“Deixe de voar de avião nas férias”

O vencedor do principal prêmio para livros de ciência de 2008 dá seis estratégias para conter o aquecimento global

Peter Moon

Se a temperatura média da terra aumentar 6 graus célsius, o planeta sofrerá a pior extinção em massa dos últimos 250 milhões de anos. Esse é o pior dos cenários descritos pelo jornalista inglês Mark Lynas, 37 anos, em Seis Graus – Nosso Futuro num Planeta Mais Quente, da National Geographic Society (ainda não lançado no Brasil), escolhido o melhor livro de ciência de 2008 pela Royal Society of London, a mais tradicional das sociedades científicas do mundo. O livro foi transformado no documentário S.O.S. – Aquecimento Global, transmitido em março pelo National Geographic Channel. Lynas viajou pelo mundo mostrando os efeitos das mudanças climáticas no meio ambiente. Baseado em estudos científicos, ele diz o que pode acontecer com o planeta – e dá sugestões para ajudarmos a preservá-lo.

Peter Moon – Por que o título Seis Graus?
Mark Lynas – O livro descreve os diferentes cenários, e suas conseqüências para o meio ambiente e a humanidade, que podem ocorrer caso o aquecimento da Terra eleve a temperatura média global em algo entre 1,5 e 6 graus célsius. Não são previsões pessimistas. São realistas, baseadas em estudos científicos.

Moon – O que ocorrerá se a temperatura subir em média 1 grau célsius? 
Lynas – Isso com certeza acontecerá. Desertos invadirão o centro dos Estados Unidos. As perdas para a agricultura americana e a canadense serão severas. Na Tanzânia, as neves do Kilimanjaro, a maior montanha da África, desaparecerão. A redução das geleiras se acelerará em todo o mundo, inclusive nos Andes. No Atlântico, a corrente do Golfo, que leva as águas mornas do Caribe até o Mar do Norte, pode inverter seu curso, tornando os invernos na Europa Ocidental mais frios. O gelo no Ártico desaparecerá no verão (fenômeno que já presenciamos). A elevação do nível dos mares extinguirá espécies raras no Pacífico e atingirá duramente a Grande Barreira de Corais, na Austrália.

Moon – O que acontecerá no Brasil? 
Lynas – Uma coisa que já ocorreu foi o surgimento de ciclones extratropicais. O primeiro foi o Furacão Catarina, que atingiu o sul do Brasil em 2004. Mas a principal questão para vocês é o futuro da Amazônia. Se a temperatura subir 2 graus célsius, é provável que a floresta desapareça, destruindo o maior reservatório de biodiversidade do planeta. Projeções sugerem que o centro do Brasil se tornará uma savana seca ou até um deserto, com temperaturas muito altas e pouca chuva. As conseqüências serão globais. A Amazônia funciona como uma bomba-d’água gigante e influencia o clima de todo o planeta. Na eventualidade de um aquecimento extremo, o que é hoje o centro da Bacia Amazônica será engolido pelas águas do Atlântico, assim como uma língua de terra que vai do sul do Brasil até o Pantanal.

Moon – E se a temperatura mundial subir 6 graus célsius, o pior cenário de todos? 
Lynas – Aí será a catástrofe. As calotas de gelo da Antártica e da Groenlândia derreterão. O nível dos mares subirá entre 60 e 70 metros. Muito antes disso, com um aumento entre 3 e 4 graus célsius, o mar já terá engolido ilhas inteiras na Oceania, assim como a Flórida. Mas esse será um dos menores desafios da humanidade. Uma elevação de 6 graus célsius provavelmente destruirá a maioria da vida na Terra. Será a pior extinção em massa dos últimos 250 milhões de anos, pior que a provocada pela queda de um asteróide há 65 milhões de anos, que acabou com os dinossauros. Em quanto tempo isso pode acontecer é uma questão em aberto. Mas será bem mais de um século.

Moon – Houve uma era em que o planeta era 6 graus célsius mais quente que hoje. 
Lynas – Sim, no fim do período permiano, há 251 milhões de anos, quando se deu a pior extinção registrada. Até 95% das espécies desapareceram. O registro geológico sugere que aquela extinção esteve associada a uma elevação de 6 graus célsius na temperatura do planeta. Decorrido tanto tempo, é difícil saber com certeza o que aconteceu. Parece que um grande efeito estufa, com acumulação de gás carbônico na atmosfera, foi aquecendo os oceanos até atingir o solo marinho. Quando isso aconteceu, imensas quantidades de metano (gás que é resultado da decomposição de sedimentos orgânicos depositados no subsolo oceânico) foram liberadas. O metano subiu à superfície e, ao ingressar na atmosfera, criou um megaefeito estufa. Sem falar no fato de que o metano é combustível. Uma concentração de 5% de metano no ar pode, com um raio, gerar uma explosão.

Moon – No tempo dos dinossauros, as temperaturas eram ainda mais altas. 
Lynas – No período cretáceo, entre 145 e 65 milhões de anos atrás, as temperaturas superaram a barreira dos 6 graus célsius acima da média atual. Mas, como o planeta vivia imerso num efeito estufa havia muito tempo, as espécies se adaptaram a um mundo bem mais quente. Havia florestas na Antártica e as águas do Ártico eram quentes como as do Mediterrâneo.

Moon – A subida do nível dos mares já é realidade. Quais países sofrem com ela? 
Lynas – Tuvalu, por exemplo, é um país-ilha no Pacífico cuja população está emigrando para a Nova Zelândia. Daqui a um século, Tuvalu desaparecerá. O mesmo acontecerá com Bangladesh. Diversas ilhas no golfo de Bengala estão sendo engolidas pelo Oceano Índico. Suas populações estão fugindo.

Moon – Em que mundo uma criança de 6 anos viverá quando tiver 60 anos? 
Lynas – Depende das decisões que seus pais tomarem. As temperaturas daqui a 54 anos dependem das decisões que todos tomarmos hoje, com relação a nosso consumo de energia e sua conseqüente liberação de gás carbônico na atmosfera. A única certeza hoje é que o mundo será muito mais quente. É inevitável. A humanidade enfrentará mais problemas relacionados com a agricultura e as secas. Vastas populações terão de se mudar por causa das alterações climáticas. Serão os refugiados do clima.

Moon – Cite seis coisas que qualquer pessoa deve fazer para combater as mudanças climáticas. 
Lynas – A primeira é deixar de voar nas férias, por causa da enorme contribuição da aviação civil aos gases do efeito estufa. Eu já deixei de fazer isso há dez anos. A segunda medida é, em viagens de negócios, sempre que possível ir de trem ou de ônibus. A terceira medida é abandonar o carro e andar ou usar o transporte público. A quarta, nos países frios, é reduzir o aquecimento das casas. A quinta atitude: só usar eletricidade produzida por fontes renováveis, como a hidrelétrica, a solar e a dos ventos. A sexta e última medida é convencer os membros de sua comunidade a fazer o mesmo e eleger políticos que defendam essas políticas. É a medida mais importante de todas.

Moon – Americanos e chineses mudarão seu padrão de consumo de energia? 
Lynas – A China é responsável por 5% das emissões globais de gás carbônico, e os Estados Unidos por 20%. Quem precisa dar o primeiro passo são os americanos, deixando de lado seus carros. Quanto à China, seus líderes compreendem muito bem que o país já está sofrendo o impacto das alterações do clima. É uma questão de opção. Eles precisam decidir se prosseguirão num padrão de desenvolvimento sedento de energia como o do Ocidente ou se adotarão novas tecnologias renováveis.

Moon – Se Barack Obama vencer as eleições presidenciais, ele trabalhará para reduzir as emissões nos Estados Unidos? 
Lynas – Claro que sim! É o cenário dos meus sonhos. De qualquer forma, tanto Obama quanto McCain têm posições claras de combate ao efeito estufa. Qualquer que seja o presidente, ele implementará programas de redução de emissões. Será um rompimento claro com a política da administração Bush.

Originalmente publicado em Época, em 24/07/2008.

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