Baleias têm menopausa?

As orcas, as baleias assassinas, têm menopausa, como as mulheres. Em ambos os casos, ninguém sabe o porquê

Peter Moon

A menopausa é um dos maiores mistérios da natureza. Em pleno século XXI, após irmos à Lua, começarmos a decifrar o DNA e nos surpreendermos ao descobrir que – contra todas as evidências – vivemos num universo em expansão acelerada, as mentes mais brilhantes da humanidade jamais conseguiram explicar por que as mulheres entram em menopausa. Cessar a capacidade de reprodução muitos anos antes da morte é uma aberração entre as 4.600 espécies de mamíferos que (ainda) habitam o planeta. Nesta aberração chamada menopausa, as fêmeas humanas têm por companhia apenas e tão somente outras duas espécies, as baleias-piloto e as orcas, ou baleias assassinas. 

Por anos pensou-se que as fêmeas dos nossos primos mais próximos, os chimpanzés, também passariam pela menopausa. Esta ideia era baseada na observação de chimpanzés em cativeiro. Em 2007, um estudo (PDF) da Universidade Harvard feito a partir da observação de chimpanzés selvagens descartou a ideia. Logo, não fossem (até prova em contrário) as baleias-piloto e as orcas, a menopausa seria um atributo exclusivo humano, assim como a consciência e o dom da fala. E ninguém sabe o porquê. Não faltam teorias para tentar explicar a menopausa. A teoria que prevalece, e que pode estar para cair em desuso, é a chamada “hipótese de avó”.

A culpa é da vovó?

Em 1994, passei um mês entre os índios karitiana, no meio de floresta amazônica, em Rondônia. Fiquei amigo do pajé Sisino. Aos 42 anos, ele era o ancião da tribo. Sisino me contou que os casamentos dos karitiana eram arranjados pelos pais de crianças ainda pequenas. O menino tinha que ter cinco anos a mais que a menina. O casamento acontecia quando menino completava 15 anos, e a menina 10 – “antes de ter buraco”, explicou Sisino, ou seja, antes da menarca, a primeira menstruação. A lógica por trás desta tradição é a necessidade, nas sociedades de caçadores-coletores, da menina engravidar logo na primeira menstruação. Nestas tribos, entre os 12 e os 25 anos a mulher engravida uma dezena de vezes. Caso sobreviva a todos os partos, ela pode dar à luz a dez crianças. Metade não sobrevive à primeira infância. Das cinco restantes, com sorte três atingem a vida adulta para, por sua vez, gerar netos. A vida do Homo sapiens pode ser curta e cruel - como a de qualquer espécie selvagem. 

A tradição ancestral dos casamentos combinados não é uma exclusividade da tribo karitiana. Pelo contrário, ela é a regra entre as tribos amazônicas. E mais, é a regra em praticamente todas as tribos da Nova Guiné. No século XXI, a Amazônia ocidental e a grande ilha da Nova Guiné, na Oceania, são os únicos locais no planeta onde ainda há tribos isoladas ou que tiveram seu primeiro contato com o restante da humanidade há, no máximo, uma geração. 

Decorre daí que, assim pensam os antropólogos, nos 200 mil anos desde a evolução da nossa espécie, casamentos combinados de adolescentes virgens têm sido a regra entre os Homo sapiens. Se as coisas começaram a mudar nos últimos dois séculos - mas não de todo, pois casamentos combinados são comuns na Índia e no Islã - resta saber qual teria sido a vantagem desta prática social tão disseminada para a sobrevivência da tribo? 

É aí que entra a hipótese da avó. Ela parte do seguinte argumento. Com a exceção dos últimos séculos, desde que a nossa espécie evoluiu na África, a vida tem sido curta e brutal, uma luta diária pela sobrevivência. Nas pouquíssimas sociedades caçadoras-coletoras atuais, que permanecem isoladas e sem acesso à medicina moderna, a expectativa média de vida não ultrapassa 35 anos. Esta foi nossa realidade por 200 milênios. Na média, os homens mais velhos da tribo morriam em torno dos 30 anos. Suas viúvas viviam um pouco mais. É este “um pouco mais” que faria toda a diferença. 

Os humanos pagam um alto preço por sua inteligência. Na imensa maioria dos mamíferos, horas após nascer o filhote já anda e pode acompanhar o bando ou manada, como acontece com os potrinhos, bezerros e antílopes. Os filhotes de carnívoros, como a família dos felinos e dos lobos, precisam de mais tempo para ficar em pé. Entre os primatas, a dependência é ainda maior. Mas em nenhuma espécie ela é tão longa quanto nos humanos. Nossos bebês são as criaturas mais indefesas e dependentes entre todos os mamíferos. 
Nascemos após 9 meses de gestação e só andamos após 11 meses de vida. Se fôssemos antílopes, que precisam ficar em pé horas após nascer para acompanhar o rebanho, a gestação humana levaria 20 meses, ou um ano e oito meses. Se assim o fosse, nossa espécie teria se extinguido há muito. 

O preço que pagamos por nossa inteligência, traduzida pelo maior cérebro do reino animal, é nascermos antes do tempo. Como se sabe, o grande risco na hora do parto é o bebê ficar entalado e não conseguir ser expelido pela mãe. A culpa é da cabeça dos bebês, que já aos nove meses de gestação é grande demais (daí o uso do fórceps, o instrumento para puxar os bebês pela cabeça). Se tivéssemos que esperar 20 meses para nascer, a cabeça do bebê seria grande demais. Não passaria pela vagina. Mãe e bebê morreriam no parto – risco que, mesmo numa gestação de nove meses, ainda corremos, mesmo com a assistência de parteiras, ginecologistas e dos recursos da medicina moderna. 

E a menopausa da baleias? Chegaremos lá.

A culpa é dos bebês? 

O preço que pagamos por nossa inteligência é nascermos antes do tempo. Os bebês são totalmente dependentes até os 11 meses, quando andam, e parcialmente dependentes até os 4 ou 5 anos, quando se tornam capazes de acompanhar a tribo e se alimentar por conta própria. Não por acaso, entre os caçadores-coletores é comum a mãe amamentar a criança até os 4 anos – período no qual ela não ovula, logo não pode engravidar. Quando a criança desmama, os hormônios “religam” a menstruação, a mulher volta a ovular e pode engravidar novamente. 

É durante os primeiros anos de vida e de total dependência que o bebê necessita do cuidado constante dos pais – e da avó. Mas por que a avó? Lembre-se que em tribos isoladas, a vida é curta e cruel. A menina que casa, menstrua e engravida precisa de toda a ajuda possível para cuidar do seu bebê. Mas seu homem pode estar caçando, guerreando ou já ter morrido. É aí que entra a sua mãe, a avó. A hipótese da avó parte do pressuposto que, na falta do pai, é a avó que auxilia a filha a cuidar dos netos. Quem tem ou teve filhos pequenos sabe o trabalho que dá. Também sabe que a primeira pessoa a quem os pais pedem ajuda é a avó materna, a sogra. 

Se isto é verdade nos dias hoje, talvez sempre tenha sido assim. Mas a avó só poderia ajudar sua filha se não tivesse mais filhos para cuidar, em outras palavras, se já estivesse na menopausa. Daí a pergunta, a menopausa seria uma adaptação evolutiva para garantir a sobrevivência dos netos? Eis aí a hipótese da avó (saiba mais sobre a evolução da sexualidade humana em Quando a mulher pula o muro?).

Em décadas de estudo, esta ainda é a teoria dominante para explicar porquê mulheres sobrevivem vários anos à menopausa. Mas a teoria só faz sentido se a menopausa entre as mulheres caçadoras-coletoras ocorresse muito antes da menopausa da mulher moderna, que geralmente se dá em torno dos 50 anos. Se a expectativa de vida no passado era muito menor, a menopausa teria que advir em torno dos 30 anos. Se não fosse assim, todo o castelo teórico da teoria cairia por terra. 

A beleza da hipótese da avó é a evidência de que pode ter acontecido exatamente assim. Um estudo de 1979 entre os bosquímanos (os bushmen ou Kung!) do deserto do Kalahari, em Botswana, mostra que a menopausa começa, em média, aos 40 anos – muito antes do “normal” para o resto da humanidade. Os bosquímanos insistem (ainda bem!) em preservar seu modo de vida nômade. Graças à comparação do DNA de dezenas de etnias humanas do Projeto Diversidade do Genoma Humano, sabe-se hoje que os bosquímanos são o grupo humano que menos se diferenciou nos últimos 200 mil anos dos ancestrais comuns de toda a humanidade. Não quer dizer que os bosquímanos são iguais ou os mais parecidos aos primeiros humanos, e sim os menos diferenciados. 

Aliando-se o dado antropológico (o modo de vida dos bosquímanos) ao biológico (menopausa aos 40 anos) e ao molecular (o grupo humano com menos mutações desde a evolução do Homo sapiens), poder-se-ia inferir que, por 200 mil anos, a menopausa humana teria acontecido ainda mais cedo. A expansão do volume do cérebro (e, portanto, do crânio) teve início com o Homo erectus, há 2 milhões de anos. Como os bebês de cabeça grande tinham que nascer aos nove meses de gestação, eles permaneciam totalmente dependentes dos cuidados dos pais por muito mais tempo.

Paralelamente, reza a hipótese da avó, ter-se-ia iniciado um processo de seleção natural entre as mulheres Homo erectus, favorecendo aquelas que perdessem a fecundidade cada vez mais cedo. Assim, já avós e sem ter seus próprios bebês para cuidar, poderiam ajudar as filhas no cuidado dos netos, aumentado suas chances de sobrevivência. Ao longo de milhares de gerações, os netos das avós com menopausa precoce teriam sobrevivido em maior número aos netos das avós com menopausa tardia, e repassaram o traço da menopausa precoce aos seus descendentes, os 7 bilhões de seres humanos. Isto comprova a hipótese da avó, certo? Quase. 

E a menopausa da baleias?

Pois é, o problema são as baleias. O estudo A evolução da menopausa nos cetáceos e humanos, publicado em junho, começa a solapar as bases da hipótese da avó. A lógica das avós com menopausa precoce não se aplica às baleias-piloto nem às orcas, as únicas espécies além da nossa cujas fêmeas também entram em menopausa e sobrevivem, mesmo inférteis, até os 90 anos (uma ressalva: os autores não aceitam que, nos primatas, a menopausa seja exclusiva humana. Para eles, as chimpanzés também têm menopausa). 

O estudo pretende mostrar que as orcas fêmeas privilegiam o cuidado dos filhotes machos até a idade adulta, desmamando e abandonando as filhotes fêmeas aos cuidados do grupo muito antes. Nas baleias-piloto, as filhotes fêmeas são cuidadas até os 4 a 6 anos, enquanto o “meu menino” é cuidado pela prestimosa mamãe até a adolescência, que no caso de uma baleia-piloto começa aos 15 anos. Ainda assim, baleias-piloto e orcas têm menopausa – mas as avós baleias não têm nada a ver com isso. Se as avós não exerceram papel algum na evolução da menopausa entre as baleias (nem entre os chimpanzés, como defendem os autores do estudo), então por que teriam algum papel na evolução da menopausa entre humanos? 

As razões para a evolução de determinados traços em espécies diferentes não precisam ser as mesmas. A visão, por exemplo, evoluiu de forma independente diversas vezes. Os olhos dos mamíferos, répteis, aves, anfíbios e peixes evoluíram a partir de um ancestral comum que viveu há mais de 450 milhões de anos. Já a visão dos insetos surgiu num outro antepassado, e não guarda relação alguma com a nossa. Então, por que relacionar os motivos para a existência da menopausa entre mulheres e baleias? Uma coisa pode não ter relação nenhuma com a outra. O que não refresca em nada a dúvida original deste ensaio: por que mulheres têm menopausa? A solução pode estar nas avós. Ou pode não ser? Não é inacreditável que ainda não se saiba a resposta deste enigma chamado menopausa?

Publicado originalmente em ÉPOCA Online, em 21/08/2010.

Comentários