O educador diz que o celular, os games e a internet isolam os jovens e os impedem de amadurecer
Peter Moon
Os adolescentes são fascinados pelas ferramentas da era digital. Eles não desgrudam do celular, vivem digitando mensagens de texto, passam horas escrevendo em blogs, navegando na web ou absortos nos videogames. Para o americano Mark Bauerlein, de 51 anos, as conseqüências não são boas. No livro The Dumbest Generation (A Geração mais Idiota), Bauerlein, professor da Universidade Emory, em Atlanta, na Geórgia, firma que a nova geração de adolescentes americanos tem mais acesso à informação que qualquer outra antes dela. Mas isso não se reflete em um ganho cultural. O uso incessante dos dispositivos digitais criou um “casulo” em torno dos jovens, que só se relacionam entre si, 24 horas por dia, sete dias por semana. “A falta de contato com os adultos impede os jovens de crescer.”
Peter Moon – O que está errado com os jovens?
Mark Bauerlein – Graças à estabilidade política e ao longo período de prosperidade econômica vivido pelos Estados Unidos, os jovens cresceram sem conhecer a dura realidade de outras partes do mundo, com crises econômicas e políticas, desemprego, e revoluções. A conjunção benéfica de fatores manteve os jovens americanos isolados em um casulo infantil. Quando converso com estrangeiros sobre a nova geração americana, eles me dizem que um americano de 20 anos age como se fosse um adolescente de 14 anos em seus países.
Moon – É por isso que o senhor diz que a nova geração é a mais idiota de todas?
Bauerlein – (Risos.) O título de meu livro é uma provocação. Os jovens de hoje não são menos inteligentes. Ao contrário, em diversos aspectos eles se saem melhor que as gerações anteriores. Eles apresentam maiores índices de ingresso na universidade e menores índices de criminalidade e de gravidez na adolescência. Mas, apesar de ter mais acesso à educação e à informação pela internet, além de mais dinheiro para gastar que qualquer outra geração, eles apresentam índices baixos de conhecimentos gerais e leitura. Os índices de leitura e de compreensão de texto vêm caindo desde o início dos anos 1990. A conclusão é que, apesar do maior acesso às novas tecnologias, não se vê nenhum ganho em termos de apreensão de conhecimento. As coisas estão ficando piores.
Moon – Por quê?
Bauerlein – Os jovens gastam tempo demais nas redes sociais, como o MySpace e o Facebook, ou escrevendo blogs, falando no celular e enviando mensagens de texto. A razão para escrever blogs é falar de si mesmos. A razão para ter um site em uma rede social, falar no celular ou enviar mensagens é manter contato com os amigos. Se usassem essas ferramentas para conhecer mais sobre artes ou História, seria ótimo. Mas o americano de 16 anos não está interessado em história ou política. O americano de 16 anos só está interessado em outros americanos de 16 anos. Não interessa o que aconteceu há 60 anos, na Segunda Guerra Mundial, só o que ocorreu há 15 minutos, na cantina. Não querem saber quem foi Napoleão. Só querem saber do melhor jogador da escola ou da líder da torcida.
Moon – Como era em seu tempo?
Bauerlein – Tenho 51 anos. Quando era adolescente, eu me relacionava com os amigos na escola, almoçava com eles, jogava basquete e ia para casa. Ao cruzar a porta da frente, minha vida social ficava para trás. As meninas passavam muito tempo penduradas no telefone, mas não o dia todo. Éramos obrigados a conversar com nossos pais, ver TV com eles, ouvi-los falar sobre a Guerra do Vietnã e o caso Watergate. Eu também era um idiota aos 16 anos, todos os adolescentes de 16 anos são! Se pudesse me trancar em meu quarto e ligar o computador para olhar as fotos da festa do fim de semana, ou entrar no MSN para escrever fofocas sobre alguma menina, é claro que o faria. Mas eu não tinha essa opção, tinha de me expor ao mundo dos adultos. Hoje, não é assim. Muitos jovens ficam na mesa de jantar teclando mensagens no celular. A vida social dos adolescentes acontece 24 horas por dia, sete dias por semana.
Moon - A solução não seria proibir o uso desses aparelhos em casa?
Bauerlein – Não se pode pô-los de castigo no quarto, pois o quarto, com seu computador, tem todas as conexões com o mundo. Os pais que decidirem tirar o celular das mãos dos filhos não estarão apenas punindo-os. Estarão destruindo seu mundo, banindo seu acesso a uma realidade muito importante para eles. Estarão condenando-os ao exílio social. Ainda assim, de vez em quando isso é saudável. Os jovens precisam conviver com os adultos, precisam conversar com quem tem mais experiência que eles. Isso os ajuda a amadurecer. Ironicamente, os garotos não parecem gostar de viver desse jeito. A primeira coisa que fazem quando saem da aula é ligar o celular e ver se receberam alguma mensagem. Basta olhar a cara deles para notar que não estão felizes, parecem apreensivos, como que pensando: “E se ninguém tiver escrito para mim?”
Moon – O senhor chama os jovens de bibliófobos. Por quê?
Bauerlein – Bibliófobos são pessoas alfabetizadas que escolhem não ler. Fico surpreso ao ver um adolescente lendo um romance num parque. Imagine o que ele poderia estar fazendo... Jogar videogame, escrever um blog, navegar na web. São ações que exigem a leitura rápida de frases curtas em uma tela. Pense num videogame. Ele só existe para estimular os sentidos. Ele fornece todas as imagens. Tudo é muito rápido, para manter o jogador absorto. Ler é demorado, exige imaginação, há palavras desconhecidas. A sensação de tempo decorrido é muito diferente. Pode-se passar duas horas jogando um game e parecer que foram 20 minutos. Mas cinco minutos de leitura podem parecer uma hora. É claro que os adolescentes não gostam de ler! Ler dá trabalho.
Moon – Qual é a conseqüência da falta do hábito da leitura para esta geração?
Bauerlein – Várias aptidões necessárias para a maioria das profissões não são adquiridas jogando games, mas pela leitura. Quem lê livros melhora a compreensão de texto, a redação e enriquece o vocabulário. Uma pesquisa feita em universidades americanas, em 2007, mostrou que dois terços dos professores acham o nível atual dos alunos pior que o de dez anos atrás. Mais de 42% dos ingressantes na faculdade precisam freqüentar aulas de reforço em compreensão de texto, redação e Matemática. Apesar de terem sido aceitos pelas universidades, eles não têm o nível mínimo para freqüentá-las.
Moon – A crítica às novas tecnologias não é a mesma feita contra a televisão?
Bauerlein – Sim. A diferença é que, no passado, os pais podiam restringir o tempo de TV a apenas uma hora, depois do jantar. Com as ferramentas digitais, isso é impossível.
Moon – Como os jovens reagirão se seus pais pararem de pagar suas contas de celular e internet por causa da crise?
Bauerlein – Vão espernear e berrar feito crianças de 2 anos. Mas no fim será bom. Serão obrigados a amadurecer.
Originalmente publicado em Época, em 12/12/2008.
Peter Moon
Os adolescentes são fascinados pelas ferramentas da era digital. Eles não desgrudam do celular, vivem digitando mensagens de texto, passam horas escrevendo em blogs, navegando na web ou absortos nos videogames. Para o americano Mark Bauerlein, de 51 anos, as conseqüências não são boas. No livro The Dumbest Generation (A Geração mais Idiota), Bauerlein, professor da Universidade Emory, em Atlanta, na Geórgia, firma que a nova geração de adolescentes americanos tem mais acesso à informação que qualquer outra antes dela. Mas isso não se reflete em um ganho cultural. O uso incessante dos dispositivos digitais criou um “casulo” em torno dos jovens, que só se relacionam entre si, 24 horas por dia, sete dias por semana. “A falta de contato com os adultos impede os jovens de crescer.”
Peter Moon – O que está errado com os jovens?
Mark Bauerlein – Graças à estabilidade política e ao longo período de prosperidade econômica vivido pelos Estados Unidos, os jovens cresceram sem conhecer a dura realidade de outras partes do mundo, com crises econômicas e políticas, desemprego, e revoluções. A conjunção benéfica de fatores manteve os jovens americanos isolados em um casulo infantil. Quando converso com estrangeiros sobre a nova geração americana, eles me dizem que um americano de 20 anos age como se fosse um adolescente de 14 anos em seus países.
Moon – É por isso que o senhor diz que a nova geração é a mais idiota de todas?
Bauerlein – (Risos.) O título de meu livro é uma provocação. Os jovens de hoje não são menos inteligentes. Ao contrário, em diversos aspectos eles se saem melhor que as gerações anteriores. Eles apresentam maiores índices de ingresso na universidade e menores índices de criminalidade e de gravidez na adolescência. Mas, apesar de ter mais acesso à educação e à informação pela internet, além de mais dinheiro para gastar que qualquer outra geração, eles apresentam índices baixos de conhecimentos gerais e leitura. Os índices de leitura e de compreensão de texto vêm caindo desde o início dos anos 1990. A conclusão é que, apesar do maior acesso às novas tecnologias, não se vê nenhum ganho em termos de apreensão de conhecimento. As coisas estão ficando piores.
Moon – Por quê?
Bauerlein – Os jovens gastam tempo demais nas redes sociais, como o MySpace e o Facebook, ou escrevendo blogs, falando no celular e enviando mensagens de texto. A razão para escrever blogs é falar de si mesmos. A razão para ter um site em uma rede social, falar no celular ou enviar mensagens é manter contato com os amigos. Se usassem essas ferramentas para conhecer mais sobre artes ou História, seria ótimo. Mas o americano de 16 anos não está interessado em história ou política. O americano de 16 anos só está interessado em outros americanos de 16 anos. Não interessa o que aconteceu há 60 anos, na Segunda Guerra Mundial, só o que ocorreu há 15 minutos, na cantina. Não querem saber quem foi Napoleão. Só querem saber do melhor jogador da escola ou da líder da torcida.
Moon – Como era em seu tempo?
Bauerlein – Tenho 51 anos. Quando era adolescente, eu me relacionava com os amigos na escola, almoçava com eles, jogava basquete e ia para casa. Ao cruzar a porta da frente, minha vida social ficava para trás. As meninas passavam muito tempo penduradas no telefone, mas não o dia todo. Éramos obrigados a conversar com nossos pais, ver TV com eles, ouvi-los falar sobre a Guerra do Vietnã e o caso Watergate. Eu também era um idiota aos 16 anos, todos os adolescentes de 16 anos são! Se pudesse me trancar em meu quarto e ligar o computador para olhar as fotos da festa do fim de semana, ou entrar no MSN para escrever fofocas sobre alguma menina, é claro que o faria. Mas eu não tinha essa opção, tinha de me expor ao mundo dos adultos. Hoje, não é assim. Muitos jovens ficam na mesa de jantar teclando mensagens no celular. A vida social dos adolescentes acontece 24 horas por dia, sete dias por semana.
Moon - A solução não seria proibir o uso desses aparelhos em casa?
Bauerlein – Não se pode pô-los de castigo no quarto, pois o quarto, com seu computador, tem todas as conexões com o mundo. Os pais que decidirem tirar o celular das mãos dos filhos não estarão apenas punindo-os. Estarão destruindo seu mundo, banindo seu acesso a uma realidade muito importante para eles. Estarão condenando-os ao exílio social. Ainda assim, de vez em quando isso é saudável. Os jovens precisam conviver com os adultos, precisam conversar com quem tem mais experiência que eles. Isso os ajuda a amadurecer. Ironicamente, os garotos não parecem gostar de viver desse jeito. A primeira coisa que fazem quando saem da aula é ligar o celular e ver se receberam alguma mensagem. Basta olhar a cara deles para notar que não estão felizes, parecem apreensivos, como que pensando: “E se ninguém tiver escrito para mim?”
Moon – O senhor chama os jovens de bibliófobos. Por quê?
Bauerlein – Bibliófobos são pessoas alfabetizadas que escolhem não ler. Fico surpreso ao ver um adolescente lendo um romance num parque. Imagine o que ele poderia estar fazendo... Jogar videogame, escrever um blog, navegar na web. São ações que exigem a leitura rápida de frases curtas em uma tela. Pense num videogame. Ele só existe para estimular os sentidos. Ele fornece todas as imagens. Tudo é muito rápido, para manter o jogador absorto. Ler é demorado, exige imaginação, há palavras desconhecidas. A sensação de tempo decorrido é muito diferente. Pode-se passar duas horas jogando um game e parecer que foram 20 minutos. Mas cinco minutos de leitura podem parecer uma hora. É claro que os adolescentes não gostam de ler! Ler dá trabalho.
Moon – Qual é a conseqüência da falta do hábito da leitura para esta geração?
Bauerlein – Várias aptidões necessárias para a maioria das profissões não são adquiridas jogando games, mas pela leitura. Quem lê livros melhora a compreensão de texto, a redação e enriquece o vocabulário. Uma pesquisa feita em universidades americanas, em 2007, mostrou que dois terços dos professores acham o nível atual dos alunos pior que o de dez anos atrás. Mais de 42% dos ingressantes na faculdade precisam freqüentar aulas de reforço em compreensão de texto, redação e Matemática. Apesar de terem sido aceitos pelas universidades, eles não têm o nível mínimo para freqüentá-las.
Moon – A crítica às novas tecnologias não é a mesma feita contra a televisão?
Bauerlein – Sim. A diferença é que, no passado, os pais podiam restringir o tempo de TV a apenas uma hora, depois do jantar. Com as ferramentas digitais, isso é impossível.
Moon – Como os jovens reagirão se seus pais pararem de pagar suas contas de celular e internet por causa da crise?
Bauerlein – Vão espernear e berrar feito crianças de 2 anos. Mas no fim será bom. Serão obrigados a amadurecer.
Originalmente publicado em Época, em 12/12/2008.
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