O neurocientista paulistano Miguel Nicolelis (hoje com 49 anos), professor da Universidade Duke, fala nesta entrevista de 2009 sobre as esperanças para os paraplégicos, os pacientes de Parkinson – e o Palmeiras, sua maior paiuxão
Peter Moon
ÉPOCA – Como é sua nova cirurgia?
Miguel Nicolelis – A ideia surgiu em um jantar com alunos há dois anos. Estávamos falando sobre os sinais cerebrais dos ratos com Parkinson, quando lembrei que aquele padrão de ondas cerebrais era igual a um que tinha visto dez anos antes, em pacientes epilépticos. Daí veio a pergunta: seria o mal de Parkinson uma forma de epilepsia? Decidi partir da premissa de que os sintomas de Parkinson surgem quando os neurônios que compõem o sistema nervoso disparam todos simultaneamente – de forma similar ao que acontece nos ataques epilépticos. Quando isso ocorre, o doente perde o controle dos movimentos. Resolvemos testar esse modelo em cobaias, em busca de um tratamento.
ÉPOCA – Como foi isso?
Nicolelis – Usamos ratos saudáveis medicados para manifestar sintomas iguais aos de Parkinson. Também usamos ratos paralisados, com lesões na medula. Nos dois casos, implantamos uma prótese na medula espinhal das cobaias. A prótese disparou estímulos elétricos na medula. Três segundos após cada disparo, os sintomas de paralisia cessaram, os animais começaram a andar e os sintomas de Parkinson desapareceram.
ÉPOCA – Por quê?
Nicolelis – Os estímulos elétricos injetaram ruído no cérebro dos ratos. Esse ruído tornou mais caótica a concentração de impulsos elétricos que causa o mal de Parkinson. A ironia é que a criação desse caos se mostrou benéfica para o cérebro. A elevação do ruído restabeleceu o controle sobre os movimentos. Para o senso comum, deveria ser o contrário. Na visão clássica da engenharia, o cérebro precisa de ordem, não de caos. Mas o cérebro não foi feito por engenheiros.
ÉPOCA – Qual é a vantagem da técnica?
Nicolelis – O estímulo na medula pode ser feito no início da doença, e é uma cirurgia muito menos invasiva que o implante profundo de uma prótese no cérebro, ao qual só um terço dos pacientes tem condições de se submeter. Quando combinamos a nova cirurgia com a medicação tradicional para Parkinson, os ratos só precisaram tomar um quinto da dose convencional. Com uma dose tão baixa, não há efeitos colaterais.
ÉPOCA – O que vem agora?
Nicolelis – Em 2009, replicamos o estudo em saguis no Instituto de Neurociência de Natal, no Rio Grande do Norte. Se os resultados forem parecidos com os dos ratos, o teste com humanos começará em 2010.
ÉPOCA – E em seu trabalho com paralisia, quanto falta para devolver os movimentos aos pacientes?
Nicolelis – Só falta vencer a última barreira burocrática brasileira, a liberação da importação dos eletrodos. Nos próximos meses, uma equipe no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, começará a implantar próteses em paraplégicos, para tentar devolver-lhes os movimentos. Eles poderão comandar braços-robôs só com o pensamento.
ÉPOCA – Qual será o passo seguinte?
Nicolelis – É o Projeto Andar de Novo. Consegui reunir os melhores especialistas do mundo em cada área. A iniciativa envolve a construção de uma roupa robótica no Instituto de Tecnologia da Suíça, em Lausanne, e testes clínicos na Universidade Duke e no Sírio Libanês. Se tudo der certo, quero ver paraplégicos voltando a andar em três anos, antes da Copa de 2014.
ÉPOCA – No futuro, a humanidade usará chips no cérebro para curar doenças?
Nicolelis – Não tenho a menor dúvida. Essa fronteira já foi rompida. A medicina implantará chips no cérebro e na medula. Eles serão tão comuns como os marca-passos cardíacos e as próteses.
ÉPOCA – Esses chips serão usados para expandir a inteligência e a memória?
Nicolelis – Sim, vão ampliar nossa capacidade cognitiva. Mas nós não veremos essa nova era. Do ponto de vista técnico, é um cenário ainda muito distante. Mas que ele virá, virá. Estamos falando de um processo evolutivo muito interessante na espécie humana.
ÉPOCA – Miguel Nicolelis será o primeiro brasileiro a ganhar um Prêmio Nobel?
Nicolelis – De jeito nenhum. Não tem a menor chance. A disputa pelo Nobel é muito competitiva. Eu não participo das rodas sociais onde essas decisões são tomadas. Meu objetivo é conseguir melhorar a vida de doentes com Parkinson, construir as próteses robóticas para melhorar a vida de gente paralisada e disseminar o ensino da ciência no Brasil. São minhas obsessões. Se conseguir chegar perto de realizar alguma delas – e o Palmeiras voltar a ganhar alguma coisa que preste –, vou estar satisfeito.
Publicada originalmente em Época, em 20/03/2009.
Peter Moon
Em 2003, Nicolelis fez a macaca Idoya mover este braço-robô |
Miguel Nicolelis – A ideia surgiu em um jantar com alunos há dois anos. Estávamos falando sobre os sinais cerebrais dos ratos com Parkinson, quando lembrei que aquele padrão de ondas cerebrais era igual a um que tinha visto dez anos antes, em pacientes epilépticos. Daí veio a pergunta: seria o mal de Parkinson uma forma de epilepsia? Decidi partir da premissa de que os sintomas de Parkinson surgem quando os neurônios que compõem o sistema nervoso disparam todos simultaneamente – de forma similar ao que acontece nos ataques epilépticos. Quando isso ocorre, o doente perde o controle dos movimentos. Resolvemos testar esse modelo em cobaias, em busca de um tratamento.
ÉPOCA – Como foi isso?
Nicolelis – Usamos ratos saudáveis medicados para manifestar sintomas iguais aos de Parkinson. Também usamos ratos paralisados, com lesões na medula. Nos dois casos, implantamos uma prótese na medula espinhal das cobaias. A prótese disparou estímulos elétricos na medula. Três segundos após cada disparo, os sintomas de paralisia cessaram, os animais começaram a andar e os sintomas de Parkinson desapareceram.
ÉPOCA – Por quê?
Nicolelis – Os estímulos elétricos injetaram ruído no cérebro dos ratos. Esse ruído tornou mais caótica a concentração de impulsos elétricos que causa o mal de Parkinson. A ironia é que a criação desse caos se mostrou benéfica para o cérebro. A elevação do ruído restabeleceu o controle sobre os movimentos. Para o senso comum, deveria ser o contrário. Na visão clássica da engenharia, o cérebro precisa de ordem, não de caos. Mas o cérebro não foi feito por engenheiros.
ÉPOCA – Qual é a vantagem da técnica?
Nicolelis – O estímulo na medula pode ser feito no início da doença, e é uma cirurgia muito menos invasiva que o implante profundo de uma prótese no cérebro, ao qual só um terço dos pacientes tem condições de se submeter. Quando combinamos a nova cirurgia com a medicação tradicional para Parkinson, os ratos só precisaram tomar um quinto da dose convencional. Com uma dose tão baixa, não há efeitos colaterais.
ÉPOCA – O que vem agora?
Nicolelis – Em 2009, replicamos o estudo em saguis no Instituto de Neurociência de Natal, no Rio Grande do Norte. Se os resultados forem parecidos com os dos ratos, o teste com humanos começará em 2010.
ÉPOCA – E em seu trabalho com paralisia, quanto falta para devolver os movimentos aos pacientes?
Nicolelis – Só falta vencer a última barreira burocrática brasileira, a liberação da importação dos eletrodos. Nos próximos meses, uma equipe no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, começará a implantar próteses em paraplégicos, para tentar devolver-lhes os movimentos. Eles poderão comandar braços-robôs só com o pensamento.
ÉPOCA – Qual será o passo seguinte?
Nicolelis – É o Projeto Andar de Novo. Consegui reunir os melhores especialistas do mundo em cada área. A iniciativa envolve a construção de uma roupa robótica no Instituto de Tecnologia da Suíça, em Lausanne, e testes clínicos na Universidade Duke e no Sírio Libanês. Se tudo der certo, quero ver paraplégicos voltando a andar em três anos, antes da Copa de 2014.
ÉPOCA – No futuro, a humanidade usará chips no cérebro para curar doenças?
Nicolelis – Não tenho a menor dúvida. Essa fronteira já foi rompida. A medicina implantará chips no cérebro e na medula. Eles serão tão comuns como os marca-passos cardíacos e as próteses.
ÉPOCA – Esses chips serão usados para expandir a inteligência e a memória?
Nicolelis – Sim, vão ampliar nossa capacidade cognitiva. Mas nós não veremos essa nova era. Do ponto de vista técnico, é um cenário ainda muito distante. Mas que ele virá, virá. Estamos falando de um processo evolutivo muito interessante na espécie humana.
ÉPOCA – Miguel Nicolelis será o primeiro brasileiro a ganhar um Prêmio Nobel?
Nicolelis – De jeito nenhum. Não tem a menor chance. A disputa pelo Nobel é muito competitiva. Eu não participo das rodas sociais onde essas decisões são tomadas. Meu objetivo é conseguir melhorar a vida de doentes com Parkinson, construir as próteses robóticas para melhorar a vida de gente paralisada e disseminar o ensino da ciência no Brasil. São minhas obsessões. Se conseguir chegar perto de realizar alguma delas – e o Palmeiras voltar a ganhar alguma coisa que preste –, vou estar satisfeito.
Publicada originalmente em Época, em 20/03/2009.
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