Ecologia de resultados

Líder conservacionista diz que o cerrado e a mata atlântica são os ecossistemas mais ameaçados do planeta

Peter Moon (publicada em 1999)


Mittermeier, numa expedição em 1995.
(foto: Haroldo Castro)
O americano Russell Mittermeier tem uma relação especial com o Brasil. Nos últimos 30 anos, veio mais de 100 vezes para cá. Ao todo, passou no País cinco dos seus quase 50 anos (ele hoje tem 60). "É onde mais fiquei fora dos EUA", conta num português fluentíssimo. Doutor em Zoologia pela Universidade de Harvard, iniciou sua carreira pesquisando os macacos na Amazônia. Tornou-se um primatologista de renome internacional, descobrindo duas espécies – ambas brasileiras. A última, em 1997, foi um sagui anão, descrito em colaboração com o holandês Marc van Roosmalen, do Instituto Nacional de Pesquisa Amazônica, de Manaus.

Mittermeier sempre atuou no movimento ecológico, primeiro no Fundo Mundial para a Natureza (WWF) e, desde 1987, em sua própria organização, a Conservation International (CI). Ela hoje é a terceira maior ONG ambiental do mundo, com 600 empregados em 25 países e administrando recursos de US$ 35 milhões. Por tudo isso, Mittermeier foi destaque em 1999 na capa da revista Time como um dos heróis do planeta. Naquele ano, Mittermeier me concedeu por telefone esta entrevista exclusiva.

Peter Moon – Os ambientalistas defendem o desenvolvimento sustentado como forma de preservação. O que acha disso?
Russell Mittermeier – O desenvolvimento sustentado é um termo bem-intencionado, mas pobremente definido que pode ser usado por qualquer um para justificar qualquer coisa que se queira fazer. Um exemplo é o mito do gerenciamento sustentável das florestas tropicais. O que acontece é que uma madeireira entra numa área e retira tudo até acabar com a biodiversidade. Não há exemplos de que é possível tirar madeira sustentavelmente de uma mata tropical. Onde há madeira de lei, como mogno, se deveria entrar na área, cortá-la e sair, estragando o menos possível.

Moon – Essa estratégia não significa relegar o mogno à extinção?
Mittermeier – Não. Ele não vai ser extinto porque existem regiões protegidas como parques nacionais, onde nada pode ser retirado. Mesmo nas florestas exploráveis não se abate todo o mogno. Só as árvores grandes.

Moon – Muitos ambientalistas combatem o que chamam de rapinagem da Amazônia por estrangeiros que coletam substâncias para patentear nos EUA. O que acha disso?
Mittermeier – Os pesquisadores de países ricos quando entram em nações em desenvolvimento para procurar recursos têm que respeitar suas leis e trabalhar com as organizações locais. Como no Brasil existem diversas organizações de conservação, é fácil achar parceiros. Mas não está certo dizer que qualquer coisa que vem do Norte é rapinagem. Não quero dizer que não haja vigaristas querendo explorar as riquezas de um país sem dar nada em troca. Mas são exceções. Criar leis proibindo o trabalho de cientistas estrangeiros não resolve. Acaba afastando pessoas sinceras que querem trabalhar no Brasil.

Moon – A extinção das espécies é um fato natural inevitável. Esse argumento serve de desculpa para que não nos preocupemos com o destino das espécies hoje ameaçadas?
Mittermeier – Muitas pessoas nem um pouco interessadas em fazer algo a respeito da crise de extinções que enfrentamos nesse exato instante argumentam que a extinção é um processo natural. Sim, é um processo natural, mas o registro fóssil preservado nas rochas mostra que o ritmo natural de extinções é de uma ou duas espécies por século. O que enfrentamos hoje é a extinção em massa de milhares de espécies, num período de décadas. É uma história muito diferente.

Moon – Como o sr. escolhe um ecossistema a ser protegido?
Mittermeier – A biodiversidade não é distribuída igualmente em nosso planeta. Certas regiões têm muito maior concentração de espécies do que outras. São as que precisam ser mais preservadas. Para escolhê-las, baseio-me em duas questões: se o ecossistema pertence à categoria dos hot spots, os "pontos quentes", ou à das áreas tropicais selvagens. Pontos quentes são áreas biologicamente ricas, mas ao mesmo tempo muito ameaçadas, tendo perdido mais de 75% de sua cobertura original. Regiões tropicais selvagens são aquelas ainda mais de 75% intactas.

Moon – Nessas áreas, o sr. defende alguma forma de exploração?
Mittermeier – Quando se fala em continuar explorando os pontos quentes, sou totalmente contrário. Se resta tão pouco deles, então por que não protegê-los em favor do país que os abriga e do próprio mundo? É o que acontece na mata atlântica e no cerrado, os dois pontos quentes brasileiros entre os 25 que há no mundo e que já perderam 88% de sua cobertura original. Ao todo, eles representam apenas 1,4% da superfície terrestre. Mas abrigam 60% da biodiversidade.

Moon – Há um certo mal-estar entre muitos brasileiros em relação aos ambientalistas extremados, ditos xiitas. Esse mal-estar é exclusivo do Brasil?
Mittermeier – Não. O espectro do ambientalismo mundial é muito variado e vai desde os mais radicais – aqueles que vocês no Brasil chamam de xiitas – até os que trabalham em colaboração com o setor privado. Acho que cada um tem o seu papel. A característica da CI é não ser radical. Trabalhamos com as grandes corporações para tentar mudar seu comportamento em relação ao meio ambiente. Alguns exemplos são a Ford, a Intel e o McDonald’s. Se uma empresa quer nos dar dinheiro só para posar de boazinha, sem mudar sua postura, não aceitamos. Já recusamos doações. Não quero dizer com isso que acho a ação dos "xiitas" ruim. Eles contribuem de forma importante para levantar a bola do conservacionismo.

Moon – O que o sr. está vindo fazer no Brasil?
Mittermeier – Anunciar uma parceria com a SOS Mata Atlântica. Vamos juntar os esforços com a principal ONG ambiental brasileira para conseguir um efeito multiplicador. Só restam entre 7% e 8% da área original daquela floresta. É por isso que cada pedacinho é tão importante. Temos que fazer o máximo para não perder mais. Nosso objetivo é atingir a meta de desmatamento zero e perda de espécies zero. Estou otimista que conseguiremos, pois nos últimos 20 anos o problema da mata atlântica entrou em evidência em decorrência do trabalho de diversos grupos. É o oposto do que acontece com o outro ponto quente brasileiro. O cerrado tem poucas áreas protegidas. Ainda possui uma cobertura original maior que a mata atlântica, mas com o avanço da fronteira agrícola está sendo muito devastado. E os brasileiros desconhecem a extensão do estrago.

Publicada originalmente em ISTOÉ, em 09/06/1999.

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