Nilton Rennó é um dos líderes da missão Phoenix, enviada a Marte para saber se o planeta já teve condições de abrigar vida – ou, melhor, se ela ainda existe
Peter Moon
A missão espacial phoenix pousou em Marte às 20h30 do domingo 25 de maio de 2008. Foi a primeira sonda a descer perto do pólo norte. Era início da primavera e a temperatura variava entre 73 graus Celsius negativos e 33 graus Celsius negativos, bem mais amena que os 130 graus negativos do inverno. A Phoenix é dotada de um braço-robô de 2,4 metros para escavar o solo e coletar o gelo abaixo da superfície. Ao analisar amostras do solo e do gelo, a equipe de cem pesquisadores quer saber se Marte tem, ou já teve no passado, condições de suportar vida. “O objetivo é chegar até o gelo e estudá-lo para saber se o planeta é habitável”, diz o brasileiro Nilton de Oliveira Rennó, de 48 anos, professor da Universidade de Michigan.
“Mas esse não é o maior sonho da missão. O que ninguém se atreve a dizer é que estamos atrás de vida. Seria fantástico se a gente encontrasse bactérias marcianas.” Rennó coordena a equipe de ciências atmosféricas, uma das quatro da Phoenix, projeto de US$ 420 milhões tocado pela Universidade do Arizona e pela Nasa. “Meu grupo, com 20 cientistas, investiga a interação dos gases com a superfície”, diz o brasileiro. “Vamos estudar os ventos e disparar um laser para medir a poeira na atmosfera.”
Paulista de São José dos Campos, Rennó estudou Engenharia na Unicamp. Mas sua paixão era o vôo a vela. Pilotava planadores em campeonatos no Brasil e no exterior. Numa competição na Alemanha, havia um estande sobre pesquisa espacial. Ao visitá-lo, Rennó descobriu uma nova paixão. “Decidi estudar ciências planetárias.” De volta ao Brasil, ingressou no mestrado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Saiu do país em 1986 para fazer doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). E permaneceu nos Estados Unidos. “Muita gente não gostou que eu fiquei. Mas o que fazer? Não havia pesquisa planetária no Brasil.”
Depois de um pós-doutoramento no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Rennó deu aulas na Universidade do Arizona, onde em 2001 fez parte do grupo que propôs a missão Phoenix. Desde 2002, ele é professor na Universidade de Michigan. “Aqui é superbom. Os alunos são ótimos. Mas é um frio do cão!” Rennó é casado com a brasileira Maria Carmen Lemos, cientista política na universidade. Eles são os pais de Lucas, de 9 anos. “Ele quer ser astrônomo quando crescer. Sabe tudo sobre planetas”, diz o pai.
Em 20 anos nos EUA, Rennó teve alunos de doutorado do Brasil. Mas não conseguiu criar um intercâmbio com a comunidade acadêmica brasileira. “Tentei contato com a Unicamp, o Inpe e o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), mas não houve interesse. Não sei por quê.”
Em 2008, Rennó estava em Tucson, Arizona, no centro de controle da missão Phoenix. Depois, será a vez da Mars Science Laboratory, missão de US$ 2 bilhões planejada para pôr um jipe-robô em Marte. “O jipe será movido a energia nuclear e terá um laboratório para achar vida.”
O primeiro desafio da Phoenix foi pousar em segurança. Apenas cinco das 15 missões enviadas a Marte sobreviveram ao pouso. “Trabalho há sete anos neste projeto. Preciso acreditar que vai dar certo”, diz Rennó. “Mas o risco é muito alto. Serão seis minutos de terror”, referindo-se ao lapso de tempo desde o momento em que a nave entra na atmosfera até estacionar na superfície. Durante 360 segundos, a Phoenix perdeu contato com o centro de controle em Tucson e realizou sozinha as manobras do pouso. Mesmo que se mantivesse o contato, qualquer ajuda terrestre seria inviável, pois um sinal de rádio leva dez minutos até Marte.
A primeira etapa do processo se deu a 125 quilômetros de altitude. Um escudo térmico que lembra cortiça incinerou, impedindo que a nave fosse incinerada ao mergulhar na atmosfera a 20.000 quilômetros por hora. Quando estava a 12,6 quilômetros de altitude e 2.000 quilômetros por hora, abrir um pára-quedas. Finalmente, a 900 metros e a 200 quilômetros por hora, foram ligados os 12 propulsores e o radar para detectar o melhor local de pouso. “É minha parte favorita da missão. Existem 20% de chance de a nave se perder.”
“O que ninguém se atreve a dizer é que estamos atrás de vida. Queremos achar bactérias marcianas”. A busca de evidências de vida em Marte ganhou impulso a partir de 1996, quando um meteorito marciano, achado na Antártica, revelou em seu interior o que seriam microfósseis. A seguir descobriu-se que, ao contrário do deserto gelado atual, Marte era parecido com a Terra há 4 bilhões de anos – quando a vida surgiu em nosso planeta. Naquela época, Marte possuía oceanos e o clima era mais quente. Não se sabe a razão, mas toda aquela água se perdeu, evaporando para o espaço. Sobraram o gelo das calotas polares e aquele aprisionado no subsolo.
“Mas, em nosso planeta, onde existem água e calor há vida. Será que não aconteceu o mesmo em Marte?”, diz Rennó. “A hipótese básica é que, para existir vida, é preciso uma fonte de energia, água corrente e proteção contra a radiação espacial.” Segundo Rennó, no local do pouso o gelo está a menos de 1 metro da superfície, o que fornece proteção contra a radiação. “A 73 graus abaixo de zero, o gelo é mais duro que concreto.” A nave de 350 quilos tem quatro câmeras de vídeo para detectar o melhor local para cavar. Há ainda dois microscópios, um óptico e outro eletrônico. Amostras do solo e do gelo foram analisadas em oito fornos, onde foram aquecidas a 1.000 graus. “A cada temperatura investigaremos os gases liberados à procura de moléculas orgânicas”, afirma Rennó.
A Phoenix decolou em agosto de 2007 e levou dez meses para cobrir os 680 milhões de quilômetros até Marte. “O pouso foi programado para acontecer na primavera no hemisfério norte marciano. Isso é bom porque a missão é movida a energia solar. Ela operou por seis meses, até o fim do verão. Depois chegou o inverno, as temperaturas despencaram e a nave congelou.”
Originalmente publicado em Época, em 16/05/2008.
Peter Moon
A missão espacial phoenix pousou em Marte às 20h30 do domingo 25 de maio de 2008. Foi a primeira sonda a descer perto do pólo norte. Era início da primavera e a temperatura variava entre 73 graus Celsius negativos e 33 graus Celsius negativos, bem mais amena que os 130 graus negativos do inverno. A Phoenix é dotada de um braço-robô de 2,4 metros para escavar o solo e coletar o gelo abaixo da superfície. Ao analisar amostras do solo e do gelo, a equipe de cem pesquisadores quer saber se Marte tem, ou já teve no passado, condições de suportar vida. “O objetivo é chegar até o gelo e estudá-lo para saber se o planeta é habitável”, diz o brasileiro Nilton de Oliveira Rennó, de 48 anos, professor da Universidade de Michigan.
Rennó, o líder da missão Phoenix, sonha com vida alienígena |
Paulista de São José dos Campos, Rennó estudou Engenharia na Unicamp. Mas sua paixão era o vôo a vela. Pilotava planadores em campeonatos no Brasil e no exterior. Numa competição na Alemanha, havia um estande sobre pesquisa espacial. Ao visitá-lo, Rennó descobriu uma nova paixão. “Decidi estudar ciências planetárias.” De volta ao Brasil, ingressou no mestrado no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Saiu do país em 1986 para fazer doutorado no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT). E permaneceu nos Estados Unidos. “Muita gente não gostou que eu fiquei. Mas o que fazer? Não havia pesquisa planetária no Brasil.”
Depois de um pós-doutoramento no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), Rennó deu aulas na Universidade do Arizona, onde em 2001 fez parte do grupo que propôs a missão Phoenix. Desde 2002, ele é professor na Universidade de Michigan. “Aqui é superbom. Os alunos são ótimos. Mas é um frio do cão!” Rennó é casado com a brasileira Maria Carmen Lemos, cientista política na universidade. Eles são os pais de Lucas, de 9 anos. “Ele quer ser astrônomo quando crescer. Sabe tudo sobre planetas”, diz o pai.
A sonda Phoenix, da Nasa, que pousou em Marte em 2008 |
Em 2008, Rennó estava em Tucson, Arizona, no centro de controle da missão Phoenix. Depois, será a vez da Mars Science Laboratory, missão de US$ 2 bilhões planejada para pôr um jipe-robô em Marte. “O jipe será movido a energia nuclear e terá um laboratório para achar vida.”
O primeiro desafio da Phoenix foi pousar em segurança. Apenas cinco das 15 missões enviadas a Marte sobreviveram ao pouso. “Trabalho há sete anos neste projeto. Preciso acreditar que vai dar certo”, diz Rennó. “Mas o risco é muito alto. Serão seis minutos de terror”, referindo-se ao lapso de tempo desde o momento em que a nave entra na atmosfera até estacionar na superfície. Durante 360 segundos, a Phoenix perdeu contato com o centro de controle em Tucson e realizou sozinha as manobras do pouso. Mesmo que se mantivesse o contato, qualquer ajuda terrestre seria inviável, pois um sinal de rádio leva dez minutos até Marte.
A primeira etapa do processo se deu a 125 quilômetros de altitude. Um escudo térmico que lembra cortiça incinerou, impedindo que a nave fosse incinerada ao mergulhar na atmosfera a 20.000 quilômetros por hora. Quando estava a 12,6 quilômetros de altitude e 2.000 quilômetros por hora, abrir um pára-quedas. Finalmente, a 900 metros e a 200 quilômetros por hora, foram ligados os 12 propulsores e o radar para detectar o melhor local de pouso. “É minha parte favorita da missão. Existem 20% de chance de a nave se perder.”
“O que ninguém se atreve a dizer é que estamos atrás de vida. Queremos achar bactérias marcianas”. A busca de evidências de vida em Marte ganhou impulso a partir de 1996, quando um meteorito marciano, achado na Antártica, revelou em seu interior o que seriam microfósseis. A seguir descobriu-se que, ao contrário do deserto gelado atual, Marte era parecido com a Terra há 4 bilhões de anos – quando a vida surgiu em nosso planeta. Naquela época, Marte possuía oceanos e o clima era mais quente. Não se sabe a razão, mas toda aquela água se perdeu, evaporando para o espaço. Sobraram o gelo das calotas polares e aquele aprisionado no subsolo.
“Mas, em nosso planeta, onde existem água e calor há vida. Será que não aconteceu o mesmo em Marte?”, diz Rennó. “A hipótese básica é que, para existir vida, é preciso uma fonte de energia, água corrente e proteção contra a radiação espacial.” Segundo Rennó, no local do pouso o gelo está a menos de 1 metro da superfície, o que fornece proteção contra a radiação. “A 73 graus abaixo de zero, o gelo é mais duro que concreto.” A nave de 350 quilos tem quatro câmeras de vídeo para detectar o melhor local para cavar. Há ainda dois microscópios, um óptico e outro eletrônico. Amostras do solo e do gelo foram analisadas em oito fornos, onde foram aquecidas a 1.000 graus. “A cada temperatura investigaremos os gases liberados à procura de moléculas orgânicas”, afirma Rennó.
A Phoenix decolou em agosto de 2007 e levou dez meses para cobrir os 680 milhões de quilômetros até Marte. “O pouso foi programado para acontecer na primavera no hemisfério norte marciano. Isso é bom porque a missão é movida a energia solar. Ela operou por seis meses, até o fim do verão. Depois chegou o inverno, as temperaturas despencaram e a nave congelou.”
Originalmente publicado em Época, em 16/05/2008.
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