O físico carioca Marcelo Gleiser se atreve a questionar o maior dogma da ciência
Peter Moon
Em 1905, Albert Einstein tinha apenas 26 anos quando revolucionou nossa visão do tempo e do espaço. Em 1921, ganhou um merecido Nobel de Física. Tinha 42 anos. Einstein gastou os 34 anos seguintes de sua vida perseguindo sem sucesso uma elusiva teoria final, também conhecida como teoria de tudo ou de todas as coisas, um sintético conjunto de equações com o poder de descrever o surgimento e a evolução do Universo. Einstein morreu em 1955. Cinquenta e cinco anos depois, a busca da teoria final prossegue, mas os físicos de hoje se encontram tão obcecados – e empacados – quanto Einstein. Ninguém arrisca dizer quando a teoria final será achada.
A obsessão da busca de uma explicação unificadora para as leis que regem a natureza é muito anterior a Einstein. Ela motivou o raciocínio e as observações, nos séculos XVI e XVII, dos fundadores da ciência moderna: Copérnico, Galileu, Kepler e Newton. A unificação estava por trás dos cálculos astronômicos de Ptolomeu, no século II, e da cosmologia defendida por Aristóteles e proposta por Pitágoras, séculos antes de Cristo. “A ideia da unificação é incrivelmente sedutora. Foi ela que primeiro me atraiu a uma carreira científica”, diz o físico carioca Marcelo Gleiser, 51 anos, professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos. “A unificação foi muito útil por 2.500 anos. Sua busca fez o homem compreender mistérios no interior dos átomos e no coração de estrelas distantes. Mas a busca unificadora está enterrando o avanço científico. Estamos olhando a natureza de uma forma errada. Está na hora de abandonar a teoria final. Ela não existe. A conquista do conhecimento total não passa de um sonho. Sem a obsessão de buscar simetrias perfeitas – e equações que as descrevem –, os cientistas estarão mais livres para observar o verdadeiro poder da natureza, que vem de suas assimetrias e imperfeições.”
Essa asserção é, no mínimo, questionável – para não dizer petulante. “Não foi só Einstein que perseguiu a teoria final. Heisenberg, Planck, Schrödinger e Pauli, todos os monstros sagrados da física do século XX, são produto de uma cultura unificadora”, diz Gleiser. É contra essa cultura que ele se rebela. Em seu novo livro, Criação Imperfeita – Cosmo, vida e o código oculto da natureza (Record, 368 páginas, R$ 49,90), Gleiser se atreve a questionar o maior dogma da ciência. Para ele, a busca de uma teoria final é insensata e sem futuro. O limite de nosso conhecimento, diz, está e continuará a estar um passo além de nossa compreensão. Esta, por sua vez, está diretamente ligada aos limites de precisão dos instrumentos que construímos, como o LHC, o acelerador de partículas europeu de US$ 10 bilhões.
O incômodo de Gleiser com a unificação não é de hoje. Os primeiros sinais são dos anos 1980. Depois da graduação na PUC do Rio de Janeiro e do doutorado em Londres, Gleiser ingressou no pós-doutorado no acelerador de partículas Fermilab, a 50 quilômetros de Chicago. Lá ele começou a duvidar da existência do Cálice Sagrado da física. “Eu vinha do grupo dos pesquisadores da física de partículas. No Fermilab, conheci pesquisadores de outras áreas, com outras formas de pensar a natureza.” À época, a corrente principal dos estudiosos mergulhava nas equações dificílimas de uma candidata promissora ao posto de teoria final, a teoria das cordas. Segundo ela, o Universo seria formado por filamentos minúsculos, infinitamente menores que o átomo, as tais cordas. Elas formariam a base da matéria e existiriam num mundo de dez dimensões – algo inconcebível de ser imaginado por nós, que vivemos num mundo tridimensional.
Nos anos 1980 e 1990, o estudo das cordas tomou conta dos departamentos de física nos Estados Unidos. O jovem pesquisador que não aderisse às cordas podia desistir da carreira acadêmica. “Era metafísica demais para mim. No Fermilab, deixei para trás o mundo esotérico das dez dimensões. Foi um ato de coragem.” Gleiser diz ter recebido um impulso decisivo de seu orientador: “Os maiores gênios estão estudando as cordas. Deixe-os em paz fazendo o que querem, e vamos estudar outras coisas. É provável que, daqui a 400 anos, eles ainda não tenham provado nada.” Havia algo de visionário no palpite. Já se passaram 30 anos desde que a teoria das cordas surgiu. Ainda não produziu uma única evidência palpável.
Publicado originalmente em ÉPOCA, em 12/03/2010.
Peter Moon
Em 1905, Albert Einstein tinha apenas 26 anos quando revolucionou nossa visão do tempo e do espaço. Em 1921, ganhou um merecido Nobel de Física. Tinha 42 anos. Einstein gastou os 34 anos seguintes de sua vida perseguindo sem sucesso uma elusiva teoria final, também conhecida como teoria de tudo ou de todas as coisas, um sintético conjunto de equações com o poder de descrever o surgimento e a evolução do Universo. Einstein morreu em 1955. Cinquenta e cinco anos depois, a busca da teoria final prossegue, mas os físicos de hoje se encontram tão obcecados – e empacados – quanto Einstein. Ninguém arrisca dizer quando a teoria final será achada.
A obsessão da busca de uma explicação unificadora para as leis que regem a natureza é muito anterior a Einstein. Ela motivou o raciocínio e as observações, nos séculos XVI e XVII, dos fundadores da ciência moderna: Copérnico, Galileu, Kepler e Newton. A unificação estava por trás dos cálculos astronômicos de Ptolomeu, no século II, e da cosmologia defendida por Aristóteles e proposta por Pitágoras, séculos antes de Cristo. “A ideia da unificação é incrivelmente sedutora. Foi ela que primeiro me atraiu a uma carreira científica”, diz o físico carioca Marcelo Gleiser, 51 anos, professor do Dartmouth College, nos Estados Unidos. “A unificação foi muito útil por 2.500 anos. Sua busca fez o homem compreender mistérios no interior dos átomos e no coração de estrelas distantes. Mas a busca unificadora está enterrando o avanço científico. Estamos olhando a natureza de uma forma errada. Está na hora de abandonar a teoria final. Ela não existe. A conquista do conhecimento total não passa de um sonho. Sem a obsessão de buscar simetrias perfeitas – e equações que as descrevem –, os cientistas estarão mais livres para observar o verdadeiro poder da natureza, que vem de suas assimetrias e imperfeições.”
Gleiser acredita que a busca de uma elusiva Teoria Final está freando o avanço da ciência |
Essa asserção é, no mínimo, questionável – para não dizer petulante. “Não foi só Einstein que perseguiu a teoria final. Heisenberg, Planck, Schrödinger e Pauli, todos os monstros sagrados da física do século XX, são produto de uma cultura unificadora”, diz Gleiser. É contra essa cultura que ele se rebela. Em seu novo livro, Criação Imperfeita – Cosmo, vida e o código oculto da natureza (Record, 368 páginas, R$ 49,90), Gleiser se atreve a questionar o maior dogma da ciência. Para ele, a busca de uma teoria final é insensata e sem futuro. O limite de nosso conhecimento, diz, está e continuará a estar um passo além de nossa compreensão. Esta, por sua vez, está diretamente ligada aos limites de precisão dos instrumentos que construímos, como o LHC, o acelerador de partículas europeu de US$ 10 bilhões.
O incômodo de Gleiser com a unificação não é de hoje. Os primeiros sinais são dos anos 1980. Depois da graduação na PUC do Rio de Janeiro e do doutorado em Londres, Gleiser ingressou no pós-doutorado no acelerador de partículas Fermilab, a 50 quilômetros de Chicago. Lá ele começou a duvidar da existência do Cálice Sagrado da física. “Eu vinha do grupo dos pesquisadores da física de partículas. No Fermilab, conheci pesquisadores de outras áreas, com outras formas de pensar a natureza.” À época, a corrente principal dos estudiosos mergulhava nas equações dificílimas de uma candidata promissora ao posto de teoria final, a teoria das cordas. Segundo ela, o Universo seria formado por filamentos minúsculos, infinitamente menores que o átomo, as tais cordas. Elas formariam a base da matéria e existiriam num mundo de dez dimensões – algo inconcebível de ser imaginado por nós, que vivemos num mundo tridimensional.
Nos anos 1980 e 1990, o estudo das cordas tomou conta dos departamentos de física nos Estados Unidos. O jovem pesquisador que não aderisse às cordas podia desistir da carreira acadêmica. “Era metafísica demais para mim. No Fermilab, deixei para trás o mundo esotérico das dez dimensões. Foi um ato de coragem.” Gleiser diz ter recebido um impulso decisivo de seu orientador: “Os maiores gênios estão estudando as cordas. Deixe-os em paz fazendo o que querem, e vamos estudar outras coisas. É provável que, daqui a 400 anos, eles ainda não tenham provado nada.” Havia algo de visionário no palpite. Já se passaram 30 anos desde que a teoria das cordas surgiu. Ainda não produziu uma única evidência palpável.
Publicado originalmente em ÉPOCA, em 12/03/2010.
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