Biólogos descobrem na Paraíba macacos que fazem espetos para fisgar insetos. Só os chimpanzés – e humanos – sabem usar ferramentas desse modo
Peter Moon
Em 1500, a Mata Atlântica cobria todo o litoral nordestino. Hoje o que sobrou é a Zona da Mata. De mata só tem o nome. É um mar de canaviais pontilhados por fragmentos da floresta. Uma dessas ilhas fica em Barra de Mamanguape, no litoral da Paraíba. Lá vive um bando de macacos-pregos-galegos (Cebus flavius): uma fêmea, um filhote e quatro machos. Eles vivem em árvores e raramente descem ao solo. Comem frutas e insetos. Três machos gostam de comer cupins. Para satisfazer seu apetite, usam uma técnica sofisticada. Eles escolhem um graveto reto e resistente. Arrancam qualquer imperfeição. O resultado é uma vara de pescar cupins. Aí começa a “pescaria”.
O macaco senta ante o cupinzeiro, enrola a cauda no tronco e segura o espeto na mão direita. Não o usa como uma picareta para abrir um buraco no cupinzeiro. É um instrumento de precisão. O macaco segura o espeto na posição horizontal e o empurra, girando como uma chave de fenda. Em menos de um minuto o espeto entra 10 centímetros. É retirado cheio de cupins, prontamente devorados. “O procedimento é repetido três ou quatro vezes. É um comportamento fascinante”, diz o biólogo Antonio Souto, de 49 anos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o líder da pesquisa publicada na semana passada na revista inglesa Biology Letters.
A pescaria de cupins é um dos usos de ferramenta mais sofisticados registrados em animais. Nas Américas, só outro bando de macacos-pregos (da espécie Cebus libidinosus) mostra destreza similar. Usa pedras para quebrar cocos numa serra no Piauí. Até sua descoberta, em 2004, pensava-se que, entre os primatas, só chimpanzés, orangotangos e humanos usavam ferramentas. Isso significa que a semente da cognição pode ser muito mais antiga do que se supunha – o ancestral comum entre humanos e macacos-pregos viveu há 40 milhões de anos (e não há “apenas” 6 milhões, como no caso do chimpanzé).
Não se sabe como nem quando os macacos da Paraíba criaram a técnica de pescar cupins. Só se sabe por que giram o espeto. Ele quebra se for simplesmente enfiado e retirado. Ao girá-lo, sai inteiro (os pesquisadores experimentaram). As biólogas Camila Bione e Monique Bastos avistaram a pescaria oito vezes em 140 horas de observação, de julho a novembro de 2009. O bando vive numa ilha de mata de 300 hectares, cercada pelos canaviais de três usineiros. O estudo se restringiu aos 96 hectares de uma única propriedade.O macaco-prego-galego foi descoberto em 1648 pelo naturalista alemão Georg Marcgrave. Desde então, não foi mais visto. Foi redescoberto em 2004, vivendo em bandos esparsos do Rio Grande do Norte a Alagoas. A espécie está entre os 25 primatas mais ameaçados. Quais técnicas os outros bandos remanescentes podem ter desenvolvido? Teremos tempo de estudá-las?
Publicado originalmente em Época, em 10/03/2011
Peter Moon
Em 1500, a Mata Atlântica cobria todo o litoral nordestino. Hoje o que sobrou é a Zona da Mata. De mata só tem o nome. É um mar de canaviais pontilhados por fragmentos da floresta. Uma dessas ilhas fica em Barra de Mamanguape, no litoral da Paraíba. Lá vive um bando de macacos-pregos-galegos (Cebus flavius): uma fêmea, um filhote e quatro machos. Eles vivem em árvores e raramente descem ao solo. Comem frutas e insetos. Três machos gostam de comer cupins. Para satisfazer seu apetite, usam uma técnica sofisticada. Eles escolhem um graveto reto e resistente. Arrancam qualquer imperfeição. O resultado é uma vara de pescar cupins. Aí começa a “pescaria”.
O macaco senta ante o cupinzeiro, enrola a cauda no tronco e segura o espeto na mão direita. Não o usa como uma picareta para abrir um buraco no cupinzeiro. É um instrumento de precisão. O macaco segura o espeto na posição horizontal e o empurra, girando como uma chave de fenda. Em menos de um minuto o espeto entra 10 centímetros. É retirado cheio de cupins, prontamente devorados. “O procedimento é repetido três ou quatro vezes. É um comportamento fascinante”, diz o biólogo Antonio Souto, de 49 anos, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o líder da pesquisa publicada na semana passada na revista inglesa Biology Letters.
A pescaria de cupins é um dos usos de ferramenta mais sofisticados registrados em animais. Nas Américas, só outro bando de macacos-pregos (da espécie Cebus libidinosus) mostra destreza similar. Usa pedras para quebrar cocos numa serra no Piauí. Até sua descoberta, em 2004, pensava-se que, entre os primatas, só chimpanzés, orangotangos e humanos usavam ferramentas. Isso significa que a semente da cognição pode ser muito mais antiga do que se supunha – o ancestral comum entre humanos e macacos-pregos viveu há 40 milhões de anos (e não há “apenas” 6 milhões, como no caso do chimpanzé).
Não se sabe como nem quando os macacos da Paraíba criaram a técnica de pescar cupins. Só se sabe por que giram o espeto. Ele quebra se for simplesmente enfiado e retirado. Ao girá-lo, sai inteiro (os pesquisadores experimentaram). As biólogas Camila Bione e Monique Bastos avistaram a pescaria oito vezes em 140 horas de observação, de julho a novembro de 2009. O bando vive numa ilha de mata de 300 hectares, cercada pelos canaviais de três usineiros. O estudo se restringiu aos 96 hectares de uma única propriedade.O macaco-prego-galego foi descoberto em 1648 pelo naturalista alemão Georg Marcgrave. Desde então, não foi mais visto. Foi redescoberto em 2004, vivendo em bandos esparsos do Rio Grande do Norte a Alagoas. A espécie está entre os 25 primatas mais ameaçados. Quais técnicas os outros bandos remanescentes podem ter desenvolvido? Teremos tempo de estudá-las?
Publicado originalmente em Época, em 10/03/2011
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