John Galliano: O escândalo do estilista

Galliano fez sucesso com a provocação. Ao dizer que ama Hitler, passou do limite


Peter Moon


Juan Carlos Antonio Galliano nasceu em 1960 em Gibraltar, a possessão britânica na boca do Mediterrâneo. Filho de pai inglês e mãe andaluz, cresceu como John, em Londres. Em 1984, se formou na conceituada Escola de Arte e Design da Universidade de Artes de Londres. Seu trabalho de conclusão de curso era criar um desfile de moda. Em meados dos anos 1980, os desfiles ocorriam à meia-luz, eram sóbrios e requintados. Na indústria da moda imperava o minimalismo de Kenzo e dos estilistas japoneses, que servia de inspiração aos estilistas das grandes maisons parisienses. A alta-costura de 1984 era a antítese de tudo em que Galliano acreditava. Aos 24 anos, ele era punk, exibicionista e adorava chocar. Galliano imaginava desfiles como Steven Spielberg imagina seus filmes – como espetáculos de ação, suspense e efeitos especiais. Em seu desfile de conclusão de curso, fez uma amiga desfilar com um galho de árvore pendurado na cabeça. Nas mãos, segurava um carapau. O peixe estava morto, mas não fedia. O desfile foi um sucesso e convenceu Galliano de que o bizarro – até mesmo o infame – vendia. Desde então, ele nunca vacilou. Em 1990, mudou-se para Paris. Em 1995, tornou-se estilista da Givenchy. Em 1997, diretor de criação da Dior. Cada um de seus desfiles é um espetáculo. Cada nova coleção é apresentada em palcos onde voam trapezistas, modelos vestidas de colegiais safadas rebolam pela passarela piscando e mandando beijinhos para o público, monges shaolins vindos da China lutam espadas, sem falar nas freiras sadomasoquistas desfilando com salto agulha, látex, chicotes e cordas.


A falta de cerimônia com que Galliano, de 50 anos, ignorava as convenções e desconhecia tabus parecia não conhecer limites. Mas limites existem, dentro e fora da passarela, e Galliano ultrapassou-os na semana passada. Em 24 de fevereiro, ele foi acusado de fazer declarações antissemitas no Café La Perle, em Paris. Acabou a noite numa delegacia prestando depoimento. Sua advogada admitiu que Galliano encontrava-se “alterado”, mas disse que “jamais proferiu tais insultos”. Não era a primeira vez que o estilista era acusado de declarações de ódio. Em outubro, uma cliente do La Perle havia ido à delegacia acusá-lo de ofensas semelhantes. Por causa da reincidência, a Dior decidiu suspender Galliano.


No dia 27, o site do tabloide inglês The Sun publicou um vídeo gravado em 12 de dezembro no mesmo café, no qual Galliano faz declarações antissemitas a um casal. “Pessoas como vocês deveriam morrer”, diz o estilista, visivelmente alcoolizado. “As suas mães, os seus ancestrais”... deveriam ir à “câmara de gás.” Acrescentou: “Eu adoro Hitler”. No dia seguinte, Galliano já não tinha emprego.


A atriz Natalie Portman é a garota-propaganda dos perfumes Dior. Apesar do contrato que a obriga a vestir a marca em aparições públicas, Portman, que é judia e nasceu em Jerusalém, recebeu o Oscar de Melhor Atriz por sua atuação em Cisne negro usando um vestido da casa Rodarte. Ela disse estar chocada e desgostosa. “Como alguém que se orgulha de ser judia, não estarei mais associada a Galliano de forma nenhuma.” O estilista italiano Giorgio Armani disse sentir “pena” do colega e esboçou uma defesa ao dizer que “o vídeo foi gravado sem sua autorização”.


As imagens de Galliano declarando amor a Hitler chocaram mais que a pirotecnia mais ousada de seus desfiles. Sua carreira estará encerrada? É cedo para dizer. Na quarta-feira passada ele pediu “sinceras desculpas” e afirmou que procuraria ajuda profissional (pessoas próximas à Dior dizem que a culpa é do alcoolismo). A lei francesa pune declarações antissemitas, e Galliano poderá pegar até seis meses de prisão. Galliano se tornou um ícone das passarelas por conseguir equilibrar selvageria e refinamento. No café La Perle, sobrou selvageria. Ele agora vai precisar de muito refinamento.


Publicado originalmente em Época, em 02/03/2011

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