O economista americano Ian Ayres prevê que, com os futuros programas de tradução, será melhor aprender computação
Peter Moon
Por meio da internet, temos acesso a um universo de informações tão importante como a Biblioteca de Alexandria o foi para o mundo antigo. Se isso é verdade para os humanos, também vale para as máquinas. Ian Ayres, professor da Universidade Yale, em Connecticut, afirma no livro Super Crunchers – Por que pensar com números é a nova maneira de ser inteligente (Ediouro, R$ 34,90, 2007); que poderosos programas de análise de dados começam a abrir vantagem sobre as pessoas na tomada de decisões. Na campanha presidencial americana, programas previram quais moradores de uma rua poderiam votar em Barack Obama ou John McCain. Para Ayres, hoje com 51 anos, a mesma tecnologia tornará desnecessário aprender línguas estrangeiras. “As crianças fariam melhor aprendendo linguagem de computação” e estatística, para analisar dados e tomar melhores decisões.
Peter Moon – Originalmente, seu livro se chamava “O Fim da Intuição”. Por quê?
Ian Ayres – Há uma nova tendência, criada pelo avanço dos computadores. Na hora da tomada de decisões, as pessoas confiarão cada vez menos na própria intuição e cada vez mais nos dados fornecidos por programas de computador. Esses programas são os “supermastigadores” (super crunchers) de dados, do título do livro.
Moon – Quais “supermastigadores” já escrutinam nossa vida?
Ayres – Quando alguém liga para a administradora de cartão de crédito, um computador analisa em tempo real o perfil do cliente e sugere quais produtos são mais indicados para lhe oferecer. As campanhas políticas estão, cada vez mais, enviando e-mails para eleitores individualmente. Suponha que nós votamos no mesmo partido. O programa revela que eu me interesso por meio ambiente e você por economia. O sistema me envia um e-mail com a política de determinado candidato sobre o meio ambiente, mas o seu fala de economia.
Moon – Isso aconteceu na última campanha presidencial americana?
Ayres – Sim. Mas a coisa vai muito além. Há dez anos, os programas faziam previsões no âmbito de cidades e bairros. Em 2008, o comitê do candidato republicano John McCain, por exemplo, conseguia saber que os eleitores da primeira, da terceira e da quinta casas de uma determinada rua poderiam votar nele, enquanto os moradores de todas as outras casas tenderiam a votar em Barack Obama. Nos Estados Unidos, esses programas dão aos partidos mais ricos uma vantagem desleal com relação aos partidos com menos dinheiro.
Moon – Aproxima-se o dia em que os “supermastigadores” aposentarão todos os analistas de mercado e executivos?
Ayres – Não acho que vamos por aí. Está perto o dia em que as pessoas terão de colocar em dúvida a própria intuição. Os melhores tomadores de decisões serão aqueles abertos ao uso do processamento de dados para checar ou descartar sua intuição.
Moon – A tomada automática de decisões ameaça alguma profissão?
Ayres – Não creio. Os “supermastigadores” podem ajudar na tomada de muitas decisões, mas não de todas. A maioria das profissões será afetada. Um exemplo é o jornalismo. Conversei com inúmeros jornalistas após o lançamento do livro. Alguns me perguntaram: o processamento de dados pode me ajudar na condução de uma entrevista? Comecei a pensar no assunto. Meu filho e eu passamos algumas noites colhendo dados das entrevistas do Colbert Report (http://www.colbertnation.com/home). É um programa de TV humorístico que faz sucesso aqui nos Estados Unidos. Coletamos informações sobre os tipos de perguntas que o entrevistador faz e as relacionamos com os diferentes tipos de entrevistados. Percebemos a existência de padrões de perguntas, que variavam, por exemplo, de acordo com o sexo do entrevistado. As perguntas também variavam se o entrevistado era um especialista ou não, e se tinha filiação partidária ou não. Se alguém resolver analisar as perguntas que você está me fazendo, é possível que encontre padrões. Conhecê-los pode ajudá-lo a formular perguntas melhores.
Moon – O Google e a Amazon usam extensa manipulação de dados. É coincidência que eles sejam apontados como candidatos a dominar a economia da internet?
Ayres – Não, de modo algum. A chave para o sucesso de ambas as empresas é o modo como administram a informação para conseguir melhores previsões sobre o que dará certo nos negócios. O Google e a Amazon não só armazenam dados da população, como realizam uma quantidade enorme de análises usando “supermastigadores”.
Moon – Chris Anderson, o autor de A Cauda Longa, diz que os computadores já processam tantos dados que podem fornecer qualquer resposta que desejarmos.
Ayres – Não diria que podemos obter qualquer resposta, mas que a informação se tornou tão disponível quanto uma barra de chocolate numa loja de doces, isso é um fato. Acessamos o Google 50 vezes por dia. Temos na ponta dos dedos um mundo de informações tão importante como a famosa Biblioteca de Alexandria foi para a Antiguidade. Dizer que temos tanta informação disponível, no entanto, não quer dizer que temos toda a informação a nossa disposição. A privacidade individual ainda existe. Não acho que alguém saiba o que cochichei no ouvido de minha filha ontem à noite. As empresas ainda mantêm muitas informações sob sigilo.
Moon – A nova geração que cresceu com a internet não sabe procurar informação. Só sabe usar o Google.
Ayres – É verdade, mas não me preocupa nem um pouco. Também não me preocupa o fato de que as bibliotecas “físicas” declinam em importância – uma tendência que só vai acelerar. O Google anunciou que pretende escanear todos os livros já escritos. Será possível buscar o texto de todos. Em vez de aprender a vasculhar bibliotecas, os alunos fariam melhor aprendendo estatística, para saber como extrair informações da biblioteca virtual na internet. Da mesma forma, meu conselho para as crianças é aprender uma linguagem de computação, em vez de um idioma estrangeiro. Quando se tornarem adultos, haverá programas de tradução em tempo real para qualquer idioma.
Moon – Quem gosta de aprender línguas, como fica?
Ayres – Quem tem prazer em aprender idiomas estrangeiros continuará a fazê-lo. Mas não há dúvida de que os benefícios de aprendê-los está diminuindo, não aumentando. No futuro, digamos, dentro de 20 anos, ninguém precisará aprender chinês se não quiser.
Moon – Quando o computador Deep Blue, da IBM, derrotou o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, em 1997, ele disse que sentiu um novo tipo de inteligência do outro lado do tabuleiro.
Ayres – Não sei se Kasparov enfrentou um novo tipo de inteligência, mas ele perdeu para Deep Blue porque o computador fez as melhores previsões de jogadas. Deep Blue tinha uma enorme base de dados com todos os movimentos de dezenas de milhares de jogos de todos os grandes campeões da História, que acessava para prever o melhor movimento a ser feito. O mesmo procedimento pode ser feito para prever qual será a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre determinado assunto. Os produtores de Hollywood fazem isso para prever quantos ingressos um filme venderá. Muitos médicos usam a técnica para fazer melhores diagnósticos. Pode chamá-la de inteligência artificial ou de qualquer outra coisa, mas é uma ferramenta incrivelmente poderosa para saber o que vai e o que não vai funcionar.
Moon – Para Larry Page, o co-fundador do Google, “o buscador definitivo será tão ou mais inteligente que o ser humano. Trabalhar em buscas é nosso modo de trabalhar com inteligência artificial”. O Google tornará as pessoas ignorantes?
Ayres – Em primeiro lugar, a tecnologia está me tornando ignorante numa dimensão da vida na qual eu fico feliz de me tornar ignorante. Meu celular me tornou incapaz de memorizar números de telefone. Todos estão na agenda. Isso é bom, porque libertou meu cérebro para que eu me concentre em coisas mais importantes. Sobre o Google, não o vejo desenvolvendo a inteligência artificial. O Google, por exemplo, fornece respostas diferentes para duas pessoas que buscam a palavra blackberry, pois sabe que quando eu digito BlackBerry estou buscando o aparelho celular, e quando você digita blackberry (amora-preta, em inglês) está buscando uma fruta. Esse é o tipo de inteligência artificial de que o Google é capaz. O Google não superará a capacidade de julgamento humana. O ser humano, que faz uso de sua intuição, de seus palpites e até mesmo de velhas teorias de dedução, não corre o risco de ser jogado na lata de lixo da História pelo Google.
Publicada originalmente em ÉPOCA, em 04/07/2008.
Peter Moon
Por meio da internet, temos acesso a um universo de informações tão importante como a Biblioteca de Alexandria o foi para o mundo antigo. Se isso é verdade para os humanos, também vale para as máquinas. Ian Ayres, professor da Universidade Yale, em Connecticut, afirma no livro Super Crunchers – Por que pensar com números é a nova maneira de ser inteligente (Ediouro, R$ 34,90, 2007); que poderosos programas de análise de dados começam a abrir vantagem sobre as pessoas na tomada de decisões. Na campanha presidencial americana, programas previram quais moradores de uma rua poderiam votar em Barack Obama ou John McCain. Para Ayres, hoje com 51 anos, a mesma tecnologia tornará desnecessário aprender línguas estrangeiras. “As crianças fariam melhor aprendendo linguagem de computação” e estatística, para analisar dados e tomar melhores decisões.
Peter Moon – Originalmente, seu livro se chamava “O Fim da Intuição”. Por quê?
Ian Ayres – Há uma nova tendência, criada pelo avanço dos computadores. Na hora da tomada de decisões, as pessoas confiarão cada vez menos na própria intuição e cada vez mais nos dados fornecidos por programas de computador. Esses programas são os “supermastigadores” (super crunchers) de dados, do título do livro.
Moon – Quais “supermastigadores” já escrutinam nossa vida?
Ayres – Quando alguém liga para a administradora de cartão de crédito, um computador analisa em tempo real o perfil do cliente e sugere quais produtos são mais indicados para lhe oferecer. As campanhas políticas estão, cada vez mais, enviando e-mails para eleitores individualmente. Suponha que nós votamos no mesmo partido. O programa revela que eu me interesso por meio ambiente e você por economia. O sistema me envia um e-mail com a política de determinado candidato sobre o meio ambiente, mas o seu fala de economia.
Moon – Isso aconteceu na última campanha presidencial americana?
Ayres – Sim. Mas a coisa vai muito além. Há dez anos, os programas faziam previsões no âmbito de cidades e bairros. Em 2008, o comitê do candidato republicano John McCain, por exemplo, conseguia saber que os eleitores da primeira, da terceira e da quinta casas de uma determinada rua poderiam votar nele, enquanto os moradores de todas as outras casas tenderiam a votar em Barack Obama. Nos Estados Unidos, esses programas dão aos partidos mais ricos uma vantagem desleal com relação aos partidos com menos dinheiro.
Moon – Aproxima-se o dia em que os “supermastigadores” aposentarão todos os analistas de mercado e executivos?
Ayres – Não acho que vamos por aí. Está perto o dia em que as pessoas terão de colocar em dúvida a própria intuição. Os melhores tomadores de decisões serão aqueles abertos ao uso do processamento de dados para checar ou descartar sua intuição.
Moon – A tomada automática de decisões ameaça alguma profissão?
Ayres – Não creio. Os “supermastigadores” podem ajudar na tomada de muitas decisões, mas não de todas. A maioria das profissões será afetada. Um exemplo é o jornalismo. Conversei com inúmeros jornalistas após o lançamento do livro. Alguns me perguntaram: o processamento de dados pode me ajudar na condução de uma entrevista? Comecei a pensar no assunto. Meu filho e eu passamos algumas noites colhendo dados das entrevistas do Colbert Report (http://www.colbertnation.com/home). É um programa de TV humorístico que faz sucesso aqui nos Estados Unidos. Coletamos informações sobre os tipos de perguntas que o entrevistador faz e as relacionamos com os diferentes tipos de entrevistados. Percebemos a existência de padrões de perguntas, que variavam, por exemplo, de acordo com o sexo do entrevistado. As perguntas também variavam se o entrevistado era um especialista ou não, e se tinha filiação partidária ou não. Se alguém resolver analisar as perguntas que você está me fazendo, é possível que encontre padrões. Conhecê-los pode ajudá-lo a formular perguntas melhores.
Moon – O Google e a Amazon usam extensa manipulação de dados. É coincidência que eles sejam apontados como candidatos a dominar a economia da internet?
Ayres – Não, de modo algum. A chave para o sucesso de ambas as empresas é o modo como administram a informação para conseguir melhores previsões sobre o que dará certo nos negócios. O Google e a Amazon não só armazenam dados da população, como realizam uma quantidade enorme de análises usando “supermastigadores”.
Moon – Chris Anderson, o autor de A Cauda Longa, diz que os computadores já processam tantos dados que podem fornecer qualquer resposta que desejarmos.
Ayres – Não diria que podemos obter qualquer resposta, mas que a informação se tornou tão disponível quanto uma barra de chocolate numa loja de doces, isso é um fato. Acessamos o Google 50 vezes por dia. Temos na ponta dos dedos um mundo de informações tão importante como a famosa Biblioteca de Alexandria foi para a Antiguidade. Dizer que temos tanta informação disponível, no entanto, não quer dizer que temos toda a informação a nossa disposição. A privacidade individual ainda existe. Não acho que alguém saiba o que cochichei no ouvido de minha filha ontem à noite. As empresas ainda mantêm muitas informações sob sigilo.
Moon – A nova geração que cresceu com a internet não sabe procurar informação. Só sabe usar o Google.
Ayres – É verdade, mas não me preocupa nem um pouco. Também não me preocupa o fato de que as bibliotecas “físicas” declinam em importância – uma tendência que só vai acelerar. O Google anunciou que pretende escanear todos os livros já escritos. Será possível buscar o texto de todos. Em vez de aprender a vasculhar bibliotecas, os alunos fariam melhor aprendendo estatística, para saber como extrair informações da biblioteca virtual na internet. Da mesma forma, meu conselho para as crianças é aprender uma linguagem de computação, em vez de um idioma estrangeiro. Quando se tornarem adultos, haverá programas de tradução em tempo real para qualquer idioma.
Moon – Quem gosta de aprender línguas, como fica?
Ayres – Quem tem prazer em aprender idiomas estrangeiros continuará a fazê-lo. Mas não há dúvida de que os benefícios de aprendê-los está diminuindo, não aumentando. No futuro, digamos, dentro de 20 anos, ninguém precisará aprender chinês se não quiser.
Moon – Quando o computador Deep Blue, da IBM, derrotou o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, em 1997, ele disse que sentiu um novo tipo de inteligência do outro lado do tabuleiro.
Ayres – Não sei se Kasparov enfrentou um novo tipo de inteligência, mas ele perdeu para Deep Blue porque o computador fez as melhores previsões de jogadas. Deep Blue tinha uma enorme base de dados com todos os movimentos de dezenas de milhares de jogos de todos os grandes campeões da História, que acessava para prever o melhor movimento a ser feito. O mesmo procedimento pode ser feito para prever qual será a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre determinado assunto. Os produtores de Hollywood fazem isso para prever quantos ingressos um filme venderá. Muitos médicos usam a técnica para fazer melhores diagnósticos. Pode chamá-la de inteligência artificial ou de qualquer outra coisa, mas é uma ferramenta incrivelmente poderosa para saber o que vai e o que não vai funcionar.
Moon – Para Larry Page, o co-fundador do Google, “o buscador definitivo será tão ou mais inteligente que o ser humano. Trabalhar em buscas é nosso modo de trabalhar com inteligência artificial”. O Google tornará as pessoas ignorantes?
Ayres – Em primeiro lugar, a tecnologia está me tornando ignorante numa dimensão da vida na qual eu fico feliz de me tornar ignorante. Meu celular me tornou incapaz de memorizar números de telefone. Todos estão na agenda. Isso é bom, porque libertou meu cérebro para que eu me concentre em coisas mais importantes. Sobre o Google, não o vejo desenvolvendo a inteligência artificial. O Google, por exemplo, fornece respostas diferentes para duas pessoas que buscam a palavra blackberry, pois sabe que quando eu digito BlackBerry estou buscando o aparelho celular, e quando você digita blackberry (amora-preta, em inglês) está buscando uma fruta. Esse é o tipo de inteligência artificial de que o Google é capaz. O Google não superará a capacidade de julgamento humana. O ser humano, que faz uso de sua intuição, de seus palpites e até mesmo de velhas teorias de dedução, não corre o risco de ser jogado na lata de lixo da História pelo Google.
Publicada originalmente em ÉPOCA, em 04/07/2008.
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