Nick Bostrom - “Por que não mudar o DNA humano?”

O filósofo de Oxford defende a engenharia genética para ampliar os limites físicos e mentais do homem

Peter Moon

Nick (ou Niklas) Bostrom, hoje com 37 anos, é um dos mais jovens e brilhantes pensadores do futuro tecnológico da humanidade. Bostrom leciona na Universidade de Oxford, onde dirige o Instituto do Futuro da Humanidade. Em 2008, organizou, ao lado de Sir Martin Rees, o presidente da Real Sociedade britânica, o livro Global catastrophic risks (Riscos de catástrofes globais), em que se discutem as diversas ameaças à humanidade. Em seu novo livro, Human enhancement (Aperfeiçoamento humano, no prelo), Bostrom defende o uso da manipulação gênica por todos os que queiram expandir sua memória e inteligência. No dia em que essa tecnologia estiver disponível, por que não usá-la? Em favor dessa tese, Bostrom investe contra os defensores das terapias “naturais” para obter uma vida melhor e mais saudável. São os mesmos que atacam a engenharia genética como insensata e cheia de riscos.


Peter Moon – Superpopulação, poluição, destruição ambiental, proliferação nuclear... Corremos o risco de nos autodestruir? 
Nick Bostrom – Não creio que a humanidade enfrente riscos a sua existência. Mesmo uma guerra nuclear não levaria à extinção do ser humano. Meu receio são as novas tecnologias. Elas, sim, podem pôr em risco nossa existência.

Moon – Quais são elas? 
Bostrom – O primeiro exemplo é o desenvolvimento de máquinas inteligentes, a inteligência artificial. Outro risco é a criação de armas baseadas em biotecnologia e nanotecnologia. O avanço nas técnicas de vigilância também é arriscado, pois daria o poder de saber tudo sobre a população, e pode cair nas mãos de governos totalitários. Acrescento ainda o uso político ou criminoso da engenharia genética para mudar o ser humano.

Moon – O senhor fundou a Associação Trans-Humanista Mundial. O que é isso? 
Bostrom – A humanidade será radicalmente modificada pelas futuras tecnologias, numa escala jamais imaginada. Os trans-humanistas preveem a iminência da alteração da condição humana. Será possível dilatar a vida e expandir os limites do corpo e da mente. Por que não melhorar geneticamente nossa capacidade de concentração ou de memória, se tivermos os meios a nossa disposição? Por que não mudar o DNA humano?

Moon – Ter uma vida mais saudável não é o suficiente para viver mais e melhor? 
Bostrom – Muitas pessoas preferem os remédios naturais, os suplementos alimentares naturais e os métodos naturais para ampliar as capacidades do corpo, por meio de exercícios físicos, de dietas saudáveis e mais cuidados com a higiene. As intervenções “não naturais” são vistas com suspeita. Essa atitude é particularmente verdadeira em relação aos métodos artificiais de aperfeiçoamento humano, considerados imprudentes e com possíveis efeitos colaterais. Contra os que temem o aprimoramento gênico do ser humano, o trans-humanismo defende o direito ao uso responsável da engenharia genética por todos aqueles que queiram estender os próprios limites físicos e intelectuais.

Moon – Então, o senhor é a favor disso? 
Bostrom – Esse conhecimento está sendo criado para curar e prevenir doenças. A seleção genética já é usada quando os pais descobrem pelo ultrassom e testes genéticos um problema no feto, podendo corrigi-lo antes do parto. Os questionamentos éticos surgem quando se levanta a hipótese de usar a engenharia genética para aumentar a inteligência ou mudar os traços físicos do bebê.

Moon – Será possível ampliar a inteligência das pessoas? 
Bostrom – O ponto importante a levar em conta quando se fala em engenharia genética é que ela é uma tecnologia muito lenta. É muito mais difícil fazer experiências com humanos que com animais. Uma geração de moscas vive duas semanas. Para um humano atingir a idade reprodutiva, leva 15 anos. Seria preciso esperar duas gerações, ou 30 anos, para verificar se os genes inseridos no DNA de um óvulo fecundado foram transmitidos a seus descendentes. Antes disso, o embrião precisa se desenvolver, o bebê nascer, crescer e se tornar um adulto. São necessários milhares de anos para que uma alteração genética se dissemine por meio da população mundial.

Moon – Há algum exemplo em seu futuro livro, Human enhancement? 
Bostrom – Sim, a tolerância à lactose. Ao desmamar, cerca de 80% dos bebês perdem a capacidade de digerir a lactose, o açúcar do leite. Porém, uma grande fração dos europeus e seus descendentes mantém a tolerância ao longo da vida. A razão é uma mutação genética ocorrida em tribos da Europa Central. Elas começaram a sobreviver com uma dieta baseada no leite e seus derivados entre 10 mil e 5 mil anos atrás. Em termos evolucionários, a mutação é tão recente que ainda não teve tempo de se espalhar pelo resto do planeta.

Moon – Sobre a inteligência artificial, muitos trans-humanistas creem que as máquinas serão conscientes até 2030. 
Bostrom – Essa crença é baseada na Lei de Moore. Ela prevê que a capacidade dos processadores dobra a cada 18 meses. Desde 1965, quando a lei foi formulada por Gordon Moore, um dos fundadores da Intel, ela tem se mantido válida. Nestes 40 anos, a evolução dos chips se deu em escala geométrica. A prosseguir o mesmo ritmo, argumenta-se que, entre 2025 e 2030, a capacidade de processamento dos computadores eventualmente rivalizará com aquela do cérebro humano. Quem acha que a consciência é somente uma função da capacidade de processamento dos 100 bilhões de neurônios do cérebro humano acredita que, quando os computadores atingirem igual capacidade, a inteligência artificial emergirá. Se a lei de Moore continuar valendo, 18 meses depois as máquinas deixarão a inteligência do Homo sapiens para trás. Eu não acredito nessa hipótese. Não acho que as máquinas serão inteligentes daqui a 20 anos. O advento da inteligência artificial pode levar cinco décadas, pode levar um século, ou jamais ocorrer.

Moon – Caso as máquinas se tornem inteligentes, quais serão as consequências? 
Bostrom – A inteligência artificial será a última invenção que os humanos terão de desenvolver. Por definição, uma máquina superinteligente será capaz de produzir invenções científicas e tecnológicas inconcebíveis ao ser humano. A sociedade que daí surgir dependerá de quais forem os objetivos da superinteligência. Por analogia, a razão pela qual o homem dominou a Terra não é sermos mais fortes e ágeis que os outros animais, ou termos garras e dentes mais afiados. Foi nosso cérebro. Com ele, criamos a civilização. Pela mesma razão, uma superinteligência seria mais poderosa que nós.

Moon – A superinteligência controlará nossa vida, como no filme Matrix
Bostrom – Não creio que o futuro nos reserve um cenário como Matrix. Mas tudo dependerá dos objetivos segundo os quais a inteligência artificial for desenvolvida. Se os programadores da máquina forem suficientemente habilidosos e sábios, o resultado pode ser extremamente bom. De qualquer forma, existe um risco substancial e inerente à criação da superinteligência.

Moon – A nanotecnologia também envolve riscos. Ela pode derivar em armas de destruição maciça.
Bostrom – Sim. O grande argumento dos que defendem o fim das pesquisas com nanotecnologia é o temor da criação de robôs minúsculos como vírus. Eles se multiplicariam descontroladamente, extinguindo a humanidade. Se o risco existe, e isso é discutível, impedir a pesquisa não é solução. Caso o Brasil, os Estados Unidos ou o Ocidente decidam barrar o estudo da nanotecnologia, cedo ou tarde alguém o fará. Pode ser a China, o Irã ou outro país. Para tornar o mundo mais seguro, é melhor que os regimes com democracias estáveis cheguem lá primeiro. O cerceamento à pesquisa torna o mundo mais perigoso.

Publicada originalmente em ÉPOCA, em 23/01/2009.

Comentários