A grande história da evolução mostra a semelhança que guardamos com todos os seres vivos
Peter Moon
Sem modéstia, boa parte dos Homo sapiens – e a quase totalidade dos religiosos – se enxerga ocupando o cume deste monte improvável, o topo da cadeia evolutiva. Mas, do ponto de vista biológico, sobreviver não significa melhorar. É nessa tecla que bate insistentemente o grande biólogo evolutivo inglês Richard Dawkins, de 69 anos, ao longo de seu surpreendente e enciclopédico A Grande história da evolução – na trilha dos nossos ancestrais (Companhia das Letras, 760 páginas, R$ 59).
Nossos ancestrais não foram sorteados para transpor os obstáculos da escalada “evolutiva”, até abrir uma vantagem inalcançável em relação ao resto do bioma terrestre. Essa visão da história da vida centrada no umbigo humano não é científica. Resulta de uma angústia intolerável, para não dizer irracional, em aceitar o fato de que não somos predestinados a dominar o planeta – a “falsa medida do homem”, como dizia o paleontólogo americano Stephen Jay Gould (1941-2002). O homem é um macaco nu, bípede, que pensa, fala e vive na Terra há apenas 200 mil anos.
Ateu panfletário, Dawkins alcançou fama em 1976, ao publicar O gene egoísta. Professor aposentado da cadeira de Divulgação Científica da Universidade de Oxford, Dawkins é um defensor ferrenho da imparcialidade absoluta – ou seria absolutista? – dos genes. Aos genes só interessa sobreviver para ser transmitidos de uma geração a outra. Os seres vivos seriam um mero meio de transporte. A visão de Dawkins parece ser muito determinista. E é mesmo! Porém, é essencialmente correta. Sem ela, de que outra forma poderia se entender por que os genomas do homem e do camundongo compartilham 80% de seus genes, apesar de o ancestral comum das duas espécies ter vivido há 60 milhões de anos?
Em seu livro, publicado originalmente em 2004 sob o título The ancestor’s tale – A pilgrimage to the dawn of life (O conto do ancestral – Uma peregrinação à aurora da vida), Dawkins encontrou uma forma de mostrar as semelhanças que guardamos com todos os seres vivos. Ele compôs um painel retroativo da história da vida. Começa no homem e vai passando por nossos principais ancestrais, até chegar ao ancestral universal comum (que fica na base da árvore da vida imaginada por Darwin).
Se a medida do sucesso de uma espécie é a duração de sua sobrevivência, elefantes e paquidermes diversos são mais “evoluídos” que nós, pois vêm se adaptando ao planeta nos últimos 20 milhões de anos. Já avestruzes africanos, emas sul-americanas e emus australianos habitam continentes distantes. Mas pouco mudaram desde que seu ancestral comum habitou o antigo supercontinente de Gondwana, há 100 milhões de anos. Pela mesma época, as regiões tropicais eram povoadas por crocodilos, como hoje. Os dinossauros, seus contemporâneos, se extinguiram, enquanto os jacarés persistem.
Recuando um pouco mais no passado, até um tempo anterior aos dinossauros, há mais de 300 milhões de anos, havia um único continente: Pangea. Ele era coberto por florestas. Não havia flores (elas surgiriam muito depois). As maiores árvores eram araucárias e samambaias. Sim, samambaias com dezenas de metros de altura. Em sua volta, pairavam libélulas – com asas de 2 metros de envergadura. Araucárias, samambaias e libélulas ainda existem. Araucárias continuam frondosas. Samambaias e libélulas reduziram de tamanho. Só isso.
Há 400 milhões de anos, os continentes eram mortos. Vida só havia nos mares, onde reinavam os tubarões, máquinas biológicas de matar cujo projeto é tão perfeito que resiste inalterado. Antes dos tubarões, o domínio dos oceanos era das águas-vivas. Antes delas, era das algas, surgidas há 2,5 bilhões de anos. As formas de vida mais antigas são as bactérias. Têm mais de 3 bilhões de anos. Talvez a única vantagem dos seres humanos sobre as bactérias seja mais um trunfo de Dawkins: não se sabe de uma bactéria que tenha escrito uma história tão fascinante.
Peter Moon
Dois erros frequentes ocorrem quando o assunto é o mecanismo da seleção natural, a teoria formulada por Charles Darwin há 150 anos. O primeiro decorre do uso indevido da palavra evolução para definir o processo pelo qual as espécies se adaptam às alterações do meio ambiente – e sobrevivem – ou não se adaptam e desaparecem. O termo evolução não aparece em nenhuma página das seis edições corrigidas em vida por Darwin de A origem das espécies. Ele jamais escreveu tal palavra. O termo usado por Darwin foi adaptação. O segundo erro deriva do primeiro. A palavra evolução carrega consigo a ideia de progresso. Assim, a “marcha de evolução” seria uma forma de qualificar os seres vivos, classificando-os em uma corrente biológica que ascende irresistivelmente desde priscas eras até atingir seu ápice.
Sem modéstia, boa parte dos Homo sapiens – e a quase totalidade dos religiosos – se enxerga ocupando o cume deste monte improvável, o topo da cadeia evolutiva. Mas, do ponto de vista biológico, sobreviver não significa melhorar. É nessa tecla que bate insistentemente o grande biólogo evolutivo inglês Richard Dawkins, de 69 anos, ao longo de seu surpreendente e enciclopédico A Grande história da evolução – na trilha dos nossos ancestrais (Companhia das Letras, 760 páginas, R$ 59).
Nossos ancestrais não foram sorteados para transpor os obstáculos da escalada “evolutiva”, até abrir uma vantagem inalcançável em relação ao resto do bioma terrestre. Essa visão da história da vida centrada no umbigo humano não é científica. Resulta de uma angústia intolerável, para não dizer irracional, em aceitar o fato de que não somos predestinados a dominar o planeta – a “falsa medida do homem”, como dizia o paleontólogo americano Stephen Jay Gould (1941-2002). O homem é um macaco nu, bípede, que pensa, fala e vive na Terra há apenas 200 mil anos.
Ateu panfletário, Dawkins alcançou fama em 1976, ao publicar O gene egoísta. Professor aposentado da cadeira de Divulgação Científica da Universidade de Oxford, Dawkins é um defensor ferrenho da imparcialidade absoluta – ou seria absolutista? – dos genes. Aos genes só interessa sobreviver para ser transmitidos de uma geração a outra. Os seres vivos seriam um mero meio de transporte. A visão de Dawkins parece ser muito determinista. E é mesmo! Porém, é essencialmente correta. Sem ela, de que outra forma poderia se entender por que os genomas do homem e do camundongo compartilham 80% de seus genes, apesar de o ancestral comum das duas espécies ter vivido há 60 milhões de anos?
Em seu livro, publicado originalmente em 2004 sob o título The ancestor’s tale – A pilgrimage to the dawn of life (O conto do ancestral – Uma peregrinação à aurora da vida), Dawkins encontrou uma forma de mostrar as semelhanças que guardamos com todos os seres vivos. Ele compôs um painel retroativo da história da vida. Começa no homem e vai passando por nossos principais ancestrais, até chegar ao ancestral universal comum (que fica na base da árvore da vida imaginada por Darwin).
Se a medida do sucesso de uma espécie é a duração de sua sobrevivência, elefantes e paquidermes diversos são mais “evoluídos” que nós, pois vêm se adaptando ao planeta nos últimos 20 milhões de anos. Já avestruzes africanos, emas sul-americanas e emus australianos habitam continentes distantes. Mas pouco mudaram desde que seu ancestral comum habitou o antigo supercontinente de Gondwana, há 100 milhões de anos. Pela mesma época, as regiões tropicais eram povoadas por crocodilos, como hoje. Os dinossauros, seus contemporâneos, se extinguiram, enquanto os jacarés persistem.
Recuando um pouco mais no passado, até um tempo anterior aos dinossauros, há mais de 300 milhões de anos, havia um único continente: Pangea. Ele era coberto por florestas. Não havia flores (elas surgiriam muito depois). As maiores árvores eram araucárias e samambaias. Sim, samambaias com dezenas de metros de altura. Em sua volta, pairavam libélulas – com asas de 2 metros de envergadura. Araucárias, samambaias e libélulas ainda existem. Araucárias continuam frondosas. Samambaias e libélulas reduziram de tamanho. Só isso.
Há 400 milhões de anos, os continentes eram mortos. Vida só havia nos mares, onde reinavam os tubarões, máquinas biológicas de matar cujo projeto é tão perfeito que resiste inalterado. Antes dos tubarões, o domínio dos oceanos era das águas-vivas. Antes delas, era das algas, surgidas há 2,5 bilhões de anos. As formas de vida mais antigas são as bactérias. Têm mais de 3 bilhões de anos. Talvez a única vantagem dos seres humanos sobre as bactérias seja mais um trunfo de Dawkins: não se sabe de uma bactéria que tenha escrito uma história tão fascinante.
Originalmente publicado em Época, em 29/05/2009.
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