Quanto mais o cientista Joseph Needham aprendia o idioma, mais se apaixonava pela China. A curiosidade nasceu numa noite de amor com uma chinesinha
Peter Moon
A melhor forma de aprender outra língua é na cama, nos braços da pessoa amada. No caso do brilhante – e casado – bioquímico britânico Joseph Needham (1900-1995), nada poderia ser mais verdadeiro. Aos 28 anos, Needham era um jovem professor da Universidade de Cambridge. Ele era dono de grande memória, curiosidade infinita e uma facilidade assombrosa para idiomas. Needham era fluente em francês, alemão, espanhol e grego – e se desculpava pelo russo não tão impecável, lê-se em O homem que amava a China – A fantástica história do excêntrico cientista que desvendou os mistérios do império do centro (Companhia das Letras, 400 páginas, R$ 49), de Simon Winchester.
Antes dos 20 anos, Needham estudou para ser padre, mas desistiu diante da impossibilidade do celibato. Ele amava as mulheres – e era correspondido. Era alto, magro, musculoso, tinha cara de menino tímido e a malícia para usar essas armas a seu favor. Estava sempre cercado das moças mais belas de Cambridge. Talvez por isso tenha casado com Alicia, adepta de ideias modernas dos loucos anos 1920. Ambos eram comunistas, adeptos do nudismo e de casamentos abertos.
Em 1938, alguém bateu à porta de seu escritório. Era uma doutoranda chinesa, pequenina e linda. Chamava-se Lu Gwei-djen. Needham perdeu o fôlego. Lu tinha vindo de Xangai, de onde saiu antes de a cidade ser bombardeada pelos japoneses (a invasão da China, em 1937, foi o início asiático da Segunda Guerra Mundial). Bastou um mês para Needham e Lu se tornarem amantes, com o consentimento de Alicia, que gostava da moça de olhos amendoados.
Na primeira noite de amor, Needham disse: “Tenho de aprender essa língua, senão morro!”. O desafio era imenso. Na China, é preciso pelo menos 20 anos para dominar os mais de 5 mil kanjis, os ideogramas da caligrafia chinesa. Para piorar, cada kanji pode ter dois ou mais significados, dependendo da entonação (são quatro). Para dominar o chinês é preciso ter ouvidos chineses ou ser superdotado. Obsessivo, Needham estudava à noite, compilando seus próprios manuais para memorizar os ideogramas e pincelá-los “num estilo elegante”, dizia Lu. Estudar chinês, disse Needham, era “libertação, como ir nadar num dia quente, porque você é transportado da prisão das palavras alfabéticas para o mundo cristalino e reluzente dos caracteres ideográficos”.
Quanto mais Needham aprendia o idioma, mais se apaixonava pela China. Ele ainda não sabia, mas viria a ser o maior sinólogo britânico do século XX. Estava louco para viajar para lá. A oportunidade veio em dezembro de 1941, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor, no Havaí, lançando os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. O Reino Unido declarou guerra ao Japão e passou a apoiar a China com armas, comida e remédios. Com suas grandes cidades litorâneas nas mãos do invasor, as universidades chinesas tinham sido transferidas para o interior. Aos pesquisadores faltava tudo: laboratórios, infraestrutura, livros.
Convocado pelo Whitehall, o Itamaraty britânico, Needham virou diplomata. Foi enviado à China como adido cultural. Sua missão era apoiar a ciência chinesa, dando esperança aos pesquisadores. Fez muito mais. Em oito viagens por estradas tortuosas, cordilheiras e desertos, Needham percorreu 50.000 quilômetros para descobrir que a China, antes da Grécia e da Mesopotâmia, era o berço tecnológico da humanidade. Revelou esse passado ao Ocidente a partir de 1954, com o primeiro dos 25 volumes de Science and civilisation in China (Ciência e civilização na China), que publicou até morrer – sempre ao lado de Lu, com quem casou após a morte de Alicia, em 1945.
Originalmente publicado em Época, em 11/12/2009.
Peter Moon
A melhor forma de aprender outra língua é na cama, nos braços da pessoa amada. No caso do brilhante – e casado – bioquímico britânico Joseph Needham (1900-1995), nada poderia ser mais verdadeiro. Aos 28 anos, Needham era um jovem professor da Universidade de Cambridge. Ele era dono de grande memória, curiosidade infinita e uma facilidade assombrosa para idiomas. Needham era fluente em francês, alemão, espanhol e grego – e se desculpava pelo russo não tão impecável, lê-se em O homem que amava a China – A fantástica história do excêntrico cientista que desvendou os mistérios do império do centro (Companhia das Letras, 400 páginas, R$ 49), de Simon Winchester.
Needham, em 1946, com seu traje chinês azul (a cor da sabedoria). |
Em 1938, alguém bateu à porta de seu escritório. Era uma doutoranda chinesa, pequenina e linda. Chamava-se Lu Gwei-djen. Needham perdeu o fôlego. Lu tinha vindo de Xangai, de onde saiu antes de a cidade ser bombardeada pelos japoneses (a invasão da China, em 1937, foi o início asiático da Segunda Guerra Mundial). Bastou um mês para Needham e Lu se tornarem amantes, com o consentimento de Alicia, que gostava da moça de olhos amendoados.
Na primeira noite de amor, Needham disse: “Tenho de aprender essa língua, senão morro!”. O desafio era imenso. Na China, é preciso pelo menos 20 anos para dominar os mais de 5 mil kanjis, os ideogramas da caligrafia chinesa. Para piorar, cada kanji pode ter dois ou mais significados, dependendo da entonação (são quatro). Para dominar o chinês é preciso ter ouvidos chineses ou ser superdotado. Obsessivo, Needham estudava à noite, compilando seus próprios manuais para memorizar os ideogramas e pincelá-los “num estilo elegante”, dizia Lu. Estudar chinês, disse Needham, era “libertação, como ir nadar num dia quente, porque você é transportado da prisão das palavras alfabéticas para o mundo cristalino e reluzente dos caracteres ideográficos”.
Quanto mais Needham aprendia o idioma, mais se apaixonava pela China. Ele ainda não sabia, mas viria a ser o maior sinólogo britânico do século XX. Estava louco para viajar para lá. A oportunidade veio em dezembro de 1941, quando os japoneses atacaram Pearl Harbor, no Havaí, lançando os Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial. O Reino Unido declarou guerra ao Japão e passou a apoiar a China com armas, comida e remédios. Com suas grandes cidades litorâneas nas mãos do invasor, as universidades chinesas tinham sido transferidas para o interior. Aos pesquisadores faltava tudo: laboratórios, infraestrutura, livros.
Convocado pelo Whitehall, o Itamaraty britânico, Needham virou diplomata. Foi enviado à China como adido cultural. Sua missão era apoiar a ciência chinesa, dando esperança aos pesquisadores. Fez muito mais. Em oito viagens por estradas tortuosas, cordilheiras e desertos, Needham percorreu 50.000 quilômetros para descobrir que a China, antes da Grécia e da Mesopotâmia, era o berço tecnológico da humanidade. Revelou esse passado ao Ocidente a partir de 1954, com o primeiro dos 25 volumes de Science and civilisation in China (Ciência e civilização na China), que publicou até morrer – sempre ao lado de Lu, com quem casou após a morte de Alicia, em 1945.
Originalmente publicado em Época, em 11/12/2009.
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