Como um venezuelano se tornou, aos 27 anos, o maior maestro do planeta
Peter Moon
NO AUGE
Dudamel e seus jovens em Caracas. Em 2009, ele assumirá a Filarmônica de Los Angeles
Gustavo Adolfo Dudamel Ramírez nasceu na Venezuela, em 1981. Antes de aprender a falar, ele acompanhava o pai, Oscar, às apresentações da banda de salsa em que tocava trombone. A família vivia em Barquisimeto, cidade a 350 quilômetros de Caracas. Com 5 anos, Gustavo decidiu aprender o instrumento do pai. Mas seus braços ainda eram curtos. O pai lhe deu um violino e o matriculou nas aulas de música. Todos os dias, ao voltar da escola para o almoço, o menino arranjava seus bonequinhos de plástico como uma orquestra. Colocava um disco e brincava de reger. Na hora de sair, pedia à avó para não desmanchar a orquestra enquanto estivesse nas aulas de música, para que pudesse retomar o ensaio com os músicos quando voltasse. Foi assim, em uma brincadeira de criança, que começou a carreira daquele que é considerado hoje, com 27 anos, o maior prodígio da música erudita e o melhor maestro vivo. “Gustavo é o regente mais assombrosamente dotado que já vi”, afirma Sir Simon Rattle, o diretor da Filarmônica de Berlim.
Desde o início, Dudamel mostrou sinais de grande talento. Em 1994, aos 13 anos, foi escolhido regente assistente da Orquestra Infantil de Barquisimeto e da Orquestra Jovem Amadeus. Nesse momento, os ouvidos do maestro José Antonio Abreu escutaram o garoto. Abreu é o idealizador do Sistema Nacional de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela, ou simplesmente “o Sistema”, o mais bem-sucedido projeto mundial de ensino de música erudita. Impressionado com Dudamel, Abreu recomendou que ele se mudasse para Caracas e freqüentasse aulas de regência. Abreu se tornou seu principal mentor. Em 1998, Dudamel regeu uma formação com 800 músicos. Em 1999, aos 17 anos, foi escolhido diretor da Sinfônica da Juventude Venezuelana Simón Bolívar, a principal das 600 orquestras infantis e juvenis do Sistema.
A Sinfônica Simón Bolívar e seu maestro prodígio são a faceta visível do Sistema, criado por Abreu em 1975. Ele sonhava oferecer um instrumento e ensino musical gratuito a qualquer criança carente que o desejasse. Em 30 anos, 2 milhões de jovens passaram pelos cursos. O Sistema tem hoje 1.800 professores e 250 mil alunos em 246 núcleos. “É o melhor exemplo a ser seguido por todos os países”, diz o maestro italiano Claudio Abbado. Para Rattle, “não há nenhum trabalho mais importante na música hoje que o da Venezuela”.
Dudamel era um completo desconhecido fora de seu país até junho de 2004, quando venceu a Competição Internacional de Regência Gustav Mahler, para maestros com menos de 35 anos, em Bamberg, Alemanha. Havia 300 inscritos de 43 países. Só 16 foram selecionados para reger a Sinfônica de Bamberg. Aos 23 anos, Dudamel era o mais novo. “Deborah, você não vai acreditar no garoto que ganhou a competição”, disse o finlandês Esa-Pekka Salonen, diretor musical da Filarmônica de Los Angeles, falando ao telefone com Deborah Borda, a presidente da orquestra. “Como ele é?”, perguntou Borda. “É um regente animal. Vamos chamá-lo para um concerto agora.” Devido à aura de tirania que envolve os maestros, era de esperar que Dudamel se intimidasse ao comandar músicos profissionais de uma orquestra tradicional. “Gustavo não está interessado em autoridade”, diz Salonen, de 50 anos. “Ele quer fazer música, e esse é o modo correto de pensar. A orquestra é seduzida a tocar bem para ele, em vez de ser forçada.”
Em 2005, Dudamel embarcou em turnês internacionais para reger sua Sinfônica Simón Bolívar, ao lado da Philharmonia de Londres, da Filarmônica de Israel e da Staatskapelle de Dresden, entre outras. Também recebeu uma graça reservada aos gênios da música: um contrato com a gravadora alemã Deutsche Grammophon (conheça abaixo seus cinco CDs). Em 2006, foi escolhido diretor da Sinfônica de Gotemburgo, na Sué cia, e conheceu Daniel Barenboim, da Ópera Estatal de Berlim. “Gustavo sabe o que faz, sabe o que quer e como consegui-lo. Só espero que a América não o estrague”, diz Barenboim.
A advertência procede. Desde que Salonen chamou a atenção de Deborah Borda para Dudamel, ela acompanhou sua turnê. Avaliou se ele poderia suceder a Salonen na Sala de Concertos Walt Disney, sede da Filarmônica de Los Angeles, a “LA Phil”, como é conhecida. Decidiu-se em 2007. Dudamel ensaiava uma obra de Mahler na Orquestra do Teatro Scala, de Milão. “É uma grande orquestra de ópera. Não se pode pensá-la como uma orquestra para tocar Mahler”, disse Borda. “Quando começaram a tocar, soava como Verdi. No final, soava como Viena.” Borda ofereceu-lhe um contrato como diretor musical a partir de 2009. Dudamel terá 28 anos. A “LA Phil” aposta em jovens talentos. Salonen a assumiu aos 34 anos. Zubin Mehta, aos 26.
“Gustavo é um resultado brilhante do Sistema”, diz Abreu, de 69 anos. O afeto entre os dois cresceu a tal ponto que, hoje, alguns consideram Dudamel como o filho que Abreu jamais teve. Em 2009, Dudamel acumulará a direção da “LA Phil” e da Simón Bolívar. Isso abre a possibilidade de Abreu preparar o discípulo para suceder-lhe. “Gustavo é mais que um sucessor. É uma glória universal para a América Latina”, afirma Abreu. E agora do mundo.
Publicado originalmente em ÉPOCA, em 07/11/2008.
Peter Moon
NO AUGE
Dudamel e seus jovens em Caracas. Em 2009, ele assumirá a Filarmônica de Los Angeles
Gustavo Adolfo Dudamel Ramírez nasceu na Venezuela, em 1981. Antes de aprender a falar, ele acompanhava o pai, Oscar, às apresentações da banda de salsa em que tocava trombone. A família vivia em Barquisimeto, cidade a 350 quilômetros de Caracas. Com 5 anos, Gustavo decidiu aprender o instrumento do pai. Mas seus braços ainda eram curtos. O pai lhe deu um violino e o matriculou nas aulas de música. Todos os dias, ao voltar da escola para o almoço, o menino arranjava seus bonequinhos de plástico como uma orquestra. Colocava um disco e brincava de reger. Na hora de sair, pedia à avó para não desmanchar a orquestra enquanto estivesse nas aulas de música, para que pudesse retomar o ensaio com os músicos quando voltasse. Foi assim, em uma brincadeira de criança, que começou a carreira daquele que é considerado hoje, com 27 anos, o maior prodígio da música erudita e o melhor maestro vivo. “Gustavo é o regente mais assombrosamente dotado que já vi”, afirma Sir Simon Rattle, o diretor da Filarmônica de Berlim.
Desde o início, Dudamel mostrou sinais de grande talento. Em 1994, aos 13 anos, foi escolhido regente assistente da Orquestra Infantil de Barquisimeto e da Orquestra Jovem Amadeus. Nesse momento, os ouvidos do maestro José Antonio Abreu escutaram o garoto. Abreu é o idealizador do Sistema Nacional de Orquestras Juvenis e Infantis da Venezuela, ou simplesmente “o Sistema”, o mais bem-sucedido projeto mundial de ensino de música erudita. Impressionado com Dudamel, Abreu recomendou que ele se mudasse para Caracas e freqüentasse aulas de regência. Abreu se tornou seu principal mentor. Em 1998, Dudamel regeu uma formação com 800 músicos. Em 1999, aos 17 anos, foi escolhido diretor da Sinfônica da Juventude Venezuelana Simón Bolívar, a principal das 600 orquestras infantis e juvenis do Sistema.
Dudamel e seus jovens em Caracas |
Dudamel era um completo desconhecido fora de seu país até junho de 2004, quando venceu a Competição Internacional de Regência Gustav Mahler, para maestros com menos de 35 anos, em Bamberg, Alemanha. Havia 300 inscritos de 43 países. Só 16 foram selecionados para reger a Sinfônica de Bamberg. Aos 23 anos, Dudamel era o mais novo. “Deborah, você não vai acreditar no garoto que ganhou a competição”, disse o finlandês Esa-Pekka Salonen, diretor musical da Filarmônica de Los Angeles, falando ao telefone com Deborah Borda, a presidente da orquestra. “Como ele é?”, perguntou Borda. “É um regente animal. Vamos chamá-lo para um concerto agora.” Devido à aura de tirania que envolve os maestros, era de esperar que Dudamel se intimidasse ao comandar músicos profissionais de uma orquestra tradicional. “Gustavo não está interessado em autoridade”, diz Salonen, de 50 anos. “Ele quer fazer música, e esse é o modo correto de pensar. A orquestra é seduzida a tocar bem para ele, em vez de ser forçada.”
Em 2005, Dudamel embarcou em turnês internacionais para reger sua Sinfônica Simón Bolívar, ao lado da Philharmonia de Londres, da Filarmônica de Israel e da Staatskapelle de Dresden, entre outras. Também recebeu uma graça reservada aos gênios da música: um contrato com a gravadora alemã Deutsche Grammophon (conheça abaixo seus cinco CDs). Em 2006, foi escolhido diretor da Sinfônica de Gotemburgo, na Sué cia, e conheceu Daniel Barenboim, da Ópera Estatal de Berlim. “Gustavo sabe o que faz, sabe o que quer e como consegui-lo. Só espero que a América não o estrague”, diz Barenboim.
José Antonio Abreu lançou em 1975 o maior projeto de ensino de música erudita do planeta |
“Gustavo é um resultado brilhante do Sistema”, diz Abreu, de 69 anos. O afeto entre os dois cresceu a tal ponto que, hoje, alguns consideram Dudamel como o filho que Abreu jamais teve. Em 2009, Dudamel acumulará a direção da “LA Phil” e da Simón Bolívar. Isso abre a possibilidade de Abreu preparar o discípulo para suceder-lhe. “Gustavo é mais que um sucessor. É uma glória universal para a América Latina”, afirma Abreu. E agora do mundo.
Publicado originalmente em ÉPOCA, em 07/11/2008.
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