Um carro a mil milhas por hora

Os dois ingleses responsáveis pelo primeiro automóvel a quebrar a barreira do som sonham com uma supermáquina ainda mais veloz e um novo recorde

Peter Moon

O inglês Richard Noble tem uma obsessão: a velocidade. Em 1983, ele quebrou o recorde de velocidade de um veículo em terra: 1.019 quilômetros por hora, 17 a mais que a marca anterior, do americano Gary Gabelich, que durava desde 1970. O desafio seguinte de Noble foi construir o carro a jato Thrust SSC (sigla de “SuperSonic Car”, carro supersônico). Pilotando o carro construído por Noble, em 1997, outro inglês, Andy Green, tornou-se o primeiro homem a romper a barreira do som num carro. Atingiu 1.233 quilômetros por hora, 8 a mais que o necessário e o atual recorde mundial de velocidade. O próximo sonho de Noble, hoje com 64 anos, é construir um carro de US$ 15 milhões, o Bloodhound, e vê-lo ultrapassar em 2011 a marca das 1.000 milhas por hora (1.609 quilômetros por hora). No comando estará Andy Green, o ex-piloto de caça que quebrou a barreira do som com o Thrust (“empuxo”, na tradução do inglês), no deserto de Black Rock, um lago seco em Nevada, nos Estados Unidos.

O Bloodhound será impulsionado pelas turbinas do
novo caça europeu, o Eurofighter Typhoon
“São três os desafios a ser vencidos para acelerar um carro até 1.000 milhas por hora”, disse Noble. “Desenvolver a tecnologia, encontrar uma pista longa o bastante e conseguir o dinheiro.” O desafio tecnológico consiste em projetar um carro que seja ao mesmo tempo mais potente e mais leve que o Thrust. Ele era um bólido negro de 10,5 toneladas. Media 16,5 metros por causa das duas turbinas Rolls-Royce, retiradas de jatos Phantom F-4.

O Bloodhound será bem menor que o Thrust. Terá 12,8 metros e pesará 6,4 toneladas, graças a uma turbina compacta desenvolvida pela Rolls-Royce para o novo avião de caça europeu, o Eurofighter Typhoon. “Nunca houve nada parecido com o Bloodhound”, diz Noble. Ele conta com o patrocínio da Academia Real de Engenharia e dos pesquisadores das universidades do oeste da Inglaterra e de Southampton. “É sem dúvida o programa mais estimulante e desafiador no qual eu já me envolvi. O carro acelerará de zero até 1.050 quilômetros por hora em 40 segundos”, afirma Noble. “Nessa velocidade, Andy Green cobrirá uma distância de quatro campos de futebol por segundo.”

O segundo desafio de Noble é achar uma pista plana e seca de 20 quilômetros. Uma opção é usar o deserto Black Rock, mas Noble estuda outras, como os salares da Bolívia ou um lago seco da Austrália. O terceiro desafio é o mais complicado. “Em tempos de crise de crédito, não será fácil levantar os US$ 15 milhões para construir e testar o carro”, diz Noble, que já dispõe de US$ 1 milhão.

Noble (à esq.) e Green são aficionados de velocidade. Com o 
Thrust  (abaixo), em 1997 eles quebraram a barreira do som.
O interesse pelo recorde absoluto de velocidade surgiu quase ao mesmo tempo que o automóvel. Em 1898, o francês Gaston de Chasseloup-Laubat atingiu 63 quilômetros por hora. O domínio dos motores de combustão interna durou até 1963, quando o americano Craig Breedlove criou um carro a jato que disparou a 655 quilômetros por hora. Até 1965, Breedlove superou o recorde por cinco vezes, levando-o a 966 quilômetros por hora. Em 1970, Gary Gabelich superou a barreira simbólica dos 1.000 quilômetros por hora. O recorde foi pulverizado por Noble em 1983, no deserto Black Rock. “Quando bati aquele recorde, fui atrás do dinheiro, toquei o projeto e dirigi o carro. Mas para quebrar a barreira do som as responsabilidades eram grandes demais.”

Foi quando Noble escolheu para pilotar o Thrust SSC outro obcecado por velocidade, Andy Green. “Andy era mais qualificado que eu. Voou mil horas em supersônicos.” Green, hoje com 48 anos, foi piloto de caça da Real Força Aérea (RAF). “O Bloodhound será muito mais rápido que o Thrust”, diz Green. “O recorde mundial de velocidade é a forma mais extrema do automobilismo. Como ex-piloto da RAF, não consigo imaginar nada melhor para fazer.” Se Noble e Green realizarem o sonho de correr a 1.000 milhas, eles já têm na cabeça o próximo desafio: “Fazer um carro para correr a uma vez e meia a velocidade do som”, diz Noble.

Publicado originalmente em ÉPOCA, em 31/10/2008.

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