Mozart, Leonardo, Buda, Van Gogh, Alexandre... O que realmente os matou?

Um dos passatempos mais fascinantes da medicina é decifrar a causa da morte de personagens famosos. Mozart, o mais recente “examinado”, teria morrido de uma infecção bacteriana

Peter Moon

Não, o culpado pela morte do austríaco Wolfgang Amadeus Mozart não foi o padre veneziano Antonio Salieri (1750-1825), como faz crer o filme Amadeus, vencedor do Oscar de 1984. Ao contrário, o compositor da corte do imperador José II, em Viena, admirava Mozart e lhe indicava alunos. Mozart não tinha emprego. Dava aulas e compunha sob encomenda para escapar à ruína. Em 22 de novembro de 1791, adoeceu enquanto compunha seu Réquiem, a última obra, que ficou inacabada. Mozart tinha erupções na pele e o corpo inchado. Manteve a lucidez nos 15 dias de agonia. Morreu em 5 de dezembro, aos 35 anos.

Na época, não houve diagnóstico – um erro que profissionais nos 200 anos seguintes tentaram corrigir, atribuindo-lhe como causa da morte a sífilis, a febre reumática, insuficiência renal e intoxicação alimentar. A mais nova hipótese é uma epidemia, afirmou em 2009 um grupo de médicos europeus no Annals of Internal Medicine. Estudando os registros paroquiais de Viena do fim de 1791, descobriu-se o aumento em cinco vezes das mortes de homens jovens por edema (inchaço causado por acúmulo de líquido nos tecidos), em relação ao mesmo período de 1790 e 1792. Como o edema de Mozart foi súbito, sugere uma infecção pela bactéria Streptococcus, diz Richard Zeger, oftalmologista da Universidade de Amsterdã e líder da pesquisa. “Passarão anos antes de alguém vir com um diagnóstico melhor.”

Descobrir a causa mortis de figuras históricas é um passatempo dos médicos. A cada avanço das técnicas de diagnóstico e a cada descoberta de vírus ou doenças cresce a tentação de resolver o mistério de mortes não esclarecidas. O personagem mais “examinado” foi o pintor holandês Vincent van Gogh. Desde 1920, mais de 150 médicos deram seus palpites. Algumas vezes, as conclusões modernas podem abalar convicções – como no caso da morte de Buda. A seguir, alguns dos diagnósticos recentes sobre pacientes que fizeram história.


Mozart (1756-1791)
O que se sabe
Aos 35 anos, no auge da criatividade, o compositor austríaco começou a passar mal. Morreu em 15 dias, com o corpo todo inchado. 

O novo diagnóstico 
Sífilis, febre reumática ou veneno? Muitas são as hipóteses para a causa da morte de Mozart. A mais recente é a bactéria Streptococcus.










Buda (566 a.C.-486 a.C.)
O diagnóstico tradicional
Após anos de meditação, o príncipe indiano Sidarta Gautama tornou-se Buda, o Iluminado. Passou o resto da vida difundindo os fundamentos do budismo. Ao fazer 80 anos, Buda teria manifestado o desejo de abandonar sua existência corpórea e transcender ao Nirvana, que é o final do ciclo de reencarnações – só atingido pelos iluminados. Sabe-se que, antes de morrer, Buda teve uma doença grave. Mas, segundo a tradição, recuperou-se. Sua morte foi retratada em pinturas, em que aparece deitado, tranquilo e em paz.

O novo diagnóstico
Ao contrário do que defende a corrente dominante do budismo desde o século III d.C., Buda não era vegetariano. Em Os últimos dias de Buda, do século I d.C., lê-se que ele adoeceu depois de comer carne de porco. Buda sofreu de disenteria e cólicas fortíssimas. Tinha sede e frio. Morreu no dia seguinte. Em 2005, no Journal of Medical Biography, o radiologista americano Thomas Chen diagnosticou a intoxicação alimentar de Buda como causada por carne estragada, contaminada com a bactéria Clostridium perfringens. Ela causa a doença de Pigbel. Provoca dor abdominal aguda, diarreia e vômitos. É letal em mais de 40% dos casos.


Alexandre, o Grande (356 a.C.-323 a.C.)
O diagnóstico antigo
Alexandre tinha 32 anos quando morreu na Babilônia. Agonizou por duas semanas, com febre, calafrios, prostração e fraqueza. No final, delirava. Todos são sintomas compatíveis com um caso grave de malária, o diagnóstico provável da morte do general macedônio.

O novo diagnóstico 
Um caso grave de malária como o de Alexandre só poderia ser causado pelo Plasmodium falciparum, protozoário que não existe no Iraque (a antiga Mesopotâmia). Ao ler o grego Plutarco, os médicos americanos John Marr e Charles Calisher notaram que, três meses antes de morrer, Alexandre deparou com muitos corvos mortos. Corvos são suscetíveis ao vírus da febre do oeste do Nilo. Como a morte de corvos pode anteceder uma epidemia em humanos, os médicos sugeriram, em 2003, na Emerging Infectious Diseases, que Alexandre foi a primeira vítima conhecida da febre do oeste do Nilo.


Leonardo da Vinci (1452-1519)
O que se sabe
No fim da vida, o grande pintor e inventor florentino teve um infarto que paralisou o lado direito do corpo.

O novo diagnóstico 
Leonardo era vegetariano. Essa dieta é benéfica no curto prazo. No longo prazo, nem tanto. Vegetarianos têm baixo nível de vitamina B12. Sua deficiência contribui para o risco de infarto. Foi o caso de Leonardo, disse o neurologista turco Serefnur Ozturk, no Journal of Medical Biography, em 2009.







Vincent van Gogh (1853-1890)
O diagnóstico antigo
O pintor holandês sofria de apatia e crises de delírios. Matou-se com um tiro aos 37 anos. Mais de 150 médicos tentaram diagnosticar sua doença. O consenso foi epilepsia, potencializada pelo consumo de absinto, bebida muito forte – e que era alucinógena.

O novo diagnóstico 
Em 2008, no Journal of Medical Biography, o geriatra americano Edward Weissman deu outra pista: o saturnismo, o envenenamento por chumbo. Num asilo, Van Gogh foi visto bebendo querosene de lamparina e tinta a óleo – com chumbo. O uso crônico (e o acúmulo de chumbo no corpo) pode ter sido a causa das crises que culminaram no suicídio do pintor.



A praga de Atenas (430 a.C.-427 a.C.)
O que se sabe
O século V a.C. foi a idade de ouro da Grécia Antiga. Em Atenas, surgiu um novo sistema político, a democracia. Nesse cenário floresceram a filosofia de Sócrates e Platão, as tragédias de Sófocles e Eurípides e a arquitetura de Fídias. Em meio a essa sensação de progresso, uma epidemia matou dezenas de milhares de atenienses, inclusive Péricles, o estadista que mais fez avançar a democracia.

O novo diagnóstico 
Em História da guerra do Peloponeso, o historiador Tucídides (acima, 460 a.C.-400 a.C.), que adoeceu mas sobreviveu, conta os sintomas da praga: febre alta, conjuntivite, dor de garganta, tosse, vômitos e diarreia. A morte vinha em sete dias e levava um terço dos doentes. A praga veio em três ondas, como a Gripe Espanhola de 1918. O veredicto de epidemiologistas foi dado em 1985, no The New England Journal of Medicine: a praga de Atenas muito provavelmente foi uma epidemia de gripe.


Publicado originalmente em 11/09/2009, em ÉPOCA.

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