Um computador da IBM venceu o mais famoso programa de perguntas e respostas dos EUA. O que isso significa para nós
Peter Moon
“Eu podia sentir um novo tipo de inteligência do outro lado da mesa”, disse o enxadrista azeri Garry Kasparov em 1996, logo depois de transpirar para derrotar o supercomputador Deep Blue, da IBM. No torneio da revanche, em 1997, Deep Blue venceu facilmente o campeão mundial. Àquela altura, não era novidade ver computadores derrotando enxadristas. Mas nenhum havia batido um grande mestre, muito menos o maior deles em atividade. A inteligência percebida por Kasparov, porém, ainda era cega, surda e muda. O movimento das peças de Kasparov era informado a Deep Blue por meio de um teclado e a jogada do computador chegava ao mundo por um monitor.
Em 2011, tudo mudou. Watson, o novo supercomputador da IBM usado para desafiar humanos, não precisou de digitador ou monitor para participar, entre 16 e 18 de fevereiro, do Jeopardy!, o programa mais popular de perguntas e respostas da TV americana. Capaz de compreender a fala humana e de responder instantaneamente com uma bela voz de tenor, Watson enfrentou dois dos maiores vencedores da história de 46 anos do programa, os americanos Ken Jennings, ganhador de 74 programas consecutivos, e Brad Rutter, que embolsou mais de US$ 3 milhões em prêmios. Ao final de três noites de disputa, foi o grande vencedor. Ganhou US$ 77 mil, ante US$ 24 mil de Jennings e US$ 21.600 de Rutter. A IBM doou o prêmio de Watson para a caridade.
“Qual é a cidade citada no Livro de Josué cujas muralhas foram reconstruídas 17 vezes?”, foi a primeira pergunta do programa. Mal o apresentador acabou de formulá-la, a luz da bancada de Watson acendeu. “Jericó”, respondeu a máquina, ganhando US$ 200. “Fico na mesma categoria, valendo US$ 600”, completou. O apresentador diz: “Qual é a romancista cujo hobby era a arqueologia?”. A luz de Watson acende. “Agatha Christie.” A rapidez das respostas da máquina surpreendeu o público e seus concorrentes – e compensou a deficiência em algumas áreas de conhecimento. Ao ser perguntado sobre a cidade dos Estados Unidos cujo aeroporto homenageia um herói da Segunda Guerra Mundial, Watson respondeu Toronto, no Canadá. O correto é Chicago.
Trata-se de um erro de associação. Para obter respostas, Watson vasculha seus 16 terabytes de memória (para efeito de comparação: em janeiro de 2010, a Wikipédia tinha menos de 6 terabytes de informação). Diante de uma pergunta, ele pesquisa os dados em velocidade altíssima e obtém inúmeras respostas possíveis. Como apenas uma é a correta, o programa tem de escolher qual delas. Para isso, usa critérios de escolha, como qualquer humano. Quantas vezes você se lembrou do rosto de alguém associado ao nome de outra pessoa?
Os erros de Watson são parecidos. Ainda assim, seu desempenho foi notável. “O grande passo está na capacidade da máquina de ‘entender’ as questões e o contexto”, disse Dan Olds, um especialista americano da consultoria Gabriel Consulting Group. A parte difícil do trabalho, diz ele, é fazer com que a máquina seja capaz de julgar a intenção por trás das questões e decifrar os truques de linguagem que os humanos entendem de forma intuitiva. Isso dá a impressão de que o computador apresenta um comportamento quase humano.
Com o tamanho de dez geladeiras, com 90 computadores de grande porte que funcionam em paralelo, Watson é um software abrigado num supercomputador experimental tão caro que nem as empresas podem comprar. Seus sistemas de reconhecimento de voz e processamento de linguagem natural (a fala) são os mais avançados que existem. Com ele, a fronteira entre a inteligência humana e a das máquinas tornou-se um pouco mais tênue. O matemático inglês Alan Turing previu há 70 anos o advento da inteligência artificial. Ele criou o Teste de Turing, um conjunto de perguntas destinadas a distinguir o homem da máquina. No dia em que o entrevistador de Jeopardy! for incapaz de identificar quem dos participantes ocultos atrás de uma cortina é a máquina, teria, segundo Turing, surgido uma nova forma de consciência. Esse dia ainda não chegou – mas parece estar cada vez mais próximo.
Publicado originalmente em Época, em 18/02/2011.
Peter Moon
Os americanos Jennings (à esq.) e Rutter são os campeões do programa Jeopardy!. Perderam para Watson (ao centro) |
“Eu podia sentir um novo tipo de inteligência do outro lado da mesa”, disse o enxadrista azeri Garry Kasparov em 1996, logo depois de transpirar para derrotar o supercomputador Deep Blue, da IBM. No torneio da revanche, em 1997, Deep Blue venceu facilmente o campeão mundial. Àquela altura, não era novidade ver computadores derrotando enxadristas. Mas nenhum havia batido um grande mestre, muito menos o maior deles em atividade. A inteligência percebida por Kasparov, porém, ainda era cega, surda e muda. O movimento das peças de Kasparov era informado a Deep Blue por meio de um teclado e a jogada do computador chegava ao mundo por um monitor.
Em 2011, tudo mudou. Watson, o novo supercomputador da IBM usado para desafiar humanos, não precisou de digitador ou monitor para participar, entre 16 e 18 de fevereiro, do Jeopardy!, o programa mais popular de perguntas e respostas da TV americana. Capaz de compreender a fala humana e de responder instantaneamente com uma bela voz de tenor, Watson enfrentou dois dos maiores vencedores da história de 46 anos do programa, os americanos Ken Jennings, ganhador de 74 programas consecutivos, e Brad Rutter, que embolsou mais de US$ 3 milhões em prêmios. Ao final de três noites de disputa, foi o grande vencedor. Ganhou US$ 77 mil, ante US$ 24 mil de Jennings e US$ 21.600 de Rutter. A IBM doou o prêmio de Watson para a caridade.
“Qual é a cidade citada no Livro de Josué cujas muralhas foram reconstruídas 17 vezes?”, foi a primeira pergunta do programa. Mal o apresentador acabou de formulá-la, a luz da bancada de Watson acendeu. “Jericó”, respondeu a máquina, ganhando US$ 200. “Fico na mesma categoria, valendo US$ 600”, completou. O apresentador diz: “Qual é a romancista cujo hobby era a arqueologia?”. A luz de Watson acende. “Agatha Christie.” A rapidez das respostas da máquina surpreendeu o público e seus concorrentes – e compensou a deficiência em algumas áreas de conhecimento. Ao ser perguntado sobre a cidade dos Estados Unidos cujo aeroporto homenageia um herói da Segunda Guerra Mundial, Watson respondeu Toronto, no Canadá. O correto é Chicago.
Trata-se de um erro de associação. Para obter respostas, Watson vasculha seus 16 terabytes de memória (para efeito de comparação: em janeiro de 2010, a Wikipédia tinha menos de 6 terabytes de informação). Diante de uma pergunta, ele pesquisa os dados em velocidade altíssima e obtém inúmeras respostas possíveis. Como apenas uma é a correta, o programa tem de escolher qual delas. Para isso, usa critérios de escolha, como qualquer humano. Quantas vezes você se lembrou do rosto de alguém associado ao nome de outra pessoa?
Os erros de Watson são parecidos. Ainda assim, seu desempenho foi notável. “O grande passo está na capacidade da máquina de ‘entender’ as questões e o contexto”, disse Dan Olds, um especialista americano da consultoria Gabriel Consulting Group. A parte difícil do trabalho, diz ele, é fazer com que a máquina seja capaz de julgar a intenção por trás das questões e decifrar os truques de linguagem que os humanos entendem de forma intuitiva. Isso dá a impressão de que o computador apresenta um comportamento quase humano.
O matemático inglês Alan Turing (destaque) criou o Teste de Turing para saber quando as máquinas como Watson (acima) |
Com o tamanho de dez geladeiras, com 90 computadores de grande porte que funcionam em paralelo, Watson é um software abrigado num supercomputador experimental tão caro que nem as empresas podem comprar. Seus sistemas de reconhecimento de voz e processamento de linguagem natural (a fala) são os mais avançados que existem. Com ele, a fronteira entre a inteligência humana e a das máquinas tornou-se um pouco mais tênue. O matemático inglês Alan Turing previu há 70 anos o advento da inteligência artificial. Ele criou o Teste de Turing, um conjunto de perguntas destinadas a distinguir o homem da máquina. No dia em que o entrevistador de Jeopardy! for incapaz de identificar quem dos participantes ocultos atrás de uma cortina é a máquina, teria, segundo Turing, surgido uma nova forma de consciência. Esse dia ainda não chegou – mas parece estar cada vez mais próximo.
Publicado originalmente em Época, em 18/02/2011.
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