Astrônomos detectam o primeiro planeta fora do sistema solar que poderia abrigar vida... mas como chegar lá?
Peter Moon
Duas notícias provenientes das mais altas esferas – ficcionais e siderais - chamaram atenção recentemente. A primeira é proveniente da esfera jornalístico-ficcional, um estilo bastante heterodoxo de jornalismo, próprio do diário londrino Sunday Times. No dia 26 de setembro, o Sunday Times anunciou que a astrofísica malaia Mazlan Binthi Othman, de 58 anos, a chefe do pouco conhecido Escritório de Relações do Espaço Exterior das Nações Unidas (Unoosa), em Viena, estaria coordenando na ONU os esforços para a criação de um protocolo diplomático para quando a humanidade fizer contatos imediatos de terceiro grau com civilizações extraterrestres. Segundo o Sunday Times, Othman defendeu recentemente a criação de tal protocolo, por causa da descoberta quase semanal de novos planetas em órbita de estrelas da Via Láctea.
“A busca contínua de comunicação extraterrestre mantém a esperança que um dia a humanidade receba sinais de extraterrestres”, teria dito Othman. “Quando isto acontecer, devemos ter uma resposta coordenada que leve em conta todas as questões relacionadas ao tema. A ONU é o mecanismo para tal coordenação”.
O Sunday Times repercutiu as afirmações de Othman com Richard Crowther, da Agência Espacial britânica. “Othman é a pessoa mais próxima que temos de um porta-voz para atender a um pedido do tipo ‘leve-me ao seu líder’ (take me to your leader), feito por ETs”, diz Crowther. Era o que o sensacionalista Sunday Times precisava para estampar a manchete: “ONU aponta porta-voz para contactar alienígenas”.
Um diário rival, o Daily Telegraph tratou de disseminar a história. É curioso observar que, há meros 15 dias, um astrônomo jesuíta do Vaticano já havia afirmado a sua intenção de batizar ETs no dia em que fizermos contato - o tema da minha última coluna "Eram os jesuítas astronautas?" (confira aqui).
Bastaram 24 horas para a notícia da escolha de uma diplomata espacial pela ONU ser descartada. No dia 27, o desmentido foi publicado em outro diário inglês, o Guardian. Othman afirmou, por meio de uma mensagem de correio eletrônico, que a notícia do Sunday Times “parece muito legal, mas tenho que negá-la”.
Othman explicou que a missão do Escritório de Relações do Espaço Exterior da ONU não é fazer contato com ETs, mas ser um canal de negociação para os países-membros que têm interesses na exploração do espaço. Um exemplo é o pronunciamento que Othman fará esta semana numa reunião da Sociedade Real britânica. A astrofísica falará sobre os riscos dos objetos espaciais próximos da Terra, como meteoros e asteróides. Uma grande corrente de geólogos defende que o impacto de um asteróide de 10 km de diâmetro contra a Terra, há 65 milhões de anos, teria sido o responsável pela extinção dos dinossauros.
Sonhando com ETs
A segunda notícia da semana decorre da ironia do destino. Desde a Antiguidade e até 1993, conhecia-se apenas os planetas do sistema solar, imerso num oceano de estrelas chamado Via Láctea, imersa por sua vez num oceano de galáxias chamado universo. Mas, em 1993, foram detectados os primeiros planetas orbitando outras estrelas. Eles não foram fotografados. Sua existência foi inferida a partir da oscilação que a sua atração gravitacional exerce na posição relativa no céu da estrela que orbitam. São mundos gasosos gigantes e incandescentes, muito maiores que Júpiter ou Saturno. Jamais abrigariam vida.
Desde então foram detectados 490 planetas orbitando 412 estrelas. Nenhum poderia abrigar a vida como a conhecemos, pois, apesar de alguns poucos serem planetas rochosos, ainda assim são mundos infernais ou muito mais gelados que o dia mais frio de inverno no coração da Antártida. Nenhum se situa no “cinturão habitável”, um anel em torno da estrela onde pode haver planetas com água em estado líquido - como a Terra. E água corrente é uma condição básica para a vida.
É exatamente chuva e oceanos que o americano Steven Vogt, um astrônomo da Universidade da Califórnia em Santa Cruz espera (espera, não a prova nenhuma disto) existir no recém-descoberto planeta Gliese 581g. G é a sétima letra do alfabeto. Gliese 581g é o sétimo planeta achado por Vogt no sistema da estrela Gliese 581 (o primeiro foi achado há 11 anos).
Gliese 581g, ou melhor, Zarmina, como Voigt prefere chamá-lo (Zarmina é o nome da sua mulher) é tudo com que os astrônomos sonhavam. Tem o tamanho de 3,1 Terras, ou seja, é um planeta pequeno e rochoso. A gravidade na superfície é de 1,1 a 1,7 vezes a terrestre. E fica bem no meio da zona habitável do sistema Gliese 581. Não bastasse, Zarmina é nossa vizinha. Fica só a 20 anos-luz de distância. Em termos cósmicos, é dobrando a esquina.
Durante o anúncio da descoberta, Vogt foi pressionado pelos jornalistas a falar sobre a possibilidade de vida em Zarmina. No começo, tergiversou alegando ser um astrônomo, não um biólogo. Acabou cedendo: “As chances de vida neste planeta são quase 100%”. Zarmina pode ter vida. Mas também pode não ter. Pode ser um mundo infernal como Vênus. Apesar de inserido da zona habitável do Sol, Vênus é vítima de um efeito estufa descontrolado, que eleva a temperatura na superfície a 800 graus Celsius.
Se Zarmina abrigar vida, talvez seja vida inteligente? Ou talvez seja o túmulo de uma civilização extinta? Existe sempre a possibilidade de, dado o grau de avanço tecnológico, seus habitantes preferirem simplesmente manter-se em silêncio a ser incomodados por terráqueos selvagens, primitivos e encrenqueiros? Talvez nunca saibamos a resposta. O problema é a distância...
Isolados, jamais sozinhos
A nave mais rápida feita pelo homem é a Voyager 2. Lançada em 1977, a Voyager 2 visitou Saturno, Urano e Netuno. Neste momento ela está saindo do sistema solar à velocidade de 16,5 km/s ou 70 mil km/h. Nessa velocidade, levaria 363 mil anos para chegar a Zarmina. É mais tempo do que a idade da nossa espécie, o Homo sapiens, que evoluiu na África faz cerca de 250 mil anos.
Voar mais rápido que a luz, segundo Einstein, é proibido. Se algum dia, no século XXIII de Jornada nas Estrelas, formos capazes de construir naves para voar a 90% da velocidade da luz, ainda assim levará 22 anos para ir a Zarmina. Caso não sejamos capazes de desenvolver meios de propulsão para acelerar naves a frações consideráveis da velocidades da luz, estaremos para sempre confinados no sistema solar. Estaremos isolados... jamais sozinhos. Esta é a tremenda importância da descoberta de Zarmina.
Em 1962, o astrônomo americano Frank Drake propôs uma famosa equação para determinar o número de civilizações inteligentes na Via Láctea. Se a equação de Drake está correta, e sabendo-se hoje que a existência de sistemas planetários ao redor de estrelas é a regra, não a exceção, estima-se que possam existir até 20 mil civilizações inteligentes espalhadas pelas 100 bilhões de estrelas da Via Láctea. Haveria pelo menos uma num raio de 1.500 anos-luz da Terra.
Levando-se este último cálculo em conta, as chances de Zarmina ser habitada por gente inteligente (qualquer seja a sua forma) é bastante remota. Isto, é claro, se houver vida fora da Terra. A descoberta de Zarmina eleva esta possibilidade a uma quase certeza.
Originalmente publicado em Época, em 02/10/2010
Peter Moon
Duas notícias provenientes das mais altas esferas – ficcionais e siderais - chamaram atenção recentemente. A primeira é proveniente da esfera jornalístico-ficcional, um estilo bastante heterodoxo de jornalismo, próprio do diário londrino Sunday Times. No dia 26 de setembro, o Sunday Times anunciou que a astrofísica malaia Mazlan Binthi Othman, de 58 anos, a chefe do pouco conhecido Escritório de Relações do Espaço Exterior das Nações Unidas (Unoosa), em Viena, estaria coordenando na ONU os esforços para a criação de um protocolo diplomático para quando a humanidade fizer contatos imediatos de terceiro grau com civilizações extraterrestres. Segundo o Sunday Times, Othman defendeu recentemente a criação de tal protocolo, por causa da descoberta quase semanal de novos planetas em órbita de estrelas da Via Láctea.
O planeta Gliese 581g, o primeiro descoberto que pode abrigar vida (illustration: Lynette Cook) |
“A busca contínua de comunicação extraterrestre mantém a esperança que um dia a humanidade receba sinais de extraterrestres”, teria dito Othman. “Quando isto acontecer, devemos ter uma resposta coordenada que leve em conta todas as questões relacionadas ao tema. A ONU é o mecanismo para tal coordenação”.
O Sunday Times repercutiu as afirmações de Othman com Richard Crowther, da Agência Espacial britânica. “Othman é a pessoa mais próxima que temos de um porta-voz para atender a um pedido do tipo ‘leve-me ao seu líder’ (take me to your leader), feito por ETs”, diz Crowther. Era o que o sensacionalista Sunday Times precisava para estampar a manchete: “ONU aponta porta-voz para contactar alienígenas”.
Um diário rival, o Daily Telegraph tratou de disseminar a história. É curioso observar que, há meros 15 dias, um astrônomo jesuíta do Vaticano já havia afirmado a sua intenção de batizar ETs no dia em que fizermos contato - o tema da minha última coluna "Eram os jesuítas astronautas?" (confira aqui).
Bastaram 24 horas para a notícia da escolha de uma diplomata espacial pela ONU ser descartada. No dia 27, o desmentido foi publicado em outro diário inglês, o Guardian. Othman afirmou, por meio de uma mensagem de correio eletrônico, que a notícia do Sunday Times “parece muito legal, mas tenho que negá-la”.
Othman explicou que a missão do Escritório de Relações do Espaço Exterior da ONU não é fazer contato com ETs, mas ser um canal de negociação para os países-membros que têm interesses na exploração do espaço. Um exemplo é o pronunciamento que Othman fará esta semana numa reunião da Sociedade Real britânica. A astrofísica falará sobre os riscos dos objetos espaciais próximos da Terra, como meteoros e asteróides. Uma grande corrente de geólogos defende que o impacto de um asteróide de 10 km de diâmetro contra a Terra, há 65 milhões de anos, teria sido o responsável pela extinção dos dinossauros.
Sonhando com ETs
A segunda notícia da semana decorre da ironia do destino. Desde a Antiguidade e até 1993, conhecia-se apenas os planetas do sistema solar, imerso num oceano de estrelas chamado Via Láctea, imersa por sua vez num oceano de galáxias chamado universo. Mas, em 1993, foram detectados os primeiros planetas orbitando outras estrelas. Eles não foram fotografados. Sua existência foi inferida a partir da oscilação que a sua atração gravitacional exerce na posição relativa no céu da estrela que orbitam. São mundos gasosos gigantes e incandescentes, muito maiores que Júpiter ou Saturno. Jamais abrigariam vida.
Desde então foram detectados 490 planetas orbitando 412 estrelas. Nenhum poderia abrigar a vida como a conhecemos, pois, apesar de alguns poucos serem planetas rochosos, ainda assim são mundos infernais ou muito mais gelados que o dia mais frio de inverno no coração da Antártida. Nenhum se situa no “cinturão habitável”, um anel em torno da estrela onde pode haver planetas com água em estado líquido - como a Terra. E água corrente é uma condição básica para a vida.
É exatamente chuva e oceanos que o americano Steven Vogt, um astrônomo da Universidade da Califórnia em Santa Cruz espera (espera, não a prova nenhuma disto) existir no recém-descoberto planeta Gliese 581g. G é a sétima letra do alfabeto. Gliese 581g é o sétimo planeta achado por Vogt no sistema da estrela Gliese 581 (o primeiro foi achado há 11 anos).
Gliese 581g, ou melhor, Zarmina, como Voigt prefere chamá-lo (Zarmina é o nome da sua mulher) é tudo com que os astrônomos sonhavam. Tem o tamanho de 3,1 Terras, ou seja, é um planeta pequeno e rochoso. A gravidade na superfície é de 1,1 a 1,7 vezes a terrestre. E fica bem no meio da zona habitável do sistema Gliese 581. Não bastasse, Zarmina é nossa vizinha. Fica só a 20 anos-luz de distância. Em termos cósmicos, é dobrando a esquina.
Durante o anúncio da descoberta, Vogt foi pressionado pelos jornalistas a falar sobre a possibilidade de vida em Zarmina. No começo, tergiversou alegando ser um astrônomo, não um biólogo. Acabou cedendo: “As chances de vida neste planeta são quase 100%”. Zarmina pode ter vida. Mas também pode não ter. Pode ser um mundo infernal como Vênus. Apesar de inserido da zona habitável do Sol, Vênus é vítima de um efeito estufa descontrolado, que eleva a temperatura na superfície a 800 graus Celsius.
Se Zarmina abrigar vida, talvez seja vida inteligente? Ou talvez seja o túmulo de uma civilização extinta? Existe sempre a possibilidade de, dado o grau de avanço tecnológico, seus habitantes preferirem simplesmente manter-se em silêncio a ser incomodados por terráqueos selvagens, primitivos e encrenqueiros? Talvez nunca saibamos a resposta. O problema é a distância...
Isolados, jamais sozinhos
A nave mais rápida feita pelo homem é a Voyager 2. Lançada em 1977, a Voyager 2 visitou Saturno, Urano e Netuno. Neste momento ela está saindo do sistema solar à velocidade de 16,5 km/s ou 70 mil km/h. Nessa velocidade, levaria 363 mil anos para chegar a Zarmina. É mais tempo do que a idade da nossa espécie, o Homo sapiens, que evoluiu na África faz cerca de 250 mil anos.
Voar mais rápido que a luz, segundo Einstein, é proibido. Se algum dia, no século XXIII de Jornada nas Estrelas, formos capazes de construir naves para voar a 90% da velocidade da luz, ainda assim levará 22 anos para ir a Zarmina. Caso não sejamos capazes de desenvolver meios de propulsão para acelerar naves a frações consideráveis da velocidades da luz, estaremos para sempre confinados no sistema solar. Estaremos isolados... jamais sozinhos. Esta é a tremenda importância da descoberta de Zarmina.
Em 1962, o astrônomo americano Frank Drake propôs uma famosa equação para determinar o número de civilizações inteligentes na Via Láctea. Se a equação de Drake está correta, e sabendo-se hoje que a existência de sistemas planetários ao redor de estrelas é a regra, não a exceção, estima-se que possam existir até 20 mil civilizações inteligentes espalhadas pelas 100 bilhões de estrelas da Via Láctea. Haveria pelo menos uma num raio de 1.500 anos-luz da Terra.
Levando-se este último cálculo em conta, as chances de Zarmina ser habitada por gente inteligente (qualquer seja a sua forma) é bastante remota. Isto, é claro, se houver vida fora da Terra. A descoberta de Zarmina eleva esta possibilidade a uma quase certeza.
Originalmente publicado em Época, em 02/10/2010
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