Um astrofísico de renome mundial explica por que podemos ser descendentes de bactérias alienígenas
Peter Moon
O oxigênio do ar que respiramos e da água que bebemos, o silício dos chips, o urânio das bombas, quase todos os elementos químicos foram forjados na fornalha de estrelas que explodiram há bilhões de anos, espalhando nuvens de detritos pela Via Láctea. Há 4,5 bilhões de anos, nuvens coalesceram para formar o Sistema Solar. Tão logo a Terra surgiu, a vida fincou raízes. Mas seria a vida exclusividade terrestre? Descobertas recentes mostram que não. Mais de 400 moléculas orgânicas foram detectadas em nuvens a milhões de anos-luz da Terra. “Como surgiram e foram parar lá?”, pergunta o cingalês Chandra Wickramasinghe. “Para a Igreja do tempo de Copérnico e Galileu, a Terra era o centro do Universo. No século XXI, ainda não enxergamos o óbvio: a vida veio do espaço. Nossos ancestrais são vírus alienígenas.”
QUEM É
Vidya Jothi Nalin Chandra Wickramasinghe, de 71 anos, nasceu no Sri Lanka. É professor de matemática e astronomia da Universidade de Cardiff, no Reino Unido
O QUE FEZ
Ao lado do astrônomo inglês Sir Fred Hoyle (1915–2001), desenvolveu a teoria da panspermia, segundo a qual a vida na Terra foi disseminada do espaço
O QUE FAZ
Wickramasinghe estuda meios para detectar sinais de vida no espaço
Peter Moon – Por que o senhor afirma que a vida veio do espaço?
Chandra Wickramasinghe – Há mais de 30 anos, o astrônomo Fred Hoyle e eu começamos a afirmar que a origem da vida estaria no espaço. A simples menção dessa teoria gerava reações de ultraje na comunidade científica. Nos anos 70, dada a ausência de evidências concretas, nossa teoria era baseada em argumentos hipotéticos. Mas, de lá para cá, tudo mudou. Para minha surpresa, de quase todos os ramos da ciência, da biologia, da geologia e da astronomia surgiu uma quantidade impressionante de evidências a favor da vida no espaço. Aos poucos foi emergindo um cenário irrefutável de nossa ancestralidade alienígena. Hoje, ela está praticamente provada. Só falta começar a ser discutida séria e abertamente dentro da academia e pela sociedade. É hora de abandonarmos a ideia de que estamos sozinhos no cosmo.
Moon – Quais são as evidências de nossa ancestralidade cósmica?
Wickramasinghe – Os radioastrônomos detectaram mais de 400 moléculas orgânicas no espaço, em luas de Júpiter e Saturno ou em nuvens no espaço interestelar a anos-luz de distância. Como essas moléculas foram criadas? Como foram parar em locais tão distantes da galáxia? Na natureza só existe um processo conhecido capaz de criar compostos orgânicos. Seu nome é vida. O fato de vivermos na Terra e estarmos cercados por vida não implica a vida ser exclusividade terrestre.
Moon – Quais são as outras evidências?
Wickramasinghe – A Terra é constantemente bombardeada por meteoritos – e no interior deles há moléculas orgânicas. Daí a importância do anúncio, em 1996, da descoberta na Antártica de um meteorito marciano com traços microscópicos que lembrariam fósseis – o que ainda não foi provado. A partir daí foram achadas dezenas de meteoritos marcianos na Antártica, provando que a troca de matéria entre os dois planetas é corriqueira e acontece desde a formação do Sistema Solar há 4,5 bilhões de anos. Se hoje não há vida em Marte – ou ela ainda não foi encontrada –, não significa que não tenha existido no passado e fecundado a Terra.
Moon – A vida na Terra veio de Marte?
Wickramasinghe – Pode ser, a hipótese não está descartada. Mas a comprovação de que a Terra e Marte não são ecossistemas inteiramente separados tem implicações muito maiores. Até 1993, conheciam-se apenas os nove planetas do Sistema Solar. De lá para cá, foram detectados outros 429 planetas, todos extrassolares, orbitando 362 estrelas na Via Láctea. Conclui-se que a formação de sistemas planetários é a regra, não a exceção. Em 4,5 bilhões de anos, o Sistema Solar teve tempo suficiente para trocar matéria e vida com sistemas extrassolares. O Sistema Solar não pode ser considerado desconectado do resto da galáxia.
Moon – A vida pode sobreviver a uma viagem pelo vácuo espacial?
Wickramasinghe – Para resistir a uma viagem entre Marte e a Terra a bordo de um meteorito, uma bactéria precisa satisfazer certas condições. Ela precisa entrar num estado de dormência por milhões de anos. Também precisa suportar tanto o frio intenso do vácuo espacial quanto o calor intenso da entrada na atmosfera. Sobretudo, a bactéria deve sobreviver ao bombardeio de raios cósmicos que destrói as moléculas de DNA, a base da vida na Terra. Um pilar da astrobiologia – a ciência que busca evidências de vida no espaço – é achar aqui na Terra espécies que vivem em condições extremas, os “extremófilos”. Não importa onde se investigue, seja em gêiseres com água em ebulição ou em lagos corrosivos ácidos ou alcalinos, seja sob a pressão esmagadora do fundo dos mares, em rochas a 2 quilômetros de profundidade, ou no deserto polar: cada nicho ecológico estudado, por mais inóspito, tem seu extremófilo. A vida sempre acha formas de se adaptar e proliferar.
Moon – Como as bactérias podem hibernar por milhões de anos?
Wickramasinghe – Em 1995, pesquisadores ressuscitaram os esporos de uma bactéria extraída de uma abelha extinta, aprisionada numa pedra de âmbar havia 25 milhões de anos. Em 2000, outra equipe isolou e reviveu as bactérias que estavam havia 250 milhões de anos dentro de um cristal. Por que o mesmo não poderia acontecer com os esporos num meteorito?
Moon – E como os esporos sobreviveriam à radiação cósmica?
Wickramasinghe – O melhor exemplo é a bactéria Deinococcus radiodurans. Ela foi descoberta nos anos 50, quando se usaram raios gama para esterilizar comida enlatada. As latas foram submetidas a uma dose radioativa letal a qualquer forma de vida. Ao analisar as latas, descobriu-se que uma bactéria permanecia ilesa, a radiodurans (ou resistente à radiação). Há dois meses, descobriu-se que a radiodurans é como a fênix, a ave lendária que renasce das próprias cinzas. Como toda forma de vida, a radiodurans tem seu DNA fragmentado ao ser submetida à radiação intensa. Mas as semelhanças param aí. A radiodurans tem a extraordinária capacidade de remontar sua molécula de DNA. Três a quatro horas após o banho de radiação, todos os fragmentos estão no lugar, o DNA está intacto e a bactéria volta a viver como se nada tivesse acontecido. A radiodurans é a candidata ideal para viajar no espaço.
Moon – Quando e onde surgiu a vida?
Wickramasinghe – Prefiro começar a reponder dizendo como a vida não surgiu. A vida na Terra não surgiu “em algum pequeno lago tépido, com todo tipo de amônia, sais fosforosos, luz, calor, eletricidade”, como Charles Darwin propôs numa famosa carta de 1871. A vida também não surgiu em uma sopa primordial, como aquela celebrizada pela famosa experiência de 1952, quando biólogos da Universidade de Chicago aplicaram uma corrente elétrica no interior de um globo de vidro com água, metano, amônia e hidrogênio, os compostos que formariam a atmosfera da Terra primitiva. Após um mês de descargas elétricas, reações químicas cobriram as paredes do vidro com moléculas orgânicas. Ao transformar compostos inorgânicos em orgânicos, o experimento se tornou por meio século o modelo de como teria surgido a vida no planeta. Hoje se sabe que aquelas condições não são suficientes. A vida não depende da existência de moléculas orgânicas. Ela depende do arranjo dessas moléculas.
Moon – Afinal, quando e onde o arranjo original teve lugar?
Wickramasinghe – Ao olhar a imensidão do cosmo, com trilhões de galáxias, cada uma com trilhões de estrelas e planetas, as chances de a vida ter surgido na Terra são grotescamente ínfimas. O argumento também vale para o Sistema Solar. A vida o antecede. Ela talvez anteceda até mesmo a Via Láctea, que tem 12 bilhões de anos. De qualquer forma, a vida deve estar espalhada pela galáxia. Muito provavelmente, foi introduzida na Terra pelo impacto de cometas e asteroides no período hadeano, entre 4,5 bilhões e 3,8 bilhões de anos, a idade das rochas mais antigas que se conhecem.
Publicado originalmente em Época, em 31/03/2010
Peter Moon
O oxigênio do ar que respiramos e da água que bebemos, o silício dos chips, o urânio das bombas, quase todos os elementos químicos foram forjados na fornalha de estrelas que explodiram há bilhões de anos, espalhando nuvens de detritos pela Via Láctea. Há 4,5 bilhões de anos, nuvens coalesceram para formar o Sistema Solar. Tão logo a Terra surgiu, a vida fincou raízes. Mas seria a vida exclusividade terrestre? Descobertas recentes mostram que não. Mais de 400 moléculas orgânicas foram detectadas em nuvens a milhões de anos-luz da Terra. “Como surgiram e foram parar lá?”, pergunta o cingalês Chandra Wickramasinghe. “Para a Igreja do tempo de Copérnico e Galileu, a Terra era o centro do Universo. No século XXI, ainda não enxergamos o óbvio: a vida veio do espaço. Nossos ancestrais são vírus alienígenas.”
QUEM É
Vidya Jothi Nalin Chandra Wickramasinghe, de 71 anos, nasceu no Sri Lanka. É professor de matemática e astronomia da Universidade de Cardiff, no Reino Unido
O QUE FEZ
Ao lado do astrônomo inglês Sir Fred Hoyle (1915–2001), desenvolveu a teoria da panspermia, segundo a qual a vida na Terra foi disseminada do espaço
O QUE FAZ
Wickramasinghe estuda meios para detectar sinais de vida no espaço
Peter Moon – Por que o senhor afirma que a vida veio do espaço?
Chandra Wickramasinghe – Há mais de 30 anos, o astrônomo Fred Hoyle e eu começamos a afirmar que a origem da vida estaria no espaço. A simples menção dessa teoria gerava reações de ultraje na comunidade científica. Nos anos 70, dada a ausência de evidências concretas, nossa teoria era baseada em argumentos hipotéticos. Mas, de lá para cá, tudo mudou. Para minha surpresa, de quase todos os ramos da ciência, da biologia, da geologia e da astronomia surgiu uma quantidade impressionante de evidências a favor da vida no espaço. Aos poucos foi emergindo um cenário irrefutável de nossa ancestralidade alienígena. Hoje, ela está praticamente provada. Só falta começar a ser discutida séria e abertamente dentro da academia e pela sociedade. É hora de abandonarmos a ideia de que estamos sozinhos no cosmo.
Moon – Quais são as evidências de nossa ancestralidade cósmica?
Wickramasinghe – Os radioastrônomos detectaram mais de 400 moléculas orgânicas no espaço, em luas de Júpiter e Saturno ou em nuvens no espaço interestelar a anos-luz de distância. Como essas moléculas foram criadas? Como foram parar em locais tão distantes da galáxia? Na natureza só existe um processo conhecido capaz de criar compostos orgânicos. Seu nome é vida. O fato de vivermos na Terra e estarmos cercados por vida não implica a vida ser exclusividade terrestre.
Moon – Quais são as outras evidências?
Wickramasinghe – A Terra é constantemente bombardeada por meteoritos – e no interior deles há moléculas orgânicas. Daí a importância do anúncio, em 1996, da descoberta na Antártica de um meteorito marciano com traços microscópicos que lembrariam fósseis – o que ainda não foi provado. A partir daí foram achadas dezenas de meteoritos marcianos na Antártica, provando que a troca de matéria entre os dois planetas é corriqueira e acontece desde a formação do Sistema Solar há 4,5 bilhões de anos. Se hoje não há vida em Marte – ou ela ainda não foi encontrada –, não significa que não tenha existido no passado e fecundado a Terra.
Moon – A vida na Terra veio de Marte?
Wickramasinghe – Pode ser, a hipótese não está descartada. Mas a comprovação de que a Terra e Marte não são ecossistemas inteiramente separados tem implicações muito maiores. Até 1993, conheciam-se apenas os nove planetas do Sistema Solar. De lá para cá, foram detectados outros 429 planetas, todos extrassolares, orbitando 362 estrelas na Via Láctea. Conclui-se que a formação de sistemas planetários é a regra, não a exceção. Em 4,5 bilhões de anos, o Sistema Solar teve tempo suficiente para trocar matéria e vida com sistemas extrassolares. O Sistema Solar não pode ser considerado desconectado do resto da galáxia.
Moon – A vida pode sobreviver a uma viagem pelo vácuo espacial?
Wickramasinghe – Para resistir a uma viagem entre Marte e a Terra a bordo de um meteorito, uma bactéria precisa satisfazer certas condições. Ela precisa entrar num estado de dormência por milhões de anos. Também precisa suportar tanto o frio intenso do vácuo espacial quanto o calor intenso da entrada na atmosfera. Sobretudo, a bactéria deve sobreviver ao bombardeio de raios cósmicos que destrói as moléculas de DNA, a base da vida na Terra. Um pilar da astrobiologia – a ciência que busca evidências de vida no espaço – é achar aqui na Terra espécies que vivem em condições extremas, os “extremófilos”. Não importa onde se investigue, seja em gêiseres com água em ebulição ou em lagos corrosivos ácidos ou alcalinos, seja sob a pressão esmagadora do fundo dos mares, em rochas a 2 quilômetros de profundidade, ou no deserto polar: cada nicho ecológico estudado, por mais inóspito, tem seu extremófilo. A vida sempre acha formas de se adaptar e proliferar.
Moon – Como as bactérias podem hibernar por milhões de anos?
Wickramasinghe – Em 1995, pesquisadores ressuscitaram os esporos de uma bactéria extraída de uma abelha extinta, aprisionada numa pedra de âmbar havia 25 milhões de anos. Em 2000, outra equipe isolou e reviveu as bactérias que estavam havia 250 milhões de anos dentro de um cristal. Por que o mesmo não poderia acontecer com os esporos num meteorito?
Moon – E como os esporos sobreviveriam à radiação cósmica?
Wickramasinghe – O melhor exemplo é a bactéria Deinococcus radiodurans. Ela foi descoberta nos anos 50, quando se usaram raios gama para esterilizar comida enlatada. As latas foram submetidas a uma dose radioativa letal a qualquer forma de vida. Ao analisar as latas, descobriu-se que uma bactéria permanecia ilesa, a radiodurans (ou resistente à radiação). Há dois meses, descobriu-se que a radiodurans é como a fênix, a ave lendária que renasce das próprias cinzas. Como toda forma de vida, a radiodurans tem seu DNA fragmentado ao ser submetida à radiação intensa. Mas as semelhanças param aí. A radiodurans tem a extraordinária capacidade de remontar sua molécula de DNA. Três a quatro horas após o banho de radiação, todos os fragmentos estão no lugar, o DNA está intacto e a bactéria volta a viver como se nada tivesse acontecido. A radiodurans é a candidata ideal para viajar no espaço.
Moon – Quando e onde surgiu a vida?
Wickramasinghe – Prefiro começar a reponder dizendo como a vida não surgiu. A vida na Terra não surgiu “em algum pequeno lago tépido, com todo tipo de amônia, sais fosforosos, luz, calor, eletricidade”, como Charles Darwin propôs numa famosa carta de 1871. A vida também não surgiu em uma sopa primordial, como aquela celebrizada pela famosa experiência de 1952, quando biólogos da Universidade de Chicago aplicaram uma corrente elétrica no interior de um globo de vidro com água, metano, amônia e hidrogênio, os compostos que formariam a atmosfera da Terra primitiva. Após um mês de descargas elétricas, reações químicas cobriram as paredes do vidro com moléculas orgânicas. Ao transformar compostos inorgânicos em orgânicos, o experimento se tornou por meio século o modelo de como teria surgido a vida no planeta. Hoje se sabe que aquelas condições não são suficientes. A vida não depende da existência de moléculas orgânicas. Ela depende do arranjo dessas moléculas.
Moon – Afinal, quando e onde o arranjo original teve lugar?
Wickramasinghe – Ao olhar a imensidão do cosmo, com trilhões de galáxias, cada uma com trilhões de estrelas e planetas, as chances de a vida ter surgido na Terra são grotescamente ínfimas. O argumento também vale para o Sistema Solar. A vida o antecede. Ela talvez anteceda até mesmo a Via Láctea, que tem 12 bilhões de anos. De qualquer forma, a vida deve estar espalhada pela galáxia. Muito provavelmente, foi introduzida na Terra pelo impacto de cometas e asteroides no período hadeano, entre 4,5 bilhões e 3,8 bilhões de anos, a idade das rochas mais antigas que se conhecem.
Publicado originalmente em Época, em 31/03/2010
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