O menino-prodígio que estudou com Stephen Hawking e foi cientista-chefe de Bill Gates criou uma linha de produção de idéias para dominar o Vale do Silício
Peter Moon
“Eureka!” (encontrei!), exclamou o filósofo grego Arquimedes (287 a.C.-212 a.C.), ao entrar numa banheira e notar que o nível da água tinha subido. Naquele instante, Arquimedes percebeu que o volume de água deslocado devia ser igual ao volume da parte de seu corpo que estava submersa. Outra versão conta que o filósofo saiu nu pelas ruas de Siracusa, na Sicília, gritando “Eureka!”. Essa é uma das citações mais conhecidas da Antiguidade. Ao longo dos 24 séculos que nos separam de Arquimedes, tornou-se a principal metáfora para exemplificar a imprevisibilidade do processo inventivo. Idéias científicas revolucionárias não acontecem a torto e a direito. São “bênçãos intelectuais” reservadas a um grupo seleto de seres humanos, os gênios, que mesmo assim só têm o privilégio de descobrir algo original umas poucas vezes na vida – na maioria dos casos, uma única. Um grande gênio da humanidade como Albert Einstein produziu meia dúzia de leis da física e suas duas teorias da relatividade (a especial e a geral) entre 1905, quando tinha 25 anos, e 1917, aos 38. Nenhuma descoberta que fez até morrer, em 1955, se compara às da juventude. Einstein, como Sir Isaac Newton (1643-1727), é uma exceção entre os grandes cientistas. Ambos foram muito prolíficos. No outro extremo está Charles Darwin (1809-1882). Ele só teve uma idéia – mas de proporções extraordinárias. Darwin descobriu a seleção natural das espécies, a chamada Teoria da Evolução. Tudo o mais que concluiu foi conseqüência daquela faísca original.
A conclusão é que o processo intelectual que conduz à criação de uma idéia com implicações científicas ou tecnológicas é muito raro. Nathan Myhrvold, de 51 anos, discorda. Ele crê que a produção de invenções, sejam elas de ordem teórica ou prática, pode ser acelerada por meio da reunião de mentes brilhantes, dentro de uma atmosfera que estimule a discussão e a genialidade – condição que Myhrvold conhece desde criança. Nascido em Seattle em 1959, ele entrou na faculdade com 14 anos. Em 1979, com 20 anos, formou-se em Matemática, ao mesmo tempo que terminou um mestrado em Geofísica e Física Espacial na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Em 1983, com apenas 23 anos, teve tempo para completar um mestrado em Economia Matemática, antes de defender seu doutorado em Física Teórica e Matemática na Universidade Princeton. De lá, Myhrvold seguiu para a Universidade de Cambridge, na Inglaterra, para fazer pós-doutorado em Cosmologia e Teoria Quântica com ninguém menos que o físico Stephen Hawking, dono da cátedra ocupada há 300 anos por Newton.
Homem de múltiplos interesses, Myhrvold fundou em 1984 uma empresa de software, a Dynamical Systems, para produzir um editor de equações matemáticas. Naquele momento, os olhos de Bill Gates recaíram sobre ele. O homem mais rico do mundo comprou a Dynamical Systems em 1986, e Myhrvold se tornou o cientista-chefe da Microsoft. Em 1991, ele criou a Microsoft Research, o laboratório da empresa. Mas, em 2000, Myhrvold decidiu ter vida própria. Embolsou US$ 650 milhões em ações da Microsoft e foi atrás de seus sonhos. Um era ser paleontólogo. Financiou expedições em Montana que encontraram nove tiranossauros rex. De 1906 até 2000, só tinham sido achados dez.
“Não havia nada de errado com a Microsoft. Eu queria ter mais controle sobre meu tempo, ficar mais com minha família”, diz Myhrvold. “Sobretudo, queria ter controle sobre as áreas em que trabalhava. Na Microsoft, eu me dedicava ao software. Para a empresa estava perfeito, mas eu queria mais. Na vida, quanto melhor se faz um trabalho, mais responsabilidades e restrições se tem. A única instituição que fornece tempo livre em troca de bom comportamento é a prisão.”
Em 2000, Myhrvold fundou em Bellevue, perto de Seattle, a Intellectual Ventures, uma “fábrica de invenções” formada por uma congregação de gênios e destinada, segundo seu idealizador, a deslanchar a “quarta era da invenção”. A primeira delas foi a dos inventores solitários do século XIX, como Alexander Graham Bell, que patenteou o telefone em 1875, ou Thomas Alva Edison, criador do fonógrafo em 1877. A segunda era da invenção foi dominada pelos laboratórios corporativos, a partir de 1920. Nesse modelo, cientistas se tornaram empregados, e não eram donos do fruto de suas pesquisas, cuja patente pertencia às empresas. É o caso dos laboratórios da IBM e da Microsoft. O melhor exemplo é o Bell Labs, fundado por Graham Bell. De lá saíram o transistor (1947), pedra fundamental da indústria de tecnologia, o raio laser (1958) e o celular, de 1977.
A terceira era da invenção floresceu a partir dos anos 1970, em torno da Universidade Stanford. É o modelo de negócios no qual pesquisadores e alunos com grandes idéias recebem infusões maciças de capital de investidores de risco para abrir novas empresas. “O modelo do Vale do Silício é fantástico, mas foi levado até seu limite”, afirma Myhrvold. “Em 2000, tínhamos um monte de gente talentosa e cheia de dinheiro perseguindo idéias idiotas”.
É aí que entra a Intellectual Ventures. A quarta era da invenção defendida por Myhrvold é um novo modelo de negócios que alia a genialidade de um Thomas Edison ao gosto pelo lucro dos investidores de risco. Como o próprio nome indica, o principal recurso da empresa é intelectual. Os sócios de Myhrvold formam a nata dos pesquisadores dos Estados Unidos, 75 cientistas brilhantes a quem ele denomina “inventores de risco” (inventor capitalists). “Um inventor de risco se diverte com o que faz e pode ganhar muito dinheiro”, afirma Myhrvold. Sua premissa é a seguinte: quem tem tempo para fazer só o que gosta fará um trabalho cada vez melhor. Se esse alguém é criativo, será muito mais criativo ao empregar todo o seu tempo pensando em soluções. “Esse é o nosso modelo de negócios. O modelo mais próximo foi o criado por Edison”, diz. “A IBM, o Bell Labs e a Microsoft Research se baseiam em princípios diferentes. Eles fazem pesquisa, nós inventamos. O foco deles é resolver um problema, o nosso é buscar soluções”.
As duas coisas parecem similares, mas suas implicações são diferentes. Quem se prende a um único problema corre o risco de ficar preso a ele pelo resto da vida. É o caso clássico da Inteligência Artificial. Seus defensores tentam há 50 anos fazer as máquinas pensar, sem resultado. “Não nos preocupamos com um problema específico. Eu adoraria me deter na Inteligência Artificial. Até perderia um tempo com ela. Mas, em seguida, tentaria outra coisa”, diz Myhrvold.
A Intellectual Ventures promove sessões de invenção com seus sócios. “Procuramos formar um grupo diversificado. Se a sessão é sobre medicina, temos médicos de várias especialidades, mas também gente com formação completamente diferente”, diz Myhrvold. A mágica acontece quando especialistas de áreas não-relacionadas começam a trocar idéias. Os participantes acabam contribuindo em áreas nas quais jamais consideraram poder, pois cada um detém apenas uma peça do quebra-cabeça. “Vista isoladamente, aquela peça não parece relevante. Sua importância surge quando se forma todo o quebra-cabeça. É a arte de conectar pessoas”.
Desde a primeira reunião, o modelo imaginado por Myhrvold se mostrou um sucesso. “Eu tinha um palpite que daria certo. Mas, se você me pedisse para prová-lo, não conseguiria. De fato, o processo funciona muito melhor do que eu jamais poderia imaginar”. Das reuniões começaram a pipocar um número enorme de idéias. Se a reunião começava numa direção específica, como a cura do câncer ou a busca de energias limpas, muitas vezes terminava noutra direção, porque a inspiração das pessoas na sala as levava para lá. “Há centenas de instituições cujo foco é a pesquisa, mas nenhuma centrada na invenção. Como acho que somos a única, é muito fácil sermos a melhor”.
A afirmação de Myhrvold soa pretensiosa até se saber que, desde 2002, a Intellectual Ventures registrou mais de 3 mil patentes nos Estados Unidos. Uma, que pode contribuir para a cura do câncer, traz orgulho ao empresário (leia a entrevista na próxima página). Uma vez registradas as patentes, termina o trabalho dos inventores e começa o de licenciamento das idéias para empresas interessadas em desenvolvê-las e vendê-las, pagando royalties. A grande aposta de Myhrvold é que, entre milhares de idéias, algumas poucas, porém cruciais, dêem muito certo, levando sua empresa a uma posição de domínio tecnológico do mercado. As grandes corporações estão atentas. Em 2006, o cientista-chefe da HP, Shane Robinson, se referiu a Myhrvold como “um enorme trol de patentes”, alusão aos gigantes de O Senhor dos Anéis. “Alguns artigos me chamaram de o homem mais temido do Vale do Silício!”, diz Myhrvold. “Meus filhos adolescentes chegaram a me perguntar: ‘Pai, como pode? Você não é nem mesmo a pessoa mais temida desta casa!’”
Publicado originalmente em Época, em 11/09/2008
Peter Moon
Myhrvold aposta na criação de um modelo de negócios que chama de “quarta era da invenção” |
A conclusão é que o processo intelectual que conduz à criação de uma idéia com implicações científicas ou tecnológicas é muito raro. Nathan Myhrvold, de 51 anos, discorda. Ele crê que a produção de invenções, sejam elas de ordem teórica ou prática, pode ser acelerada por meio da reunião de mentes brilhantes, dentro de uma atmosfera que estimule a discussão e a genialidade – condição que Myhrvold conhece desde criança. Nascido em Seattle em 1959, ele entrou na faculdade com 14 anos. Em 1979, com 20 anos, formou-se em Matemática, ao mesmo tempo que terminou um mestrado em Geofísica e Física Espacial na Universidade da Califórnia, em Los Angeles. Em 1983, com apenas 23 anos, teve tempo para completar um mestrado em Economia Matemática, antes de defender seu doutorado em Física Teórica e Matemática na Universidade Princeton. De lá, Myhrvold seguiu para a Universidade de Cambridge, na Inglaterra, para fazer pós-doutorado em Cosmologia e Teoria Quântica com ninguém menos que o físico Stephen Hawking, dono da cátedra ocupada há 300 anos por Newton.
Homem de múltiplos interesses, Myhrvold fundou em 1984 uma empresa de software, a Dynamical Systems, para produzir um editor de equações matemáticas. Naquele momento, os olhos de Bill Gates recaíram sobre ele. O homem mais rico do mundo comprou a Dynamical Systems em 1986, e Myhrvold se tornou o cientista-chefe da Microsoft. Em 1991, ele criou a Microsoft Research, o laboratório da empresa. Mas, em 2000, Myhrvold decidiu ter vida própria. Embolsou US$ 650 milhões em ações da Microsoft e foi atrás de seus sonhos. Um era ser paleontólogo. Financiou expedições em Montana que encontraram nove tiranossauros rex. De 1906 até 2000, só tinham sido achados dez.
“Não havia nada de errado com a Microsoft. Eu queria ter mais controle sobre meu tempo, ficar mais com minha família”, diz Myhrvold. “Sobretudo, queria ter controle sobre as áreas em que trabalhava. Na Microsoft, eu me dedicava ao software. Para a empresa estava perfeito, mas eu queria mais. Na vida, quanto melhor se faz um trabalho, mais responsabilidades e restrições se tem. A única instituição que fornece tempo livre em troca de bom comportamento é a prisão.”
Em 2000, Myhrvold fundou em Bellevue, perto de Seattle, a Intellectual Ventures, uma “fábrica de invenções” formada por uma congregação de gênios e destinada, segundo seu idealizador, a deslanchar a “quarta era da invenção”. A primeira delas foi a dos inventores solitários do século XIX, como Alexander Graham Bell, que patenteou o telefone em 1875, ou Thomas Alva Edison, criador do fonógrafo em 1877. A segunda era da invenção foi dominada pelos laboratórios corporativos, a partir de 1920. Nesse modelo, cientistas se tornaram empregados, e não eram donos do fruto de suas pesquisas, cuja patente pertencia às empresas. É o caso dos laboratórios da IBM e da Microsoft. O melhor exemplo é o Bell Labs, fundado por Graham Bell. De lá saíram o transistor (1947), pedra fundamental da indústria de tecnologia, o raio laser (1958) e o celular, de 1977.
A terceira era da invenção floresceu a partir dos anos 1970, em torno da Universidade Stanford. É o modelo de negócios no qual pesquisadores e alunos com grandes idéias recebem infusões maciças de capital de investidores de risco para abrir novas empresas. “O modelo do Vale do Silício é fantástico, mas foi levado até seu limite”, afirma Myhrvold. “Em 2000, tínhamos um monte de gente talentosa e cheia de dinheiro perseguindo idéias idiotas”.
É aí que entra a Intellectual Ventures. A quarta era da invenção defendida por Myhrvold é um novo modelo de negócios que alia a genialidade de um Thomas Edison ao gosto pelo lucro dos investidores de risco. Como o próprio nome indica, o principal recurso da empresa é intelectual. Os sócios de Myhrvold formam a nata dos pesquisadores dos Estados Unidos, 75 cientistas brilhantes a quem ele denomina “inventores de risco” (inventor capitalists). “Um inventor de risco se diverte com o que faz e pode ganhar muito dinheiro”, afirma Myhrvold. Sua premissa é a seguinte: quem tem tempo para fazer só o que gosta fará um trabalho cada vez melhor. Se esse alguém é criativo, será muito mais criativo ao empregar todo o seu tempo pensando em soluções. “Esse é o nosso modelo de negócios. O modelo mais próximo foi o criado por Edison”, diz. “A IBM, o Bell Labs e a Microsoft Research se baseiam em princípios diferentes. Eles fazem pesquisa, nós inventamos. O foco deles é resolver um problema, o nosso é buscar soluções”.
As duas coisas parecem similares, mas suas implicações são diferentes. Quem se prende a um único problema corre o risco de ficar preso a ele pelo resto da vida. É o caso clássico da Inteligência Artificial. Seus defensores tentam há 50 anos fazer as máquinas pensar, sem resultado. “Não nos preocupamos com um problema específico. Eu adoraria me deter na Inteligência Artificial. Até perderia um tempo com ela. Mas, em seguida, tentaria outra coisa”, diz Myhrvold.
A Intellectual Ventures promove sessões de invenção com seus sócios. “Procuramos formar um grupo diversificado. Se a sessão é sobre medicina, temos médicos de várias especialidades, mas também gente com formação completamente diferente”, diz Myhrvold. A mágica acontece quando especialistas de áreas não-relacionadas começam a trocar idéias. Os participantes acabam contribuindo em áreas nas quais jamais consideraram poder, pois cada um detém apenas uma peça do quebra-cabeça. “Vista isoladamente, aquela peça não parece relevante. Sua importância surge quando se forma todo o quebra-cabeça. É a arte de conectar pessoas”.
Desde a primeira reunião, o modelo imaginado por Myhrvold se mostrou um sucesso. “Eu tinha um palpite que daria certo. Mas, se você me pedisse para prová-lo, não conseguiria. De fato, o processo funciona muito melhor do que eu jamais poderia imaginar”. Das reuniões começaram a pipocar um número enorme de idéias. Se a reunião começava numa direção específica, como a cura do câncer ou a busca de energias limpas, muitas vezes terminava noutra direção, porque a inspiração das pessoas na sala as levava para lá. “Há centenas de instituições cujo foco é a pesquisa, mas nenhuma centrada na invenção. Como acho que somos a única, é muito fácil sermos a melhor”.
A afirmação de Myhrvold soa pretensiosa até se saber que, desde 2002, a Intellectual Ventures registrou mais de 3 mil patentes nos Estados Unidos. Uma, que pode contribuir para a cura do câncer, traz orgulho ao empresário (leia a entrevista na próxima página). Uma vez registradas as patentes, termina o trabalho dos inventores e começa o de licenciamento das idéias para empresas interessadas em desenvolvê-las e vendê-las, pagando royalties. A grande aposta de Myhrvold é que, entre milhares de idéias, algumas poucas, porém cruciais, dêem muito certo, levando sua empresa a uma posição de domínio tecnológico do mercado. As grandes corporações estão atentas. Em 2006, o cientista-chefe da HP, Shane Robinson, se referiu a Myhrvold como “um enorme trol de patentes”, alusão aos gigantes de O Senhor dos Anéis. “Alguns artigos me chamaram de o homem mais temido do Vale do Silício!”, diz Myhrvold. “Meus filhos adolescentes chegaram a me perguntar: ‘Pai, como pode? Você não é nem mesmo a pessoa mais temida desta casa!’”
Publicado originalmente em Época, em 11/09/2008
Olá, Peter. Adorei essa matéria mas, fiquei curioso pela entrevista que é comentada no texto. Como posso acessá-la? Só na revista época? abraços
ResponderExcluirCaro Marcio
ResponderExcluirComo este site é um repositário de minhas entrevistas e reportagens, vou alimentando-o quando tenho tempo.
Como vc viu, fiz esta entrevista faz dois anos e meio. E esqueci que tinha esta entrevista junto. Acabei de carregá-la. Ela estará aqui no Blog, amanhã de manhã, aí vc poderá lê-la.
abs e obrigado
Peter