Mark Helprin: "O Google me roubou!"

O autor americano diz que a superpotência da era da informação digitalizou seus livros sem pedir licença

Peter Moon

O escritor Mark Helprin não tem trabalho fixo. Ele é um dos poucos romancistas americanos que vivem exclusivamente do dinheiro que recebem com a venda de seus livros. Helprin se diz inconformado ao ver suas obras escaneadas pelo Google e colocadas na internet. Em abril de 2009, lançou nos Estados Unidos um libelo em defesa do direito autoral: Digital barbarism (Barbarismo digital, inédito no Brasil). Em maio, publicou no diário The Wall Street Journal um artigo atacando a flexibilização dos direitos autorais e o Creative Commons, movimento liderado pelo advogado Lawrence Lessig, da Universidade Stanford, que defende os benefícios econômicos da livre circulação de informações. Para Helprin, deixar que os outros copiem qualquer conteúdo equivale a roubo.

Peter Moon – O Creative Commons diz defender o direito autoral. O senhor diz o contrário.
Mark Helprin – Como qualquer movimento político, o Creative Commons tem diversas faces. Na face mais visível, que fazem questão de mostrar, seus líderes afirmam que não são contrários ao direito autoral. Dizem que só estão procurando impedir os abusos cometidos pelos detentores dos direitos de reprodução de um bem artístico ou de uma obra intelectual. Para impedir tais abusos, os ativistas do Creative Commons querem modificar a legislação do direito autoral, de modo a ajustá-la aos avanços da tecnologia. Isso é verdade apenas em parte. Outra face do Creative Commons é aquela que defende o que seus ativistas chamam de “Cultura Livre” da era digital, em que todos ficariam livres para copiar textos, imagens, vídeo e áudio à disposição na rede, recriando-os da forma que desejarem. Mas aí eles esbarram no direito autoral, que consideram uma tremenda amarra que aprisiona a liberdade de expressão. Eles afirmam que o direito autoral é um monopólio que freia a criatividade. Se realmente acreditam nisso, então são contrários ao direito autoral.

Moon – Sua briga não é de hoje...
Helprin – Há dois anos, quando publiquei um primeiro artigo em defesa do direito autoral no The New York Times, nunca havia ouvido falar no Creative Commons. Por isso, fiquei surpreso com a reação deles a meu artigo, assim como com a virulência dos ataques que recebi do criador do Creative Commons, Lawrence Lessig. Ele considera o direito autoral um imposto como outro qualquer – o que não é. O direito autoral é o pagamento justo e devido ao criador de qualquer obra intelectual. Lessig e o Creative Commons já declararam diversas vezes que defendem a extinção do direito autoral. Ao fazê-lo, deixam de ser uma organização desinteressada que, como sustentam, existe para defender o interesse comum. Eles são um grupo de interesse a serviço das superpotências da era da informação – as Standard Oils e as IBMs de nosso tempo –, a quem não interessa pedir permissão pelo uso de uma obra nem se preocupar em pagar pelo que eles chamam de “conteúdo”. Elas terão lucro com o fim do direito autoral.

Moon – Quem são elas?
Helprin – Lessig e o Creative Commons são amplamente financiados por grupos cujo interesse seria ver o direito autoral enfraquecido, reduzido ou até mesmo abolido. O exemplo mais evidente é o Google. O Creative Commons recebe uma montanha de dinheiro do Google e das outras superpotências emergentes da internet. Todas, obviamente, se beneficiariam se não precisassem se preocupar com o direito autoral. Olhe o exemplo do projeto Google Books. Por meio dele, o Google pretende escanear e colocar à disposição na internet todos os livros já publicados (até o momento, foram escaneados mais de 7 milhões de títulos), sem se preocupar em pagar nada a seus autores. O direito autoral está progressivamente sendo sitiado. O que está em jogo é a legitimidade da propriedade intelectual.

Moon – Por que o senhor resolveu sair em defesa do direito autoral?
Helprin – Todos os meus livros foram digitalizados e estão na rede. Ninguém me procurou pedindo para fazê-lo. O Google me roubou! Sou um dos cerca de cem autores americanos que vivem exclusivamente do dinheiro que ganham com o direito autoral. Não sou um jornalista que tem um emprego fixo e também escreve livros nem um professor universitário com estabilidade. Se parar de receber pelo que escrevo, como vou pagar as contas?

Moon – Não vai.
Helprin – Meu ponto é o seguinte: ao enfraquecer ou abolir o direito autoral, está se matando a galinha antes que ela bote os ovos de ouro. Não haverá mais incentivo para alguém criar o que Lessig chama de “conteúdo”. E, sem “conteúdo”, os iPods, os iPhones, o Google e todas as coisas que eles aplaudem como maravilhas tecnológicas não passariam de lixo inútil. Quem trabalha criando conteúdo precisa de incentivo. Nós precisamos ganhar a vida. Quero ter controle sobre o que produzo.

Moon – Como o senhor vê as novas tecnologias, como os blogs e o site de microblogs Twitter?
Helprin – Nos Estados Unidos, há uma ênfase em incentivar a criação coletiva. É o que ocorre quando os sites de jornais e revistas – que, não por acaso, estão demitindo jornalistas e enxugando redações – pedem aos leitores para acrescentar às reportagens seus próprios comentários por meio do Twitter ou vídeos pelo YouTube. O problema começa quando esses jornais e revistas alteram o conteúdo enviado pelo público sem informá-lo e acabam se apropriando dele. Os jovens não deveriam querer mais contribuir para esse esquema. Mas eles não veem problema na “criação coletiva” nem em fornecer grátis informações que são apropriadas pelos sites. A criação coletiva está na moda. É um precedente perigoso.

Moon – Por quê?
Helprin – A tese da criação coletiva é um desafio ao maior feito da civilização ocidental: o direito à liberdade de expressão. No Antigo Regime, o rei detinha todos os direitos sobre seus súditos. O grande feito do Ocidente foi, essencialmente, ter tornado cada pessoa um rei, ao garantir-lhe direitos e privilégios antes exclusivos dos reis. Quando começamos a achar natural que nossa criação possa estar sujeita a autoridade dos outros, isso significa um grave retrocesso. O meio mais eficiente de preservar essa liberdade é preservar a voz individual. Quando os indivíduos não têm voz, vive-se em uma ditadura.

Originalmente publicado em Época, em 10/07/2009.

Comentários