Aconteceu alguma coisa?
- Fique calmo, senhor. Aconteceu um acidente. Como seu número estava na carteira dele, resolvemos ligar.
- Acidente? Que tipo de acidente? Foi assaltado? Toou um tiro?
- Não sabemos ainda... - disse o policial - O senhor poderia entrar em contato com a família dele e pedir para se dirigirem ao Pronto Socorro do Hospital das Clínicas o mais rápido possível?
- Claro. Mas é grave? Ele está vivo?
- Sim. Está vivo mas na machucado. Ligue para a família e venha o mais rápido possível.
- Chegando lá eu procuro quem?
- Na portaria informam – disse o guarda antes de desligar o telefone.
Armando voltou para o quarto. “Que fria? Ligar pra mãe do Ricardo numa madrugada fria de sábado”. Era julho de 1986. A luz esverdeada do rádio-relógio informava que eram 3h10 da manhã. Armando abriu uma fresta na veneziana para olhar a rua. Estava deserta, à exceção das duas filas de carros estacionados, iluminados pela luz amarelada dos postes na calçada. Um gato passava.
Era uma madrugada úmida. A neblina baixa tomava conta da cidade. Apesar dela, no horizonte, lá no espigão da Paulista, o luminoso do Conjunto Nacional podia ser avistado. Ele piscava e avisava: 6 graus; 3h15; 6 graus; 3h15; 6 graus; 3h15... Hora de voltar pra cama, não de ligar pra casa das pessoas e avisá-las que tinham que sair na madrugada fria e correr a um hospital.
Mas não era para ser assim. Ricardo era um amigo antigo e querido.
Armando vestiu a roupa que tinha largado pelo chão duas horas antes, procurou esquecer o sono e o iníco da dor no fundo dos olhos que prenuncia mais uma ressaca, pegou a carteira, a chave do carro, as chaves de casa e se certificou que ainda tinha cigarros no maço de Marlboro.
De onde vem a fantasia dos fumantes que fumar espanta o frio?
fim do Capítulo II
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