Não é preciso ir a Marte. O físico inglês Paul Davies diz que podemos encontrar vida totalmente diferente da que conhecemos bem aqui, na Terra
Peter Moon
A Grande Fonte Prismática, no Parque Yellowstone, nos Estados Unidos, é famosa pela tonalidade de suas águas. Elas abrangem todas as cores do arco-íris. No verão, suas margens assumem colorações alaranjadas e avermelhadas. No inverno, elas se tingem de verde-escuro. Os responsáveis por essa paleta de pintura aquática são bactérias termofílicas (amantes do calor), capazes de sobreviver à temperatura da água do lago: 71 graus célsius. Elas não são os únicos seres vivos em ambientes inóspitos.
Desde os anos 1970, os cientistas têm descoberto centenas de micro-organismos que dilatam as condições consideradas limítrofes para a vida. Eles são chamados de extremófilos – amantes dos extremos. Micróbios se multiplicam nas águas corrosivas, ácidas ou alcalinas, de grutas vulcânicas. Os hipertermófilos suportam até 121 graus célsius. Os criófilos preferem o frio, abaixo dos 15 graus célsius negativos. Uma bactéria, a Deinococcus radiodurans (leia também: O ET de Campinas) resiste a uma radiação mil vezes superior à dose letal ao ser humano.
Os extremófilos têm duas coisas em comum. Habitam ambientes nocivos a quaisquer outras formas de vida e possuem DNA, o código genético da vida na Terra. Os extremófilos não são ETs. São parte integrante da árvore da vida. Ela brotou há mais de 3,8 bilhões de anos, a partir de um último ancestral universal comum (Luca, da sigla em inglês). Como seu nome indica, o Luca foi o último ancestral da biosfera. “Não quer dizer que foi a primeira forma de vida no planeta. Pode ter havido tentativas anteriores que não vingaram”, diz o físico inglês Paul Davies. Ele dirige o Beyond, um centro de pesquisas sobre as questões científicas ainda sem solução, na Universidade Estadual do Arizona.
Entre as perguntas essenciais sem resposta estão a origem da vida e saber se estamos sozinhos no Universo, duas questões interligadas. A molécula de DNA tem trilhões de átomos. Dada sua extrema complexidade, uma corrente de cientistas acha improvável que a vida tenha surgido mais de uma vez no Universo, a partir de reações químicas espontâneas. Mas o mesmo argumento serve para apostar em um Universo repleto de vida. Se há 100 bilhões de estrelas só na Via Láctea, e 400 bilhões de galáxias como a nossa, por que haveria vida só aqui? “Se estamos sozinhos no Universo, ele é um tremendo desperdício de espaço”, escreveu o astrônomo Carl Sagan no romance Contato, de 1985.
Há dois meios de saber se a vida na Terra surgiu por acaso, e estamos sós, ou se o Universo é sinônimo de vida”, diz Davies. “Se acharmos vida em Marte, saberemos que ela evoluiu em dois planetas do mesmo Sistema Solar. Nesse caso, a vida passaria a ser a norma universal, não a exceção”. Ainda vai levar muito tempo para que futuras missões a Marte tenham a sofisticação necessária para detectar vida. “Uma forma mais fácil e barata de responder à questão é lançar uma ‘Missão Terra’, para buscar indícios de um segundo gênesis aqui mesmo”. Seria uma expedição para encontrar sinais de outra árvore da vida – totalmente independente da nossa. Essa “vida estranha”, como Davies a define, viveria nas sombras, escondida em lagos tóxicos ou no fundo do mar.
Davies diz esperar que se ache uma biosfera fantasma na Terra – ou evidências químicas, impregnadas nas rochas, de que ela um dia existiu bilhões de anos atrás. Davies defendeu essa hipótese, em fevereiro, em uma palestra na reunião da Associação Americana para o Progresso da Ciência, em Chicago. Nesta semana, ele participa de um encontro internacional de física na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá.
A biosfera fantasma pode ser baseada em um código ligeiramente diferente do DNA. Ou não se parecer com nada que conhecemos. Talvez um dos elementos químicos necessários à vida, como carbono, hidrogênio, oxigênio e fósforo, possa ter sido substituído por outra coisa. “Quando digo isso, todo mundo pensa na vida com o silício no lugar do carbono, por causa dos borgs de Jornada nas estrelas. Não penso nisso. Penso em arsênico no lugar do fósforo”. O arsênico é venenoso. Mas suas propriedades são parecidas com as do fósforo. Alguma outra forma de vida poderia usá-lo.
Peter Moon
A Grande Fonte Prismática, no Parque Yellowstone, nos Estados Unidos, é famosa pela tonalidade de suas águas. Elas abrangem todas as cores do arco-íris. No verão, suas margens assumem colorações alaranjadas e avermelhadas. No inverno, elas se tingem de verde-escuro. Os responsáveis por essa paleta de pintura aquática são bactérias termofílicas (amantes do calor), capazes de sobreviver à temperatura da água do lago: 71 graus célsius. Elas não são os únicos seres vivos em ambientes inóspitos.
Desde os anos 1970, os cientistas têm descoberto centenas de micro-organismos que dilatam as condições consideradas limítrofes para a vida. Eles são chamados de extremófilos – amantes dos extremos. Micróbios se multiplicam nas águas corrosivas, ácidas ou alcalinas, de grutas vulcânicas. Os hipertermófilos suportam até 121 graus célsius. Os criófilos preferem o frio, abaixo dos 15 graus célsius negativos. Uma bactéria, a Deinococcus radiodurans (leia também: O ET de Campinas) resiste a uma radiação mil vezes superior à dose letal ao ser humano.
Os extremófilos têm duas coisas em comum. Habitam ambientes nocivos a quaisquer outras formas de vida e possuem DNA, o código genético da vida na Terra. Os extremófilos não são ETs. São parte integrante da árvore da vida. Ela brotou há mais de 3,8 bilhões de anos, a partir de um último ancestral universal comum (Luca, da sigla em inglês). Como seu nome indica, o Luca foi o último ancestral da biosfera. “Não quer dizer que foi a primeira forma de vida no planeta. Pode ter havido tentativas anteriores que não vingaram”, diz o físico inglês Paul Davies. Ele dirige o Beyond, um centro de pesquisas sobre as questões científicas ainda sem solução, na Universidade Estadual do Arizona.
Entre as perguntas essenciais sem resposta estão a origem da vida e saber se estamos sozinhos no Universo, duas questões interligadas. A molécula de DNA tem trilhões de átomos. Dada sua extrema complexidade, uma corrente de cientistas acha improvável que a vida tenha surgido mais de uma vez no Universo, a partir de reações químicas espontâneas. Mas o mesmo argumento serve para apostar em um Universo repleto de vida. Se há 100 bilhões de estrelas só na Via Láctea, e 400 bilhões de galáxias como a nossa, por que haveria vida só aqui? “Se estamos sozinhos no Universo, ele é um tremendo desperdício de espaço”, escreveu o astrônomo Carl Sagan no romance Contato, de 1985.
Há dois meios de saber se a vida na Terra surgiu por acaso, e estamos sós, ou se o Universo é sinônimo de vida”, diz Davies. “Se acharmos vida em Marte, saberemos que ela evoluiu em dois planetas do mesmo Sistema Solar. Nesse caso, a vida passaria a ser a norma universal, não a exceção”. Ainda vai levar muito tempo para que futuras missões a Marte tenham a sofisticação necessária para detectar vida. “Uma forma mais fácil e barata de responder à questão é lançar uma ‘Missão Terra’, para buscar indícios de um segundo gênesis aqui mesmo”. Seria uma expedição para encontrar sinais de outra árvore da vida – totalmente independente da nossa. Essa “vida estranha”, como Davies a define, viveria nas sombras, escondida em lagos tóxicos ou no fundo do mar.
Davies diz esperar que se ache uma biosfera fantasma na Terra – ou evidências químicas, impregnadas nas rochas, de que ela um dia existiu bilhões de anos atrás. Davies defendeu essa hipótese, em fevereiro, em uma palestra na reunião da Associação Americana para o Progresso da Ciência, em Chicago. Nesta semana, ele participa de um encontro internacional de física na Universidade Federal de Mato Grosso, em Cuiabá.
A biosfera fantasma pode ser baseada em um código ligeiramente diferente do DNA. Ou não se parecer com nada que conhecemos. Talvez um dos elementos químicos necessários à vida, como carbono, hidrogênio, oxigênio e fósforo, possa ter sido substituído por outra coisa. “Quando digo isso, todo mundo pensa na vida com o silício no lugar do carbono, por causa dos borgs de Jornada nas estrelas. Não penso nisso. Penso em arsênico no lugar do fósforo”. O arsênico é venenoso. Mas suas propriedades são parecidas com as do fósforo. Alguma outra forma de vida poderia usá-lo.
A Grande Fonte Prismática, no Parque Yellowstone, tem todas as cores do arco-íris. Isso se deve às colônias de bactérias, que conseguem sobreviver à temperatura de 71 graus célsius no lago |
Onde buscar essa forma de vida? “Ela pode estar isolada em minas de sal e locais com pressão esmagadora, calor insuportável ou radiação ultravioleta”, diz Davies. “Se buscarmos vida baseada em arsênico, um local ideal é o Lago Mono, na Califórnia”. Lá foram achados micróbios que obtêm sua energia a partir de reações químicas com o arsênico. “Eles não incorporam o veneno ao organismo. Eles o expelem. Fumam, mas não tragam”.
Como reconhecer os descendentes de um segundo gênesis? “Os microscópios são feitos para observar a vida que conhecemos. É muito difícil saber o que procurar”, diz Davies. Ao descobrir algo muito esquisito, precisamos entender se é uma raiz desconhecida da árvore da vida, se é apenas um ramo antigo insuspeitado – ou se é uma forma de vida totalmente diferente. “Só quero saber se a vida surgiu mais de uma vez. Se isso for verdade, pode estar acontecendo de novo agora mesmo, em algum canto do Universo”.
Publicado originalmente em ÉPOCA, em 12/03/2009.
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