Darwin não encontrou explicação para o tamanho do bico da ave. Usando técnicas atuais, dois brasileiros desvendaram o mistério
Peter Moon
Se alguém visse um tucano pela primeira vez, tomaria sua cabeça e seu bico por uma dessas máscaras de nariz comprido com a qual assustamos as crianças”, escreveu, em 1780, o naturalista francês Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon. “Não posso deixar de me surpreender que a natureza tenha dotado com um bico tão prodigioso uma ave tão medíocre.” Em sua História natural das aves, Buffon afirmou que “o bico enorme, que por vezes excede o comprimento do corpo inteiro da ave”, não servia para nada. Não ajudava o tucano a se alimentar, quebrar nozes ou pegar objetos.
Peter Moon
Se alguém visse um tucano pela primeira vez, tomaria sua cabeça e seu bico por uma dessas máscaras de nariz comprido com a qual assustamos as crianças”, escreveu, em 1780, o naturalista francês Georges-Louis Leclerc, o conde de Buffon. “Não posso deixar de me surpreender que a natureza tenha dotado com um bico tão prodigioso uma ave tão medíocre.” Em sua História natural das aves, Buffon afirmou que “o bico enorme, que por vezes excede o comprimento do corpo inteiro da ave”, não servia para nada. Não ajudava o tucano a se alimentar, quebrar nozes ou pegar objetos.
O bico (em amarelo, na foto à direita) é a parte mais quente do tucano. Serve para a ave regular sua temperatura |
“Tudo começou no fim dos anos 1980, quando vi uma imagem de um tucano dormindo com a cabeça virada e o bico escondido entre as asas”, diz Abe, de 63 anos. “Aí pensei: ‘Então é assim que o bicho dorme? Será que ele agasalha o bico para não perder calor?’” A hipótese era plausível. Faltava testá-la. Abe e Andrade queriam estudar a dissipação de calor do bico do tucano. Precisavam de uma câmera fotográfica infravermelha. Não havia nenhuma na universidade. Ela teria de ser importada e era muito cara. A ideia foi para a gaveta. E lá ficou por 15 anos.
Em 2005, o biólogo canadense Glenn Tattersall visitou a Unesp. Na bagagem, trazia uma câmera infravermelha. Os brasileiros o convenceram a estudar dois tucanos comuns, ou tucano-toco, a maior espécie e a dona do maior bico. As aves foram fotografadas de dia e de noite, ao ar livre e em câmaras com temperatura controlada. As imagens revelaram que, quando a temperatura externa aumenta, o bico fica mais quente (mais claro, nas imagens em infravermelho). Fim do mistério: 229 anos após Buffon, a pesquisa dos brasileiros foi publicada em julho de 2009 na revista americana Science.
O bico do tucano tem a mesma função das orelhas do elefante. Ele irradia calor ao meio ambiente. O bico é cheio de vasos sanguíneos e muito irrigado. “De dia, quando está muito quente, a ave se refresca perdendo calor pelo bico. De noite, quando esfria, ela esconde o bico sob a asa para não resfriar”, diz Andrade, de 38 anos. Mas o mistério não está totalmente resolvido. “Hoje, o bico tem essa função”, diz Andrade. “Não quer dizer que sempre foi assim. Não sabemos por que o bico aumentou ao longo da evolução dos tucanos. Essa é uma pergunta à qual ainda falta resposta.”
Publicado originalmente em Época, em 23/07/2009.
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